Este blog busca problematizar a Realidade mediante a expressão de linhas múltiplas e signos dispersos.
sexta-feira, 30 de setembro de 2016
OH! NÃO!
O juiz federal Sergio Moro decidiu nesta sexta-feira converter a prisão temporária de Antonio Palocci em prisão preventiva, que não tem prazo para soltura. Preso na segunda-feira na 35ª fase da Operação Lava Jato, batizada Omertà, o ex-ministro dos governos Lula e Dilma seria libertado caso Moro não acatasse o pedido de prisão preventiva feito pela Polícia Federal. A PF alegou que, fora da cadeia, Palocci poderia fugir ou destruir provas. O ex-ministro, que está detido em Curitiba, é suspeito de receber propina da empreiteira Odebrecht no esquema do petrolão.
Na decisão, Moro também converteu em preventiva a prisão de Branislav Kontic, que foi assessor de Palocci na Casa Civil. Outro alvo da Omertà, Juscelino Dourado, que foi chefe de gabinete de Palocci na Fazenda, foi libertado pelo juiz, que determinou medidas cautelares como a entrega do passaporte e a proibição de deixar o país.
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Veja.com,30/09/2016, 17:56 hs
A DIFERENÇA NÃO TEM IDENTIDADE
O olhar da diferença é um olhar cego. Ele não vê, apenas enxerga. Percebe impressões vagas e exatas. Trabalha nos detalhes ínfimos das coisas. Funciona como quando se diz que "o amor é cego". Não que a diferença seja o amor, até porque este não existe como coisa, substância, essência, objeto sólido, mas como amar, acontecimento. Mais ainda, amar o acontecimento como o que não retornará jamais, e que sempre virá com a manhã na noite mais profunda e leve.No exercício dos seus paradoxos, nas cambalhotas (cf. Carlos Castañeda) do pensamento da alegria, o olhar da diferença é mais que um olhar, muito mais que a própria perspicácia desse olhar. É que o"amar" enxerga nas trevas, orienta-se por sensações. Questão ética: a potência, enfim. É uma prática de vida, um estremecimento, um frêmito, um grito silencioso, um instante lunático encravado nas horas que Virgínia Woolf captou com todas as suas forças, com todo o esplendor da poesia que viveu.
A.M.
Infância
e jogava o pião com Deus
enquanto minha mãe estendia roupa
e o meu pai mendigava o pão
e minha alegria nesse tempo
era muito próxima da dos meninos
e de Deus que ganhava sempre
e não sei quem perdi primeiro:
o pião ou Deus
apenas sei que Deus continua
a jogar com outros meninos
e que no Outono quando saio à praça
nos sentamos e falamos muito
do suave rodopiar das folhas
Daniel Faria
O FASCISMO VIVE
O presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, voltou a fazer declarações desastrosas nesta sexta-feira, ao dizer que gostaria de matar “três milhões de viciados em drogas”, assim como Hitler fez com judeus durante o Holocausto. “Hitler massacrou três milhões de judeus. Agora há três milhões de viciados em drogas nas Filipinas e eu ficaria feliz de acabar com eles”, afirmou, durante discurso na cidade de Davao.
Desde que chegou ao poder, em junho, o líder filipino vem incentivando a polícia e a população a matarem pessoas suspeitas de estarem envolvidas com consumo ou tráfico de drogas. “Vocês conhecem minhas vítimas. Eu gostaria que fossem todos criminosos, para acabar com o problema do país e salvar a próxima geração da perdição”, declarou. A lista de polêmicas de Duterte aumenta a cada dia: o presidente já chamou Barack Obama de “filho da p*” e insultou a União Europeia com gestos ofensivos, pelas críticas do bloco às execuções extrajudiciais no país.
Em três meses, 1.120 pessoas foram assassinadas pelas forças de segurança filipinas na “guerra contra o narcotráfico”, revelou o porta-voz da polícia, Dionardo Carlos. Também estão sendo investigadas 1.500 mortes causadas por civis, das quais centenas parecem ter sido motivadas pela campanha antidrogas de Duterte.
