segunda-feira, 30 de maio de 2016

PESSOANA 

Quando não sei o que sinto
sei que o que sinto é o que sou.
Só o que não meço não minto.

Mas tão logo identifico
o não-lugar onde estou
decido que ali não fico,

pois onde me delimito
já não sou mais o que sou
mas tão-somente me imito.

De ponto a ponto rabisco
o mapa de onde não vou,
ligando de risco em risco

meus equívocos favoritos,
até que tudo que sou
é um acúmulo de escritos,

penetrável labirinto
em cujo centro não estou
mas apenas me pressinto

mero signo, simples mito.


Paulo Henriques Brito
PÂNDEGAS SISUDAS

Se Michel Temer não acordar, vai chegar uma hora em que a paciência dos brasileiros, dos quais 58% já não o queriam na Presidência, se esgotará. Quando parece que está tudo normalizado —o Romero Jucá afastado da Esplanada, o Ministério da Cultura recriado, nenhuma acusação nova feita contra o Eduardo Cunha na última meia hora, o Lula quieto, a seleção do Dunga derrotando o time do Panamá por 2 a 0, o impeachment da Dilma caminhando no Senado, as pessoas começando a se conformar com a peruca ridícula do Antonio Fagundes na novela—, surge mais uma gravação do Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro.
(...)
– Atualização feita às 20h15 desta segunda-feira (30): no início da noite, sentindo o chão fugir-lhe dos pés, o ministro Fabiano Silveira enviou carta de demissão ao Palácio do Planalto. Envolto numa rebelião dos servidores da pasta que deveria comandar, o preposto de Renan Calheiros foi demitido pelos fatos, não pelo presidente.


Do Blog do Josias de Souza,30/05/2016, 04:30 hs

ZDISLAW BEKSINSKI


Não consigo dormir.
Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras.
Se pudesse, diria a ela que fosse embora;
mas tenho uma mulher atravessada na garganta.

Eduardo Galeano
A MEDICINA CURA?

A aliança da Medicina com o capital é mais íntima do que se supõe. Seria grosseiro e simplista dizer apenas que a Medicina lucra, faz dinheiro e/ou que o poder médico compõe o tecido social. Claro que isso é verdade, na medida em que a superfície miraculada do capital transforma tudo em mercadoria. No entanto, a questão é de outra natureza. Ela implica na produção de necessidades humanas codificadas em crenças e afetos. Quais? Dir-se-ia: " eu acredito na Medicina como a principal resposta ( obtida ou a obter mediante pesquisas ) a qualquer doença. Aí está implícito o próprio conceito de doença: axiomas médicos o sustentam. Trata-se de uma crença. Quanto aos afetos, eles estão inseridos na "essência"dos modos de subjetivação dominantes como fé: "eu tenho fé na Medicina e reverencio seus métodos por terem respaldo científico": produção de verdade. Daí, alguém ser "crente" e ser "fiel" não é só ser religioso pois isso está fora da religião. São afetos encravados no corpo-organismo e reforçados por muitos outros como o medo à dor, ao sofrimento, à morte, etc, os quais sustentam a engrenagem do consumo (de remédios químicos, por exemplo) acoplado à produção, ou vice-versa.

A.M.

Obs.: versão revisada e ampliada.

GRANDES ESCRITOS


domingo, 29 de maio de 2016

Texto para uma separação

Olhe aqui, olhos de azeviche
Vamos acertar as contas
porque é no dia de hoje
que cê vai embora daqui...
Mas antes, por obséquio:
Quer me devolver o equilíbrio?
Quer me dizer por que cê sumiu?
Quer me devolver o sono meu doril?
Quer se tocar e botar meu marcapasso pra consertar?
Quer me deixar na minha?
Quer tirar a mão de dentro da minha calcinha?
Olhe aqui, olhos de azeviche:
Quer parar de torcer pro meu fim
dentro do meu próprio estádio?
Quer parar de saxdoer no meu próprio rádio?
Vem cá, não vai sair assim...
Antes, quer ter a delicadeza de colar meu espelho?
Assim: agora fica de joelhos
e comece a cuspir todos os meus beijos.
Isso. Agora recolhe!
Engole a farta coreografia destas línguas
Varre com a língua esses anseios
Não haverá mais filho
pulsações e instintos animais.
Hoje eu me suicido ingerindo
sete caixas de anticoncepcionais.
Trata-se de um despejo
Dedetize essa chateação que a gente chamou de desejo.
Pronto: última revista
Leve também essa bobagem
que você chamou
de amor à primeira vista.
Olhos de azeviche, vem cá:
Apague esse gosto de pescoço da minha boca!
E leve esses presentes que você me deu:
essa cara de pau, essa textura de verniz.
Tire também esse sentimento de penetração
esse modo com que você me quis
esses ensaios de idas e voltas
essa esfregação
esse bob wilson erotizado
que a gente chamou de tesão.
Pronto. Olhos de azeviche, pode partir!
Estou calma. Quero ficar sozinha
eu co'a minha alma. Agora pode ir.
Gente! Cadê minha alma que estava aqui?


