terça-feira, 17 de maio de 2016

A FILA ANDA

(...) (...) O socialismo do século XXI tornou-se atraente na América do Sul com a vitória do chavismo. A ideia era conquistar o governo pelo voto e, progressivamente, dominar as instituições autônomas: Congresso, Judiciário, Forças Armadas e, dentro das possibilidades, a imprensa. O modelo teve êxito na Venezuela, se podemos chamar de êxito um regime que empobreceu o país e cria enormes filas até para comprar papel higiênico. Lá foi possível dominar o Congresso, ganhar as principais disputas na Justiça e ter comandantes militares partidários do governo. A imprensa independente foi mantida sob intenso ataque.
No Brasil, essas expectativas começaram a falhar no mensalão. Para dominar o Congresso, era preciso injetar muito dinheiro nos partidos aliados. O escândalo acabou sendo descoberto, e um juiz indicado pelo governo do PT, Joaquim Barbosa, conduziu o inquérito com admirável lisura. Os militares brasileiros mantiveram-se distantes do choque partidário. A imprensa, cortejada pelo PT nos seus tempos de oposição, foi demonizada. Não porque tenha, através da investigação, descoberto os grandes lances da corrupção. Ela noticiou o resultado do trabalho de duas instituições também autônomas: Polícia Federal e Ministério Público, em sintonia com o juiz Sérgio Moro.
Uma outra ideia sinistra que sobreviveu na esquerda brasileira foi que os fins justificam os meios. No fundo, isso significa dizer: estou fazendo o bem, danem-se as regras democráticas. Para avançar nesse terreno contaminado, tornou-se necessário desenvolver uma nova língua e prosseguir com a tática já esboçada na campanha: culpabilizar os seus críticos.
Se na campanha eram chamados de preconceituosos os que tinham reservas sobre as ideias e atitudes de Lula, no governo tornaram-se, principalmente, reacionários a serviço das elites. Ao optar sempre pelo contra-ataque, o PT não percebia que a crise se aprofundava e o partido se afastava cada vez mais da única possibilidade de superá-la: um esforço de união nacional. O PMDB, como sócio menor, fez muitas coisas erradas em parceria com o PT. Nunca embarcou, entretanto, no discurso nós contra eles, nem se refugiou numa suposta superioridade moral em relação aos seus críticos. A chance, ainda que precária, de realizar um tipo de união nacional, ideia sedutora em crises profundas, acabou levando as águas para os moinhos do PMDB. Era uma questão de tempo.
A troca não significa substituir um esquema corrupto por algo puro e imaculado. Mas é sempre possivel denunciar as falcatruas das raposas do PMDB sem que te acusem de estar a serviço das elites e afirmem sua superioridade moral como portadora de um projeto único de salvação.
(...)
Fernando Gabeira, 15/05/2016

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