Além da comparação infeliz com Hitler, o presidente também errou o número avaliado por historiadores: cerca de seis milhões de pessoas foram massacradas durante o Holocausto, sendo grande parte vítimas judias. O presidente do Congresso Mundial Judaico, Ronald Lauder, condenou a colocação do filipino. “Essas declarações são revoltantes. O presidente Duterte deve retirá-las e se retratar”, afirmou. “Abuso de drogas é um assunto sério. O que ele disse não é apenas desumano, mas demonstra um desrespeito terrível à vida humana”.
Veja.com., 30/09/2016, 08:35 hs
DA SOLIDÃO
Sequioso de escrever um poema que exprimisse a maior dor do mundo, Poe chegou, por exclusão, à idéia da morte da mulher amada. Nada lhe pareceu mais definitivamente doloroso. Assim nasceu "O corvo": o pássaro agoureiro a repetir ao homem sozinho em sua saudade a pungente litania do "nunca mais".
Será esta a maior das solidões? Realmente, o que pode existir de pior que a impossibilidade de arrancar à morte o ser amado, que fez Orfeu descer aos Infernos em busca de Eurídice e acabou por lhe calar a lira mágica? Distante, separado, prisioneiro, ainda pode aquele que ama alimentar sua paixão com o sentimento de que o objeto amado está vivo. Morto este, só lhe restam dois caminhos: o suicídio, físico ou moral, ou uma fé qualquer. E como tal fé constitui uma possibilidade - que outra coisa é a Divina comédia para Dante senão a morte de Beatriz? - cabe uma consideração também dolorosa: a solidão que a morte da mulher amada deixa não é, porquanto absoluta, a maior solidão.
Qual será maior então? Os grandes momentos de solidão, a de Jó, a de Cristo no Horto, tinham a exaltá-la uma fé. A solidão de Carlitos, naquela incrível imagem em que ele aparece na eterna esquina no final de Luzes da cidade, tinha a justificá-la o sacrifício feito pela mulher amada. Penso com mais frio n'alma na solidão dos últimos dias do pintor Toulouse-Lautrec, em seu leito de moribundo, lúcido, fechado em si mesmo, e no duro olhar de ódio que deitou ao pai, segundos antes de morrer, como a culpá-lo de o ter gerado um monstro. Penso com mais frio n'alma ainda na solidão total dos poucos minutos que terão restado ao poeta Hart Crane, quando, no auge da neurastenia, depois de se ter jogado ao mar, numa viagem de regresso do México para os Estados Unidos, viu sobre si mesmo a imensa noite do oceano imenso à sua volta, e ao longe as luzes do navio que se afastava. O que se terão dito o poeta e a eternidade nesses poucos instantes em que ele, quem sabe banhado de poesia total, boiou a esmo sobre a negra massa líquida, à espera do abandono?
Solidão inenarrável, quem sabe povoada de beleza... Mas será ela, também, a maior solidão? A solidão do poeta Rilke, quando, na alta escarpa sobre o Adriático, ouviu no vento a música do primeiro verso que desencadeou as Elegias de Duino, será ela a maior solidão?
Não, a maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre.
Vinicius de Moraes
quinta-feira, 29 de setembro de 2016
FACES DO RIO
Existe o Rio de Janeiro e existe o “Rio de Janeiro”. Existe a cidade, existe o Estado e existe tudo o que está implícito quando se diz “Rio de Janeiro.” Sem aspas, o Rio é o cartão postal do Brasil. Seus habitantes desbravam novas fronteiras sem sair da praia. Com aspas, o Rio é uma espécie de filme de faroeste sem um John Wayne, alguém para carregar a virtude no coldre de xerife e distribuir rajadas de civilização sempre que necessário.
Ainda ontem, o Rio encantava o mundo cedendo sua exuberância natural para servir de pano de fundo para as Olimpíadas. Hoje, o “Rio” constrange o país com a ousadia de milicianos que fazem da violência o pretexto para sua existência. Noutros tempos, o atraso localizava-se nos fundões de Estados como Alagoas. Agora, a capital carioca e pedaços da Baixa Fluminense viraram uma Alagoas hipertrofiada. Ali, instalou-se uma miliciocracia.
As milícias cobram pedágio para autorizar candidaturas. Quem não paga morre. Desde dezembro, foram passados nas armas 14 candidatos. Ou o Estado brasileiro prova que é capaz de adicionar mocinhos como protagonistas desse enredo ou a exuberância do Rio sem aspas será desmascarada. E a violência do “Rio” com aspas perderá todos os seus disfarces.
