sexta-feira, 1 de maio de 2015

BOAS PESSOAS

A linguagem já não significa algo em que se deva acreditar, mas indica o que vai ser feito e que os astutos ou os competentes sabem descodificar, compreender por meias palavras. E mais, apesar da abundância de carteiras de identidade, de fichas e de meios de controle, o capitalismo nem sequer tem necessidade de escrever nos livros para suprir as marcas desaparecidas dos corpos. Não passam de sobrevivências, arcaísmos com funções atuais. A pessoa deveio realmente “privada”, na medida em que deriva das quantidades abstratas e devém concreta no devir-concreto destas mesmas quantidades. Estas é que são marcadas, não mais as próprias pessoas: seu capital ou sua força de trabalho, o resto não tem importância, você será sempre reencontrado nos limites ampliados do sistema, ainda que seja preciso fazer um axioma para você. Já não é necessário investir coletivamente os órgãos, eles já estão suficientemente preenchidos pelas imagens flutuantes que não param de ser produzidas pelo capitalismo. Essas imagens, conforme observação de Henri Lefebvre, acarretam menos uma publicação do privado do que uma privatização do público: o mundo inteiro se passa em família, sem que se tenha de deixar sua televisão. Isto dá às pessoas privadas, como veremos, um papel muito particular no sistema: um papel de aplicação, e não mais de implicação num código. Aproxima-se a hora de Édipo.
(...)
Gilles Deleuze e F. Guattari in O Anti-Édipo

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