Elisa Lucinda

GATO BARBIERI - Lost Tango In Paris


BRASIL BRASILEIRO

Daria para fazer quase 30 000 casas pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Somente entre 2013 e 2014, pelo menos 2,6 bilhões de reais do total da verba reservada ao Bolsa Família foram parar no bolso de quem não precisava. A informação é resultado do maior pente-fino já realizado desde o início do programa do governo federal, em 2003. Feito pelo Ministério Público Federal a partir do cruzamento de dados do antigo Ministério do Desenvolvimento Social com informações de órgãos como Receita Federal, Tribunais de Contas e Tribunal Superior Eleitoral, o exame detectou mais de 1 milhão de casos de fraude em todos os estados brasileiros. O Bolsa Família, um valor mensal a partir de 77 reais por pessoa, é destinado exclusivamente a brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza. A varredura mostrou, no entanto, que entre os que receberam indevidamente o auxílio no período estão funcionários públicos, mortos e até doadores de campanha (veja o quadro na pág. ao lado).
Só de funcionários públicos foram 585 000 os beneficiários ilegais. Em todos os casos, os contemplados ganhavam ao menos um salário mínimo (piso da categoria) e, segundo apurou o estudo, pertenciam a famílias com renda per capita acima de 154 reais - situação que os impediria de receber o benefício. O fato de esses funcionários serem majoritariamente servidores municipais reforça a tese do Ministério Público de que esse tipo de fraude não dispõe de um comando centralizado. "Nasce daquele microcosmo do município em que o cadastrador conhece quem está sendo habilitado e não tem interesse em realizar uma fiscalização correta sobre suas condições de pobreza", afirma a procuradora Renata Ribeiro Baptista, que coordenou a pesquisa.
Os doadores de campanha ocupam lugar de destaque no ranking das categorias de fraudadores identificadas no estudo. O Ministério Público encontrou 90 000 beneficiários do programa que, em 2014, doaram a políticos ou partidos valores iguais ou superiores aos recebidos do programa naquele ano e casos de grupos de dez ou mais beneficiários que transferiram verbas para um mesmo candidato.
O levantamento achou ainda beneficiários sem CPF ou com mais de um CPF, além de 318 000 beneficiários que eram donos de empresas. Abrir uma empresa não significa necessariamente que alguém seja um sujeito de posses (o processo para constituir uma firma pode custar pouco mais de 200 reais), mas o Ministério Público acredita que poucos dos contemplados nessa situação conseguirão provar que vivem abaixo da linha da pobreza.
(...)
Pieter Zalis, Veja.com, 26/05;2016, 21:35 hs

sábado, 28 de maio de 2016

POÉTICA DOS ENCONTROS

Uma linguagem poética alumia os corpos que antes se arrastavam como organismos em ordem unida. Deste modo desarruma os enunciados da razão esperta em prol dos afetos que circulam sem fim. Não é o poeta o único que expressa a "sua" poesia, mas sim as multiplicidades: elas formigam e pulsam em horas desérticas e transitórias, habitam a chamada "pessoa humana"e se nutrem de micro-signos no círcuito enlouquecido do viver por viver. Todas as palavras são embaralhadas e extraídas ao acaso dos encontros. E tudo recomeça sob a égide da criação do tempo em meio às velocidades mais estonteantes dos dias tecnológicos que correm. Uma poética da diferença afirma a superioridade dos corpos lisos e inocentes sobre organismos endurecidos pelas agências do poder invisível. Só assim o ato de pensar, encharcado de afeto e mistério, nasce a cada segundo. Como um raio.

A.M.

A GAROTA DINAMARQUESA - direção de Tom Hooper, 2016


Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!

...

Se têm a verdade, guardem-a!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?


Fernando Pessoa

AUGUST MACKE


sexta-feira, 27 de maio de 2016

O NÃO LUGAR

DIPLOMATIQUE: Perante o excesso contemporâneo de informações, e à velocidade sempre acelerada do desenrolar dos acontecimentos se desdobrando mundialmente nas imagens de nossas telas, não estamos testemunhando uma verdadeira desconstrução da cultura geral?

VIRILIO -Você utilizou na sua pergunta a palavra “desconstrução”. Eu creio que Derrida tinha razão para o fim do século XX. O início do século XX é a destruição pura e simplesmente através da ruína das cidades, através da ruína dos corpos. É a destruição; não se pode dizer que Auschiwtz ou Hiroshima sejam “desconstruções”… São puras destruições. Ora, eu creio – e eu o digo e o escrevo – que o século XXI será a desorientação, quer dizer, a perda de todas as referências – se a humanidade continuar desse jeito, e ela não continuará. Portanto, eu não creio de maneira alguma no fim do mundo. Mas o que eu quero dizer é a desorientação: não sabemos mais onde estamos nem no espaço nem no tempo. E aí, o geômetra que eu sou, o arquiteto que eu sou, sabe o que é a orientação. A arquitetura é primeira; ela é composição; ela é habitat comum entre os seres e as coisas. Pois ser é “ser-no-mundo”, e é o que eu digo: o problema não é de ser, mas de ser-no-mundo, em outras palavras, de ser-no-corpo-territorial. Isso não tem nada a ver com nacionalismo. Simplesmente não se pode ser sem “ser-no-mundo”. Em nossa época, todavia, o essencial se passa no vazio. Se você olhar hoje em dia, o poder não é mais geopolítico, religado ao solo, ele é aeropolítico: as ondas, os aviões e os foguetes traçam o porvir. A história se transferiu da terra ao céu, com toda a dimensão mística de adoração do cosmos, do grande vazio sideral, das ondas que se propagam etc. que isso supõe. As sociedades históricas eram sociedades geopolíticas, ou seja, inscritas nos lugares. O acontecimento, conforme com que eu digo, o acontecimento “tem lugar”; logo existe uma natureza do lugar que tange ao acontecimento. E essa relação com o “ter lugar” foi ocultada. É uma noção tão banal… Significa, portanto, que eu não posso ser sem ter lugar. Não é um problema de identidade – não, situado, orientado, in situ, hic et nunc, aqui e agora.
(...)
Paul Virilio,trecho de entrevista a" L.M.Diplomatique - Brasil", 03/06/2011
Quem muito se evita, se convive.