Do Blog do Josias de Souza,29/09/2013, 19:13 hs
O PROBLEMA DO SUICÍDIO É O DA MORTE
O problema do suicídio geralmente é mal colocado, principalmente pela Corporação Médica. Guiada por um pensamento tosco e reducionista, ela apropria-se de um objeto de pesquisa complexo, só compatível com uma abordagem transdisciplinar. Desse modo, é possível, sem muito esforço, escutar um monte de asneiras do tipo "todo suicida tem algum transtorno mental". Ora, isso não explica nada! O chamado transtorno mental é que deve ser explicado...
A.M.
AS 149 PÁGINAS QUE O BRASIL NÃO LEU
Este Brasil lindo e trigueiro, malandro e brejeiro, se fixou no PowerPoint. Tudo bem. A Olimpíada acabou, o pessoal precisa se divertir com alguma coisa. Mas, sem querer ofender ninguém, fica a sugestão: Brasil, leia a denúncia do Ministério Público Federal contra Lula. Não, não estamos falando de reportagem, nem de comentário, nem de flash na TV, no rádio ou na internet. Leia a denúncia assinada por 13 procuradores da República. São 149 páginas. Não dói tanto assim. Até diverte.
Ao final, você poderá tirar sua própria conclusão sobre a polêmica do momento: Lula era ou não era o comandante máximo do esquema da Lava-Jato? Perdoe o spoiler: você vai concluir que era. E que PowerPoint não é nada.
De saída, uma ressalva: a referida denúncia, apesar de sua extensão que dá uma preguiça danada neste Brasil brasileiro, é só o começo. As obras completas do filho do Brasil demandarão muito mais páginas – se é que um dia chegarão a ser publicadas na íntegra. De qualquer forma, ao final dessas primeiras 149, você não terá mais dúvidas sobre quem é Luiz Inácio da Silva e sobre quem é o Brasil delinquente que o impeachment barrou.
Os procuradores seguiram um caminho simples: o do dinheiro. A literatura da Lava Jato é tão vasta que a plateia se perde no emaranhado de delações, na aritmética dos laranjas e na geometria das trampolinagens. Aqui, a festa na floresta está organizada basicamente em três eixos: a ligação direta e comprovada de Lula com os diretores corruptos da Petrobras, incluindo a nomeação deles e sua manutenção no cargo para continuarem roubando; a ligação pessoal e comprovada de Lula com expoentes do clube das empreiteiras, organizado para assaltar a Petrobras; e a ligação orgânica e comprovada de Lula com os prepostos petistas e seus esquemas de prospecção de propinas.
José Dirceu, João Vaccari Neto e Silvinho Pereira são algumas dessas estrelas escaladas pelo ex-presidente para montar o duto nacionalista que depenou a Petrobras. Interessante notar que, quando Dirceu cai em desgraça por causa do mensalão, o esquema do petrolão continua a todo vapor – e o próprio Dirceu, mesmo proscrito, continua recebendo o produto do roubo. Claro que um ex-ministro sem cargo, investigado e, posteriormente, preso, só poderia atravessar todo esse calvário recebendo propina se continuasse tendo poder no esquema – e só uma pessoa poderia conferir tanto poder a um político defenestrado: o astro-rei do PowerPoint.
A novela da luta cívica de Lula em defesa de “Paulinho” (Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras e um dos mais famosos ladrões do esquema) é comovente. O então presidente da República não mede sacrifícios e atropelos para nomear e manter o gatuno no cargo. Os procuradores não foram genéricos em sua denúncia. Ao contrário, optaram por aproximar o foco de algumas triangulações tão específicas quanto eloquentes. Uma delas, envolvendo também Renato Duque – colocado pela turma de Lula na Diretoria de Serviços da Petrobras para roubar junto com o Paulinho –, ilumina outro protagonista da trama: Léo Pinheiro, executivo da OAS. Montado o elenco, os procuradores apresentam o eletrizante enredo do caso Conpar.
