CULTURA É UM CONCEITO REACIONÁRO
(...) (...) A experiência petista foi formular a política ouvindo os produtores culturais ao longo do país, mais de 2 mil entidades. O objetivo era também estabelecer uma ampla frente de apoio político. O que quer o governo Temer? Imagino que o sonho dos burocratas que o cercam é apenas cortar gastos. Mas mexer em cultura e ciência, fechando dois ministérios, significa abrir longa discussão. Diante das circunstâncias, sou a favor, como quase todo mundo, do corte de despesas estatais.
Quando ele se faz suprimindo e reagrupando ministérios, sua lógica não pode ser medida só em grana. Qual a política de Temer para cultura e ciência? O departamento de distribuição de culpas da esquerda já aponta para os defensores do impeachment: olha o que fizeram. Lembro-me sempre de um ministro húngaro, após a queda do Muro de Berlim: havia uns fanáticos que achavam que o estado resolve tudo, entraram outros que veem no mercado a solução para todos os problemas. Isto significa que a luta pelo equilíbrio deve continuar, sobretudo após a queda de um dos polos da contradição. A ideia de que cultura e ciência não têm importância num país falido é um equivoco. Ao lado da tecnologia, essas duas dimensões conferem mais valor ao nosso trabalho. O caso da Estrada Real, por onde o ouro era transportado de Minas até Paraty, é apenas uma de centenas de exemplos. Era apenas um espaço vazio de memória. Quando as pessoas perceberam que estavam percorrendo um caminho histórico, sentiram algo que é fundamental na nova ideia do turismo: aprenderam alguma coisa, percorrem um novo espaço. A cultura conferiu um valor novo à região.
O período que nos antecedeu foi muito polarizado. Se reduzirmos a cultura a uma contradição esquerda-direita, corremos o risco de jogar fora o bebê com a água do banho. Ela tem um papel na reconstrução econômica. É uma poderosa indústria, conta com milhares de produtores independentes. A maioria deles não depende do governo. Não estamos condenados a exportar commodities. Bem articuladas, cultura e relações exteriores podem ampliar nosso alcance. Atribui-se a um oficial franquista, na Guerra Civil Espanhola, esta frase: quando ouço a palavra cultura, saco minha pistola. Vivemos tempos diferentes. Quando se ouve a palavra cultura, saca-se a tesoura. E é compreensível, até no orçamento das famílias. Não é preciso ter uma câmera na mão, uma ideia na cabeça. Os dirigentes precisam de uma tesoura na mão e uma ideia na cabeça. Sem uma ideia, a tesoura parece uma pistola.
PS: No fim da tarde de sábado, soube que o governo estava se movimentando para resolver o problema. Fala-se na volta do Ministério. Ouvi a hipótese de uma secretaria especial. Há boa vontade, mas ainda falta uma visão das linhas gerais de sua política.
Fernando Gabeira,22/05/2016
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