Guimarães Rosa

JOÃO BOSCO - Quando O Amor Acontece


Suma Biológica de Cacá de Aquino

Deus tudo vê.
O Diabo também.
Mas prefere as cenas mais fortes.
Deus tudo sabe. Noite e dia.
O Diabo também. E tripudia.
Deus tudo escuta.
O Diabo não faz por menos:
um rock pesado aos berros
num quarto de puta.
Deus é a consciência do Universo.
O Diabo não. Inconsciência total.
Bebe pra caralho
cai de boca no brilho
e só pensa em sacanagem.
Deus vota sempre com a democracia cristã.
O Diabo é mais alienado. Não sai da praia.
Não sai do Baixo. E faz o gênero intelectual de esquerda
só pra comer aquela militante de bunda empinada
e peitinhos de adolescente. É um doente.
Deus faz análise há séculos
por causa do problema da Virgem Maria.
Já o Diabo não tem pai nem mãe
não tem culpa nem mecanismos repressivos
e além do mais não leva muita fé
em terapias neofreudianas argentinas.
O hálito de Deus é a brisa da esperança.
O bafo do Diabo se tu cheira tu dança.
Deus é uma chama no coração.
O Diabo é um fogo no rabo.
Enquanto o Bem vai sarrando o Mal
um raio laser acende
tua xota no meu pau.
Religião não se discute. Ponto final.


Eudoro Augusto
RIR OU CHORAR?

Entre todos os corruptos presos na Operação Lava-Jato, o ex-deputado Pedro Corrêa é de longe o que mais aproveitou o tempo ocioso para fazer amigos atrás das grades. Político à moda antiga, expoente de uma família rica e tradicional do Nordeste, Corrêa é conhecido pelo jeito bonachão. Conseguiu o impressionante feito de arrancar gargalhadas do sempre sisudo juiz Sergio Moro quando, em uma audiência, se disse um especialista na arte de comprar votos. Falou de maneira tão espontânea que ninguém resistiu. Confessar crimes é algo que o ex-deputado vem fazendo desde que começou a negociar um acordo de delação premiada com a Justiça, há quase um ano. Corrêa foi o primeiro político a se apresentar ao Ministério Público para contar o que sabe em troca de redução de pena. Durante esse tempo, ele prestou centenas de depoimentos. Deu detalhes da primeira vez que embolsou propina por contratos no extinto Inamps, na década de 70, até ser preso e condenado a vinte anos e sete meses de cadeia por envolvimento no petrolão, em 2015. Corrêa admitiu ter recebido dinheiro desviado de quase vinte órgãos do governo. De bancos a ministérios, de estatais a agências reguladoras - um inventário de quase quarenta anos de corrupção.
VEJA teve acesso aos 72 anexos de sua delação, que resultam num calhamaço de 132 páginas. Ali está resumido o relato do médico pernambucano que usou a política para construir fama e fortuna. Com sete mandatos de deputado federal, Corrêa detalha esquemas de corrupção que remontam aos governos militares, à breve gestão de Fernando Collor, passando por Fernando Henrique Cardoso, até chegar ao nirvana - a era petista. Ele aponta como beneficiários de propina senadores, deputados, governadores, ex-governadores, ministros e ex-ministros dos mais variados partidos e até integrantes do Tribunal de Contas da União.
Além de novos personagens, Corrêa revela os métodos. Conta como era discutida a partilha de cargos no governo do ex-­presidente Lula e, com a mesma simplicidade com que confessa ter comprado votos, narra episódios, conversas e combinações sobre pagamentos de propina dentro do Palácio do Planalto. O ex-presidente Lula, segundo ele, gerenciou pessoalmente o esquema de corrupção da Petrobras - da indicação dos diretores corruptos da estatal à divisão do dinheiro desviado entre os políticos e os partidos. Corrêa descreve situações em que Lula tratou com os caciques do PP sobre a farra nos contratos da Diretoria de Abastecimento da Petrobras, comandada por Paulo Roberto Costa, o Paulinho.
Uma das passagens mais emblemáticas, segundo o delator, se deu quando parlamentares do PP se rebelaram contra o avanço do PMDB nos contratos da diretoria de Paulinho. Um grupo foi ao Palácio do Planalto reclamar com Lula da "invasão". Lula, de acordo com Corrêa, passou uma descompostura nos deputados dizendo que eles "estavam com as burras cheias de dinheiro" e que a diretoria era "muito grande" e tinha de "atender os outros aliados, pois o orçamento" era "muito grande" e a diretoria era "capaz de atender todo mundo". Os caciques pepistas se conformaram quando Lula garantiu que "a maior parte das comissões seria do PP, dono da indicação do Paulinho". Se Corrêa estiver dizendo a verdade, é o testemunho mais contundente até aqui sobre a participação direta de Lula no esquema da Petrobras.

Robson Bonin, Veja.com, 26/05/2016, 21:35 hs 

GRANDES ESCRITOS


quinta-feira, 26 de maio de 2016

POÉTICA NA CABEÇA

(...) Que se passa? Ainda bem: há poesia injetada com agulhas finas. A linguagem desliza: criança, poeta, louco, vidente, artista, a tralha dos sem-eu, todos descem pelo conta-gotas da resposta aos enigmas e sintomas. Não há como se explicar aos cientistas nem aos médicos.O tecido poético cria muito antes da medição dos contornos da hipófise e/ou do hipotálamo. É matriz e argamassa das construções exatas sobre o funcionamento dos neurônios do baixo clero. Assim, precisamos de mais poesia, mais, até saturar os átomos da cabeça pensante. No entanto, o pesquisador acadêmico anuncia o veredicto das horas perdidas em conversas rasas. A Inquisição moderna chamada psiquiatria dirige o condenado às labaredas do inferno das psicoses, dos retardos mentais e das demências irreversíveis. Toca e chupa o horror da patologia, limpa a mesa cirúrgica com estabilizadores do humor.Assim fica fácil destruir subjetividades em nome da ciência. Sem metáfora.
(...)
A.M.
Uma prece pelos rebeldes de coração enjaulados