“A expansão de novos e grandiosos projetos de infraestrutura, incluindo a reforma e a construção de refinarias, criou um cenário propício para o desenvolvimento de práticas corruptas”, aponta a denúncia. Ou seja: o governo Lula criou um PAC da corrupção. O ladrão fez a ocasião. E entre as ocasiões mais apetitosas estava uma obra de R$ 1,3 bilhão na Refinaria Getúlio Vargas (Repar), que acabou custando R$ 2,3 bilhões. A OAS integrava o consórcio Conpar, que graças ao prestígio de Léo Pinheiro, amigo do rei, arrematou o contrato em flagrante “desatendimento da recomendação do departamento jurídico da Petrobras sobre a necessidade de avaliação da área financeira para a contratação do consórcio Conpar, em junho de 2007”.
Como 149 páginas não cabem em uma, fica só o aperitivo para este Brasil brejeiro largar o PowerPoint e conhecer, com seus próprios olhos, a denúncia que Sergio Moro acatou. O caso Conpar, como você já imaginou, termina em Guarujá. No mínimo, você aprenderá como ocultar (mal) um tríplex à beira-mar.
Guilherme Fiuza, Época, 29/09/2016,09:39 hs
ALEPO, SÍRIA
A ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) confirmou nesta quarta-feira que dois hospitais do leste de Alepo, na Síria, foram bombardeados nas últimas horas. A organização informou que os ataques mataram pelo menos dois pacientes e feriram outros dois funcionários. Os ataques da última semana à cidade síria, após o fim do cessar-fogo, já deixaram mais de 400 mortos e centenas de feridos.
Segundo a MSF, que dava apoio aos dois hospitais, ambos registraram danos “severos” e foram obrigados a paralisar suas atividades, reduzindo de quatro para apenas dois o número de centros com serviços cirúrgicos que restam na parte oriental da cidade, região sob controle de grupos opositores.
(...)
Veja.com., 28/09/2016, 21:31 hs
quarta-feira, 28 de setembro de 2016
PARA ALÉM DOS PSICOFÁRMACOS
Há uma crítica do senso comum médico ao uso de psicofármacos em excesso, à associação de vários psicofármacos num único paciente, ao perigo dos efeitos colaterais e/ou adversos, à prescrição do psicofármaco errado, à iatrogênese psicofarmacológica, enfim, todas críticas pertinentes, mas superficiais. Elas não atingem o cerne do problema. Qual é? Ora, o problema são problemas. Todos eles confluem para a questão do diagnóstico psiquiátrico, já que este, implícitamente, diz conhecer o transtorno de que é portador o paciente. No entanto, o transtorno não é doença e sim um sintoma, e o paciente não é escutado, exceto como possível linha subjetiva de confirmação da grade nosológica. É que o diagnóstico psiquiátrico (que nada tem de científico, ao contrário) é precedido por relações institucionais (de poder) que trazem embutida a marca e o efeito da moral vigente. Assim, somente criticar o uso inadequado, desastroso e desastrado, incompetente e até mesmo violento dos psicofármacos, é conceitualmente raso. Isso se restrige à técnica psiquiátrica, passando ao largo de um pensamento ético-político, única via de chegada ao paciente como singularidade.
A.M.
Soneto da Perdida Esperança
Perdi o bonde e a esperança.
Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.
Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.
Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não? na noite escassa
com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo.
Carlos Drummond de Andrade
A PRAGA DOS SELFIES
(...)
– Faz uma foto.
O sujeito pode estar se separando da mulher, na conversa mais séria de sua vida. É obrigado a interromper. Muitas vezes, quando leio uma reportagem onde a prova é que fulano aparece numa foto com um criminoso, penso:
– Mas e se ele fez aquela foto sem saber quem era?
Foto de celular deixou de ser prova de relacionamento. Já devo ter sido fotografado com traficantes e foragidos. Como saber? E em todas apareço sorrindo, sem ter a menor ideia de quem se trata. Evito, sim, ser fotografado com políticos. Posso aparecer numa campanha anos depois, como se desse aval.
Minha grande curiosidade é: o que as pessoas fazem com essa infinidade de fotos? Vão para alguma nuvem? Daqui a séculos um estudioso terá acesso e tentará compreender o que significam esses milhares de sorrisos? Penso que as pessoas tiram as fotos, deixam na memória do celular e nunca mais veem. Exatamente como eu faço. Às vezes abro a memória sem querer e me vejo com meus dois gatos, que já se foram. Ou com amigos com quem nem falo mais. É até um susto.
