BOAS PESSOAS
A linguagem já não significa algo em que
se deva acreditar, mas indica o que vai ser feito e que os astutos ou
os competentes sabem descodificar, compreender por meias palavras.
E mais, apesar da abundância de carteiras de identidade, de
fichas e de meios de controle, o capitalismo nem sequer tem necessidade
de escrever nos livros para suprir as marcas desaparecidas
dos corpos. Não passam de sobrevivências, arcaísmos com funções
atuais. A pessoa deveio realmente “privada”, na medida em que
deriva das quantidades abstratas e devém concreta no devir-concreto
destas mesmas quantidades. Estas é que são marcadas, não mais as próprias pessoas: seu capital ou sua força de trabalho, o
resto não tem importância, você será sempre reencontrado nos
limites ampliados do sistema, ainda que seja preciso fazer um axioma
para você. Já não é necessário investir coletivamente os
órgãos, eles já estão suficientemente preenchidos pelas imagens
flutuantes que não param de ser produzidas pelo capitalismo. Essas
imagens, conforme observação de Henri Lefebvre, acarretam menos
uma publicação do privado do que uma privatização do público: o mundo inteiro se passa em família, sem que se tenha de
deixar sua televisão. Isto dá às pessoas privadas, como veremos,
um papel muito particular no sistema: um papel de aplicação, e não
mais de implicação num código. Aproxima-se a hora de Édipo.
(...)
Gilles Deleuze e F. Guattari in O Anti-Édipo
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