Tennessee Williams

GUI DEMETER


O DELÍRIO É SOCIOPOLÍTICO

O "delírio" é um sintoma chave em psicopatologia. Ele traz a questão da verdade "a seco", ou seja, no encontro com o paciente dito delirante. Se extrapolarmos este dado para o campo social de produção da subjetividade, nota-se que: 1-a verdade do eu (" quem sou?") é produzida em tempos precoces do desenvolvimento subjetivo: a criança acredita então quem ela é a partir do que chega de FORA dela.2- a verdade da política (quem manda, comanda, obedece...) é produzida por formas sociais: a democracia, os partidos, a imprensa,etc., vindo, portanto, de FORA do indivíduo para compor e fazer funcionar subjetividades cidadãs.. São duas situações aparentemente distintas que se cruzam na formação de territórios existenciais de sentido. No Brasil atual, pelo menos em relação ao poder que emana de Brasília, vivemos um momento "psicótico" de desmoronamentos da verdade em cenas explicitas coletivamente compartilhadas.

A.M.
O alinhamento do poeta

Dormindo é que lhe vem a notícia
de um irrestrito arrepiar de carnes
Na hora do jantar chega o aviso
de uma fome remota;
com o travo do café engole as letras
de uma grande devastação
Não aqui, mais ao norte.


Eudoro Augusto
SÍSMICO

Caíram todas as fichas do PMDB. A conversão de Sérgio Machado de operador do partido em colaborador da Lava Jato revelou a alguns cardeais que ainda se imaginavam acima das leis que a festa acabou.

Aos poucos, desaparece aquele Brasil que oferecia às eminências políticas a segurança de que nenhum ilícito justificaria a incivilidade de uma reprimenda pública. No seu lugar, surge um país que ensina a Sarney, Renan e Jucá que nem tudo termina num grande acordão.

Acometido de ‘morofobia’, Sérgio Machado foi de cacique em cacique para avisar que estava prestes a suar o dedo. “Esse cara, esse Janot que é mau caráter, ele disse, está tentando seduzir meus advogados, de eu falar”, disse para Sarney.

(...)
Do Blog do Josias de Souza, 26/05/2016,05:16 hs

terça-feira, 24 de maio de 2016

VERDADE DOS SIGNOS

(...) O que nos força a pensar é o signo. O signo é o objeto de um encontro; mas é precisamente a contingência do encontro que garante a necessidade daquilo que ele faz pensar. O ato de pensar não decorre de uma simples possibilidade natural; é, ao contrário, a única criação verdadeira. A criação é a gênese do ato de pensar no próprio pensamento. Ora, essa gênese implica alguma coisa que violenta o pensamento, que o tira de seu natural estupor, de suas possibilidades apenas abstratas. Pensar é sempre interpretar, isto é, explicar, desenvolver, decifrar, traduzir um signo. Traduzir, decifrar, desenvolver são a forma da criação pura. Nem existem significações explícitas nem idéias claras, só existem sentidos implicados nos signos; e se o pensamento tem o poder de explicar o signo, de desenvolvê-lo em uma Idéia, é porque a Idéia já estava presente no signo, em estado envolvido e enrolado, no estado obscuro daquilo que força a pensar. Só procuramos a verdade no tempo, coagidos e forçados. Quem procura a verdade é o ciumento que descobre um signo mentiroso no rosto da criatura amada; é o homem sensível quando encontra a violência de uma impressão; é o leitor, o ouvinte, quando a obra de arte emite signos, o que o forçará talvez a criar, como o apelo do gênio a outros gênios. As comunicações de uma amizade tagarela nada são em comparação com as interpretações silenciosas de um amante. A filosofia, com todo o seu método e a sua boa vontade, nada significa diante das pressões secretas da obra de arte. A criação, como gênese do ato de pensar, sempre surgirá dos signos. A obra de arte não só nasce dos signos como os faz nascer; o criador é como o ciumento, divino intérprete que vigia os signos pelos quais a verdade se trai. 
(...)
Gilles Deleuze in Proust e os signos
MÍNIMA POÉTICA

1
Poesia como forma de dizer
o que de outras formas é omitido—
não de calar o que se vive e vê
e sente por vergonha do sentido.
Poesia como discurso completo,
ao mesmo tempo trama de fonemas,
artesanato de éter, e projeto
sobre a coisa que transborda o poema
(se bem que dele próprio projetada).
Palavra como lâmina só gume
que pelo que recorta é recortada,
cinzel de mármore, obra e tapume:
a fala —esquiva, oblíqua, angulosa-
do que resiste á retidão da prosa.


Paulo Henriques Britto

JOAN MIRÓ


O VÍCIO

O procurador do Ministério Público Federal (MPF) Roberson Pozzobon afirmou nesta terça-feira (24) que pagar propina para obter contratos com a Petrobras era tido por empresários como um "modelo de negócio". O ex-ministro José Dirceu foi apontado como beneficário de parte dos R$ 40 milhões em propina investigados na 30ª fase da Operação Lava Jato. Ele teria ficado com R$ 1,7 milhão.
"Quem primeiro faz a corrupção? Quem oferece ou quem pede? Nesse caso ficou muito claro que os empresários pagaram propina para prosperar", disse o procurador em entrevista coletiva.
(...)
Fernando  Castro, do G1 PR, 24/05/2016, 13:16 hs

LEANDRO KARNAL - Café Filosófico


Faço análise há trinta anos e a única frase inteligente que já ouvi do meu analista é a de que preciso de tratamento.