De uma coisa tenho certeza. A foto pelo celular vale apenas pelo momento. Não será feito um álbum de fotografias, como no passado, onde víamos as imagens, lembrávamos da família, de férias, de alegrias. As imagens ficarão esquecidas em um imenso arquivo. Talvez uma ou outra, mais especial, seja revivida. Todas as outras, que ideia. Só valem pelo prazer de fazer o selfie. Mostrar a alguns amigos. Mas o significado original da foto de família ou com amigos, que seria preservar o momento, está perdido. Vale pelo instante, como até grandes amores são hoje em dia. É o sorriso, o clique, e obrigado. A conquista: uma foto com alguém conhecido.
Tento não recusar nenhuma foto. É uma questão de respeito com quem gosta do que escrevo. Outras pessoas, até mais famosas, pensam como eu. Virou um vício social. Uma praga. Sei que minha imagem um dia será apagada para ceder espaço a outras e outras. Mas tudo hoje é assim: volátil. O que vale é o sorriso e o momento.
Walcyr Carrasco, Época, 27/09/2016,09:40 hs
O MUNDO
Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.
— O mundo é isso — revelou — Um montão de gente, um mar de fogueirinhas.
Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.
(...)
Eduardo Galeano
terça-feira, 27 de setembro de 2016
Verdadeiro eu chamo àquele que entra nos desertos vazios de deuses... Nas areias amarelas, queimadas de sol, sedento, ele vê as ilhas cheias de fontes, onde as coisas vivas descansam debaixo das árvores. Não obstante, a sua sede não o convence a tornar-se como um destes, habitantes do conforto; pois onde há oásis aí também se encontram os ídolos.
(...)
Nietzsche
segunda-feira, 26 de setembro de 2016
A ESQUERDA NÃO É MAS IDENTITÁRIA
A.M.
A esquerda padece de uma exaustão dos seus conceitos teóricos. Pensar a realidade reduziu-se a representar a realidade. Ou a reproduzi-la, e não a mudá-la, o que dá no mesmo. A velha cantilena dos ideais, dos princípios e dos códigos sociopolíticos intocáveis ruiu à porta do templo do grande Todo (o comunismo, o socialismo, o holismo) e do pequeno Todo (o indivíduo, a pessoa, o líder). Um novo antigo populismo circula solto e se veste de salvação pelos e dos pobres. Como diz Nietzsche, não existe todo; "é preciso esfarelar o universo, perder o respeito pelo Todo". Em tal sopa ideológica (o coletivo e o privado juntos?) a esquerda se dobra à evidência dos fracassos regularizados e regulados à luz da transparência liberal-democrática.Afinal, tudo deve ser feito "dentro da lei", mesmo e principalmente megaroubos do dinheiro público, tal como foi o caso do mensalão e está sendo o do petrolão.
A.M.
Ações em favor da Odebrecht
Segundo a PF, há indícios de uma relação criminosa entre o ex-ministro e a Odebrecht. "Há indícios de que o ex-ministro atuou de forma direta a propiciar vantagens econômicas ao grupo empresarial nas mais diversas áreas de contratação com o poder público, tendo sido ele próprio e personagens de seu grupo político beneficiados com vultosos valores ilícitos", diz a PF.
As investigações da PF e MPF apontam que Palocci e a Odebrechet negociaram:
- Esforços para aprovação para o projeto de lei de conversão da Medida Provisória 460/2009, que resultaria em benefícios fiscais para a empreiteira;
- Aumento da linha de crédito junto ao BNDES para Angola, país com o qual a empresa tinha relações comerciais;
- Interferência em licitações da Petrobras para aquisição de 21 navios sonda para exploração da camada pré-sal;
- Favorecimento de negócios envolvendo programa de desenvolvimento de submarino nuclear (Prosub).
Ainda conforme a PF, outro núcleo da investigação apura pagamentos efetuados pelo chamado “setor de Operações Estruturadas” da Odebrecht para diversos beneficiários que estão sendo alvos de mandados de busca e de condução coercitiva.
(...)