Woody Allen
SOB O TAPETE

Nos próximos dias, o presidente Michel Temer pretende apresentar um diagnóstico da situação real do Brasil, herdado por ele após o afastamento da presidente Dilma Rousseff. Pretende, com essa iniciativa, tirar o véu do País da fantasia – cantado em verso e prosa pelo ex-marqueteiro do PT João Santana durante a campanha eleitoral de 2014 –, e repetido como ladainha em procissão por Dilma Rousseff nos últimos dois anos. A radiografia – traduzida numa espécie de inventário – vai do Orçamento da União à execução dos programas sociais e convênios, da condição das representações brasileiras no exterior à publicidade institucional. Os ministros trabalham no levantamento dos dados, mas já é possível afirmar que o cenário é de terra arrasada. A começar pelas contas da União.
(...)
Débora Bergamasco, Isto É,20/05/2016, 20:00 hs

segunda-feira, 23 de maio de 2016

NOVA POÉTICA

Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
Vai um sujeito.
Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe o paletó ou a calça de uma nódoa de lama:
É a vida.

O poema deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.
Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfa, as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade.


Manuel Bandeira

JUCÁ,


MUDANDO DE QUADRILHA: JÁ É SÃO JOÃO


Michel Temer não se deu conta. Mas, ao acomodar Romero Jucá na Esplanada, nomeou um ministro com prazo de validade vencido. Trazida à luz pelo repórter Rubens Valente, a gravação que reproduz os diálogos vadios de Jucá com o correligionário Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, faz do ministro do Planejamento uma demissão incontornável, esperando para acontecer.

— É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional, disse Sérgio Machado a Jucá, antes da votação que afastou Dilma da Presidência.

— Com o Supremo, com tudo, respondeu Jucá, dando asas ao sonho peemedebista de passar uma régua nas apurações da Lava Jato.

— Com tudo, aí parava tudo, animou-se Machado, cujas traficâncias encontram-se sob o crivo do doutor Sérgio Moro.

— É. Delimitava onde está, pronto!, concordou Jucá, em cujos calcanhares de vidro o procurador-geral Rodrigo Janot agarrou.

Em política, nada do que te dizem em público é tão importante quanto o que você escuta sem querer. Há três dias, Romero Jucá dizia aos jornalistas: “Acho que o Ministério Público tem que investigar todo mundo, confio na Lava Jato. Ao sair de tudo isso, nós vamos ter um Brasil melhor.” Uma semana antes, Temer dissera que a Lava Jato “deve ter proteção contra qualquer tentativa de enfraquecê-la.”

A percepção de que o roubo de verbas públicas passou a dar cadeia no Brasil apavora a clientela da Lava Jato. A ideia de que um acordão pode sufocar a força-tarefa que esfrega a lei na cara da oligarquia parece inviável. Michel Temer tem duas alternativas: ou se livra de Jucá ou reforçará a tese segundo a qual em política nada se perde, nada se transforma, tudo se corrompe.

Do Blog do Josias de Souza, 23/05/2016, 06:33 hs

MAIOR NÚMERO DE VISUALIZAÇÕES - 6.102 - Céu Jazz Open Stuttgart, 2010


5 ANOS DO BLOG
segunda-feira, 23 de maio de 2011: PRIMEIRA POSTAGEM

DEVIRES
    
O paciente vive entristecido pela Grande Máquina.Sua alegria foi aniquilada em plena vigília.Do nada.Ninguém assume a autoria dos pequenos crimes.Eles são administrados em nome da paz de espírito. Ora,o  espírito também caga. Avise  aos últimos palhaços  que a arte foi solapada em nome do ideal dos homens de branco. Ao que me consta, nada mudou no sulco das bocas. Elas falam rachando dentes. Mastigam auroras nati-mortas. Mas o Rosto carrega uma expressão justa, como negar? A bondade natural dos humanos.Ó Lovecraft,socorrei! Apenas uma cidade respirando um arco-íris,manda por favor... Não falo por  mim. Por  mim, ó...Falo pelo que não sou, falo  por devires. Escutai a canção  do mundo... Você  dança? O paciente sucumbe à Ordem. Por favor, o senhor pode me dizer as horas? Já vai  tarde o tempo dos mestres, com todo o respeito. Sonâmbulos da própria dor, como falar aos que não falam? A Grande Máquina é uma  pequena dose de benefícios a  curto e médio prazo. Ela se  insinua na febre dos corredores infectos. Um susto, um sus. Tudo é contágio. Resistir à  morte, e fazer dessa vibração algo novo, será possível? Talvez um devir-amante imerso em trepadas millerianas. Bicho, perdoa o jeito canino: o que é necessário para viver por viver? Pacientes são pacientes demais.Armaduras químicas, lições de casa, manuais de sobrevivência, coisas simples, eles são  normais. Eu queria um gosto de sol em você, em suas dores mais intensas e irremediáveis. Pena que  a sombra dos quintais do passado anuncie sessões de  tortura regadas à dinheiro. A entrega é às oito. Todos estarão  lá, até o chefe da Facção Sinistra, aquele mesmo que começou a seduzir a multidão com truques de falar macio. Não em jeito. Somos inocentes radicais.

A.M.

domingo, 22 de maio de 2016

DOSE DUPLA

(...)  (...)A chegada de Michel Temer à Presidência, ainda interinamente, faz emergir com força avassaladora duas realidades brasileiras: Dilma Rousseff deixou um rombo de R$ 170 bilhões que nenhum santo vai cobrir do dia para a noite e Eduardo Cunha domina um Congresso e um sistema político que nenhum demônio imaginaria mais infernais.
(...)
Eliane Castanhêde, Estadão, 22/05/2016, 03:22 hs

PAULINHO DA VIOLA - Dança da Solidão


A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito. 

Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas, 
que puxa válvulas, que olha o relógio, 
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis, 
que vê a uva etc. etc. 

Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.


Manoel de Barros

GRANDES ESCRITOS


O ÓBVIO

Se o cristianismo tivesse razão em suas teses acerca de um Deus vingador, da pecaminosidade universal, da predestinação e do perigo de uma danação eterna, seria um indício de imbecilidade e falta de caráter não se tornar padre, apóstolo ou eremita e trabalhar, com temor e tremor, unicamente pela própria salvação; pois seria absurdo perder assim o benefício eterno, em troca de comodidade temporal. Supondo que se creia realmente nessas coisas, o cristão comum é uma figura deplorável, um ser que não sabe contar até três, e que, justamente por sua incapacidade mental, não mereceria ser punido tão duramente quanto promete o cristianismo.
(...)
F. Nietzsche
CULTURA É UM CONCEITO REACIONÁRO

(...) (...) A experiência petista foi formular a política ouvindo os produtores culturais ao longo do país, mais de 2 mil entidades. O objetivo era também estabelecer uma ampla frente de apoio político. O que quer o governo Temer? Imagino que o sonho dos burocratas que o cercam é apenas cortar gastos. Mas mexer em cultura e ciência, fechando dois ministérios, significa abrir longa discussão. Diante das circunstâncias, sou a favor, como quase todo mundo, do corte de despesas estatais.
Quando ele se faz suprimindo e reagrupando ministérios, sua lógica não pode ser medida só em grana. Qual a política de Temer para cultura e ciência? O departamento de distribuição de culpas da esquerda já aponta para os defensores do impeachment: olha o que fizeram. Lembro-me sempre de um ministro húngaro, após a queda do Muro de Berlim: havia uns fanáticos que achavam que o estado resolve tudo, entraram outros que veem no mercado a solução para todos os problemas. Isto significa que a luta pelo equilíbrio deve continuar, sobretudo após a queda de um dos polos da contradição. A ideia de que cultura e ciência não têm importância num país falido é um equivoco. Ao lado da tecnologia, essas duas dimensões conferem mais valor ao nosso trabalho. O caso da Estrada Real, por onde o ouro era transportado de Minas até Paraty, é apenas uma de centenas de exemplos. Era apenas um espaço vazio de memória. Quando as pessoas perceberam que estavam percorrendo um caminho histórico, sentiram algo que é fundamental na nova ideia do turismo: aprenderam alguma coisa, percorrem um novo espaço. A cultura conferiu um valor novo à região.
O período que nos antecedeu foi muito polarizado. Se reduzirmos a cultura a uma contradição esquerda-direita, corremos o risco de jogar fora o bebê com a água do banho. Ela tem um papel na reconstrução econômica. É uma poderosa indústria, conta com milhares de produtores independentes. A maioria deles não depende do governo. Não estamos condenados a exportar commodities. Bem articuladas, cultura e relações exteriores podem ampliar nosso alcance. Atribui-se a um oficial franquista, na Guerra Civil Espanhola, esta frase: quando ouço a palavra cultura, saco minha pistola. Vivemos tempos diferentes. Quando se ouve a palavra cultura, saca-se a tesoura. E é compreensível, até no orçamento das famílias. Não é preciso ter uma câmera na mão, uma ideia na cabeça. Os dirigentes precisam de uma tesoura na mão e uma ideia na cabeça. Sem uma ideia, a tesoura parece uma pistola.
PS: No fim da tarde de sábado, soube que o governo estava se movimentando para resolver o problema. Fala-se na volta do Ministério. Ouvi a hipótese de uma secretaria especial. Há boa vontade, mas ainda falta uma visão das linhas gerais de sua política.

Fernando Gabeira,22/05/2016

TZVIATKO KINCHEV


DUAS BAGATELAS
II

Então viver é ísso,
é essa obrigação de ser feliz
a todo custo, mesmo que doa,
de amar alguma coisa, qualquer coisa,
uma causa, um corpo, o papel
em que se escreve,
a mão, a caneta até,
amar até a negação de amar,
mesmo que doa,
então viver é só
esse compromisso com a coisa,
esse contrato, esse cálculo
exato e preciso, esse vicio,
só isso.


Paulo Henriques Britto
ODEIO WhatsApp

Sério.

Essa porra é mais invasiva que corretor de imóvel.

É uma espécie de agulha na minha bolha de privacidade.

Puf.

Adeus solidão.

E não satisfeito em invadir minha vida, ainda faz um relatório para o infeliz que mandou a mensagem.

Diz se estou online, desde quando, se já li a mensagem ou não, a cor da cueca, saldo bancário, CPF e RG.

Não é certo isso.

Mas pior que o WhatsApp são seus usuários.

Porque para cada passo que a tecnologia avança, as pessoas voltam dois passos.

Gente que chama de ZapZap tenho nojo.

Bloqueio.

– Me manda um ZapZap?

– Não sei o que é isso.

– ZapZap, porra, o programinha.

– Não sei, não tenho e por favor vá embora.

Gente que cobra.

– Por que você não me responde?

– O que?

– O ZapZap.

– Não recebi.

– Recebeu sim. E já leu. Ontem, 9:32 da noite. Você leu, digitou duas letras, desistiu de enviar e ficou online mais 19 minutos provavelmente falando com outra pessoa.

Oi?

Recebi. Li.

Mas não respondi, sabe por que?

Porque eu não quero dialogar na hora que você quer.

Quero dialogar na hora que eu quero.

My life, my rules.

Gente que só lê o último balãozinho.

Você: Acho que temos que rever a meta de vendas.

Você: Ou falar com o Marketing.

Você: Precisamos aumentar a receita.

Você: O diretor está nos cobrando.

Ele: Cobrando o que??

Como essa gente fazia prova de múltipla escolha?

Era tudo “e) Nenhuma das Anteriores”

E os que que só usam emoji?

Uma linha com animais da fazenda, um sol e um guarda-chuva.

Tento decifrar.