Adriana Justi, do G1, PR, 26/09/2016, 11:03 hs
AFÔNICO
Governos confusos têm uma estranha mania. Além de não resolver as dificuldades existentes, criam problemas que não precisariam existir. Nesse exato instante, a gestão Temer oferece um exemplo ilustrativo, com a momentosa questão do porta-voz. Falta um porta-voz ao governo, concluíram o presidente e seus principais auxiliares. O que falta a este governo é um porta-voz, ecoam parlamentares governistas. De repente, o noticiário está tomado pela gritante falta do porta-voz.
É possível que o João das Couves, um dos 12 milhões de brasileiros desempregados, já tenha comentado com a patroa na hora do jantar: “O que está faltando a este governo é um porta-voz.” Convidado por Temer, um jornalista especializado em gestão de crises refugou a missão. Mas entregou ao presidente um plano a ser executado pelo futuro porta-voz, para que o governo passe a se comunicar adequadamente com a sociedade.
A essa altura, o país já está impregnado da falta do porta-voz. Todos anseiam por ele, sofrem com sua falta ausência. Convém recordar como tudo começou. O ministro da Saúde disse um par de tolices. O ministro do Trabalho se enrolou na própria língua ao falar sobre reforma trabalhista. O titular da Casa Civil meteu-se na seara do czar da Fazenda. Os auxiliares de Temer se desentendem sobre a data do envio da proposta de reforma da Previdência ao Congresso. Foi contra esse pano de fundo que surgiu a novidade de que Temer nomearia um porta-voz.
Imaginar que um porta-voz dará uniformidade a um governo tão desuniforme é supor que o problema do doente pode ser resolvido retocando as manchas da radiografia. A realidade é que há no ermo da Brasília pós-impeachment um vozerio desconexo. Faltam estabilidade monetária, equilíbrio fiscal, empregos e ética. Admita-se que Temer nomeie um porta-voz. No dia seguinte, a inflação e os gastos públicos continuarão altos. Os empregos não reaparecerão. E não haverá um surto de honestidade na República.
O que falta ao governo é funcionalidade e uma voz de comando capaz de inspirar esperança. Sem ela, um porta-voz se limitará a rogar diariamente para que todos creiam em tudo o que ele foi capaz de ver com estes olhos que a imprensa haverá de comer.
Do Blog do Josias de Souza, 26/09/2016, 05:04 hs
domingo, 25 de setembro de 2016
SEM MEDICINA
Há casos de primeira consulta sem indicação para o uso de fármacos. Como sabê-lo? Haveria que abrir o campo da semiologia ao não-patológico. Significa dizer que o doente não está doente. Talvez ele não aceite. No entanto, outra condição é mais sutil. Ele está doente mas o fármaco não é a primeira escolha, não vai funcionar. São os casos em que a psicoterapia é indicação exclusiva. As forças de autoterapia são remédios à mão. No entanto,tal percepção só é possível com a escuta fina extraída dos trilhos da razão técnica. Ou seja, ser médico sem ser médico. Quem consegue, quem suporta? A medicina é poderosa...Isso faz gozar.
AM.
SÍRIA: ISSO NÃO PÁRA
As forças do governo Sírio ocuparam uma área controlada por rebeldes nas proximidades da cidade de Alepo, na Síria, neste sábado (24). A ocupação aumentou o controle a regiões comandadas pela oposição, enquanto uma onda de ataques aéreos destruiu os edifícios locais.
Ao menos 25 pessoas morreram, segundo o Observatório Sírio para Direitos Humanos, entidade sediada no Reino Unido. Outro grupo de monitoramento, o Comitês de Coordenação Local, informou que 49 pessoas foram mortas só hoje.
(...)
Época, 24/09/2016, 16:08 hs
NOVA ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE
A equipe técnica do Tribunal Superior Eleitoral julga ter reunido provas suficientes para sustentar que o financiamento da campanha à reeleição de Dilma Rousseff e Michel Temer incluiu verbas desviadas do esquema criminoso da Petrobras. São evidências documentais e testemunhais suficientes para justificar a cassação da chapa que prevaleceu em 2014. Como Dilma já foi deposta, o mandato que está em jogo é o de Temer. E já começam a soar no TSE avaliações sobre a conveniência de poupar o substituto constitucional de Dilma.