“Uma galinha, um porco e uma vaca estão tomando sol na chuva????”

Os que repetem exclamações e interrogações.

– Você falou isso para ela??????????????

– Falei.

– Ce é loco!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Mas não satisfeitos, em infernizar por escrito, tem os que mandam mensagens de voz.

Mensagens de três minutos.

Monólogos mais chatos que peça do Gerald Thomas.

Durmo antes do fim da primeira mensagem.

E grupo de WhatsApp, então?

Nossa.

É a mesma coisa, só que atacam em matilhas.

Do nada, seu telefone começa a apitar porque os outros resolveram conversar.

Grupos com milhões de pessoas que você perde uma manhã para entender sobre o que estão falando.

Gente que manda mensagem para o grupo errado.

Você está lá no grupo do Médicos Sem Fronteiras e o sujeito manda um vídeo de duas japonesas transando em cima de um dromedário.

– Ops…desculpe. Grupo errado.

Silêncio.

Já desinstalei várias vezes.

Não adianta.

Não ter WhatsApp encerra sua vida social.

Melhor ter lepra do que não ter WhatsApp.

É isso.

Pela atenção, obrigado.

Semana que vem, não percam a palestra:

“Snapchat, como lidar quando sua vida não interessa a ninguém.”



Mentor Neto, Isto É, 16/05/2016, 17:42 hs

O CÉU QUE NOS PROTEGE - direção de Bernardo Bertolucci, 1992


Não estou fazendo nada errado, só estou tentando deixar as coisas um pouco mais bonitas.

Caio Fernando Abreu

sábado, 21 de maio de 2016

LUCROS DIAGNÓSTICOS

A psicopatologia é uma ferramenta importante da psiquiatria clínica.Ou, pelo menos, deveria ser. No entanto, em neurotempos atuais ocorre o inverso. Não se fala e não se pesquisa psicopatologia. Só há transtornos mentais orgânicos, mesmo não sendo, e suas descrições encaixotadas e encaixotantes. A psicopatologia tornou-se a neuromania dos crâneos. Olhe em torno: o vazio epistemológico deixado é preenchido pela vontade de controle da psiquiatria cido-biológica. Tal vontade opera no cadastramento dos desvios de conduta, no mau comportamento social, no irracionalismo do eu-individual e se traduz como diagnóstico-verdade. Quem duvida? Em tal contexto, a loucura se alastra por toda parte, não como experiência de abertura a novas semióticas, a novas terras aqui-mesmo, ao novo, mas como esvaziamento do sentido da existência, fim de mundo, apocalipse, noite eterna. Confira a alta cotação das religiões no mercado espiritual do medo. A ideação suicida, o próprio suicídio, ou a auto-flagelação de jovens é apenas um dos sintomas da angústia inominável do tecido social em decomposição. Uma psiquiatria sem pesquisa psicopatológica não só cauciona o sofrimento psíquico como o produz e dele retira lucro, poder, prestígio, reverência e status social.

A.M.

BEATRIZ MILHAZES


CONTROLE-CONTROLE

O controle é de curto prazo e de rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo que a disciplina era de longa duração, infinita e descontínua. O homem não é mais o homem confinado, mas o homem endividado.
(...)
Gilles Deleuze, 1992.
BIODIVERSIDADE

Ha maneiras mais fáceis de se expor ao ridículo,
que não requerem prática, oficina, suor.
Maneiras mais simpáticas de pagar mico
e dizer olha eu aqui, sou único, me amena por favor.

Porém há quem se preste a esse papel esdrúxulo,
como há quem não se vexe de ler e decifrar
essas palavras bestas estrebuchando inúteis,
cágados com as quatro patas viradas pro ar.

Então essa fala esquisita, aparentemente anárquica,
de repente é mais que isso, é urna voz, talvez,
do outro lado da linha formigando de estática,
dizendo algo mais que testando, testando, um dois três,

câmbio? Quem sabe esses cascos invertidos,
incapazes de reassumir a posição natural,
não são na verdade uma outra forma de vida,
tipo um ramo alternativo do reino animal?


Paulo Henriques Britto

ANTONIO CARLOS JOBIM - Ana Luiza


QUAL O PROBLEMA?
(...) 
É preciso vir mais devagar. Os novos dirigentes devem perceber que fecharam vários ministérios e só dois deram o que falar: os da Cultura e da Ciência. Espero que não confundam a cultura com um grupo de artistas. Ela envolve também milhares de trabalhadores na indústria e, sobretudo, o afeto de grande parte dos brasileiros.
No Brasil, muita coisa ainda gira em torno desta quase ficção: direita-esquerda. Se acham, por exemplo, que um Ministério da Cultura é algo de esquerda, lembrem-se de André Malraux no governo De Gaulle. Embora tenha lutado na Guerra Civil Espanhola, não era de esquerda. De Gaulle, muito menos.
(...)
Fernando Gabeira, 20/05/2016
O mundo jamais será tranquilo enquanto não se extinguir o patriotismo da raça humana.

George Bernard Shaw

GRANDES ESCRITOS


O JOGO DE PODER DA CULTURA

(...) (...) No fundo, só há uma cultura: a capitalística. É uma cultura sempre etnocêntrica e intelectocêntrica (ou logocêntrica), pois separa os universos semióticos das produções subjetivas.

Há muitas maneiras de a cultura ser etnocêntrica, e não apenas na relação racista do tipo cultura masculina, branca, adulta. Ela pode ser relativamente policêntrica ou polietnocêntrica, e preservar a postulação de uma referência de cultura-valor, um padrão de tradutibilidade geral das produções semióticas, inteiramente paralelo ao capital.

Assim como o capital é um modo de semiotização que permite ter um equivalente geral para as produções econômicas e sociais, a cultura é o equivalente geral para as produções de poder. As classes dominantes sempre buscam essa dupla mais-valia de poder, através da cultura-valor.

Considero essas duas funções, mais-valia econômica e mais-valia do poder, inteiramente complementares. Elas constituem, juntamente com uma terceira categoria de equivalência — o poder sobre a energia, a capacidade de conversão das energias umas nas outras — os três pilares do Capitalismo Mundial Integrado (CMI).

Félix Guattari in Cultura: um conceito reacionário?, 1982
SINDICÂNCIA

Principal defensor da presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment, o ex-ministro José Eduardo Cardozo é formalmente investigado pelo governo do presidente interino Michel Temer. Na última quarta-feira (18), o novo advogado-geral da União, Fábio Medina Osório, que substituiu Cardozo no cargo, determinou a abertura de uma sindicância para apurar os atos do antecessor.
O principal argumento para a abertura da investigação é o fato de Cardozo ter sustentado formalmente perante o Congresso e o Judiciário a tese de que a presidente Dilma Rousseff estava sendo alvo de um golpe de Estado. Como a AGU tem entre as suas atribuições representar os interesses do Legislativo e do próprio Judiciário, na avaliação de Medina Osório, Cardozo jamais poderia ter usado o cargo para atentar contra a imagem dos poderes constituídos, acusando-os de participarem de uma conspirata contra o chefe do Executivo.
"A defesa de Cardozo foi criminosa. Esse discurso jamais poderia ter sido feito por um advogado da União. Ele acabou com a dignidade do órgão e cometeu crime de responsabilidade ao forjar o discurso do golpe", diz Medina Osório.
Determinada a abertura da sindicância, os integrantes da comissão vão intimar formalmente Cardozo a apresentar defesa sobre os fatos investigados. O ex-ministro petista, que ainda atua como advogado da presidente Dilma Rousseff no processo que tramita no Senado, terá de prestar depoimento aos investigadores e poderá até ser alvo de ação por improbidade administrativa, ficando proibido de voltar a exercer cargos públicos.
Durante todo o período em que exerceu o cargo de advogado-geral da União, Cardozo ainda teria ignorado a agenda do órgão e concentrado seu trabalho apenas em defender a presidente.

Robson Bonin, de Brasília,20/05/2016, 21:42 hs

sexta-feira, 20 de maio de 2016

WILLIAM TURNER


RARAS  IMPRESSÕES

As relações humanas são mediadas e formatadas por forças. É bom lembrar que as forças são, por natureza, invisíveis, e só se as conhece por seus efeitos extraídos das relações entre si. Relações constituem poderes. Estes estão, pois, em toda parte, inclusive nos agenciamentos de desejo. Desse modo, não existe o desejo "puro", sendo inútil buscar a essência dos afetos, como quando se busca, fiel a uma tradição romântica, a essência do amor. Não existe o amor, e sim o AMAR. O afeto é "apenas" o que se mostra, o que se expressa em acontecimentos, fabricando um sentido, ainda que possa a ser o mais fugidio, o mais imperceptível, o "menor". A existência como relâmpago... processa o acaso (sem o saber) ao decodificar os signos que chegam quando menos se espera, ou mesmo quando se espera, ah, era outra coisa, bem outra. As "pessoas" não são importantes senão como emissoras de signos. Estes são de fato a potência do desejo rasgando meios e produzindo ritmos embriagantes. Um alumbramento se avizinha: ele explode e sequer o movimento invisível do tempo capta tal intensidade. No entanto , dá para ser afetado por todos os signos que nos atravessam e nem por isso deixamos de amar linhas pessoais. Até porque elas são uma das fábricas de alegrias e prazeres inumeráveis.

A.M.

PHILIP GLASS - Kundun - 15 Move To Dungkar


Se você está com olhos bem abertos, experimente fechá-los... 
Agora, abra-os somente para o lado de dentro. Chegou a hora de visitar por uns instantes seu mundo interior.
Passeie calmamente aí por dentro de você, detendo-se longamente às boas imagens que você tem guardadas.
Não há qualquer problema em visitar o seu arquivo, ou o seu velho baú, desde que seja para buscar inspiração no passado, alimentar e dar força ao presente. Atenha-se ao que de mais precioso você viveu. 
Alguém especial vem se formando e se moldando pelo tempo e pela história desse tempo.
Você é feliz pelo sonho de criança que você vem cultivando dia após dia, ano após ano.
Se quiser abrir os olhos, abra-os bem e procure revelar a criança que ainda brilha em você, agradeça. A vida continua. Hoje vai ser mais um dia na construção da sua história.
Está no ar a criança que você sempre preservará dentro de si.
Coração aberto, sorriso pronto, abraço fácil, beijo sincero.
Na rua, no trabalho, em casa, todo mundo vai notar que está diante de alguém muito especial.

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 19 de maio de 2016

NOWHERE - dedicado a PINA BAUSCH


UM PENSAR RADICAL

(...) (...) Pensamento trágico e pessimismo diferem pois por seu conteúdo (antes: pelo fato de que o pessimismo se dá um conteúdo, diferentemente do pensamento trágico). Eles diferem também por sua intenção. Constatação, resignação, sublimação mais ou menos compensatória são aqui as palavras da sabedoria pessimista. A intenção trágica-·a intenção propriamente terrorista, tal como se a encontra em Lucrécio, Montaigne, Pascal ou Nietzsche - difere sobre todos esses pontos. (Ela verifica-se incapaz de erigir uma constatação (salvo a da impossibilidade de constatação: constatação única da filosofia trágica, que não é sem importância); e não busca nem uma sabedoria ao abrigo da ilusão, nem uma felicidade ao abrigo do otimismo. Busca uma coisa inteiramente outra: loucura controlada e júbilo.
(...)
Clément Rosset in Lógica do pior