O blog ouviu dois dos sete ministros que compõem o plenário do TSE. Um deles disse que o tribunal não pode ficar alheio à conjuntura. Acrescentou que, ao julgar o processo, os ministros “talvez tenham que fazer um juízo atenuatório, levando em conta as consequências” de uma interrupção da Presidência de Temer. O outro ministro declarou que “a eventual preservação do mandato do presidente substituto não seria nenhuma aberração jurídica.”
Aberta a partir de representações feitas pelo PSDB, a investigação da campanha de Dilma submete o TSE a um quadro inédito. O tribunal jamais chegara tão longe na análise de uma prestação de contas presidencial. A depender da vontade do seu presidente, o ministro Gilmar Mendes, a Corte eleitoral transformará o processo num inventário implacável das ilegalidades cometidas em 2014. Algo a ser amplamente divulgado, como uma resposta à altura da tentativa do PT de converter a Justiça Eleitoral em lavanderia de verbas sujas.
Se a chapa Dilma-Temer fosse cassada pelo TSE até o final do ano, o brasileiro teria a oportunidade de escolher um novo presidente da República em eleição direta. É o que determina a Constituição. Entretanto, são grandes as chances de o julgamento ser empurrado para 2017.
(...)
Do Blog do Josias de Souza,25/09/2016, 03:08 hs
sábado, 24 de setembro de 2016
HITLER, UM MODELO
Durante sua longa carreira de agitador, Hitler estudou os efeitos do veneno gregário e aprendeu a explorá-los em benefício dos seus próprios fins. Descobriu que o orador pode apelar para aquelas 'forças ocultas' que provocam as ações dos homens, muito mais eficientemente que o escritor. Ler é uma ocupação privada e não coletiva. O escritor dirige-se apenas a indivíduos, sentados em suas casas, num estado de sobriedade normal. O orador fala para massas de indivíduos, já bastante contaminados pelo 'veneno gregário'.
(...)
Aldous Huxley
GLOSSÁRIO PSI - LETRA "P"
Psiquiatria biológica - s. f., linha teórico-metodológica e técnica da psiquiatria clínica atualmente hegemônica. O uso do epíteto "biológica" refere-se ao mecanismo de redução da complexidade subjetiva do paciente ao funcionamento cerebral e/ou dos demais sistemas e órgãos do organismo físico-químico. Caracteriza-se, ainda, por uma submissão institucional e epistemológica canônica (e crônica) à Classificação Internacional das Doenças (CID-10, ítem F), o que se traduz na destruição (ou negação) da psicopatologia como objeto de pesquisa. Desse modo, as intervenções terapêuticas produzem uma fármaco-clínica sobre o paciente e o próprio paciente que a referenda enquanto subjetividade psiquiátrica.
Há muitos metros entre um animal que voa
E a escada que desço para me sentar no chão
Mas basta-me um quadrado de sossego
Para a distância absoluta
Está para além do que se vê a janela onde me debruço definitivo
Não é uma aparição
Nem se pode alcançar sem se ir em frente caindo
Só no fim da paisagem estou de pé como um para-quedista que desce
Suspenso como os santos num arroubo místico
Erguido como um anjo em suas asas
E sinto-me ser alto como um astro. Nuvem
Como se fosse um homem
Que levita
Daniel Faria
O REAL IMPOSSÍVEL
O verdadeiro Amor como qualquer outra droga forte que cause dependência, não tem graça. Assim que a fase do encontro e descoberta se encerra, os beijos se tornam surrados e as carícias cansativas... exceto, é claro, para aqueles que compartilham os beijos, que dão e recebem as carícias enquanto cada som e cada cor do mundo parecem se aprofundar e brilhar em volta deles.
Como acontece com qualquer outra droga forte, o primeiro amor verdadeiro só é realmente interessante para aqueles que se tornam seus prisioneiros. E como acontece com qualquer outra droga forte que cause dependência, o primeiro amor verdadeiro é perigoso. Os que estão sob o domínio de uma droga forte - heroína, erva-do-diabo, verdadeiro amor - frequentemente se veem tentandos a manter um precário equilíbrio entre discrição e êxtase, enquanto avançam na corda bamba de suas vidas. Manter o equilíbrio numa corda bamba é difícil até mesmo no estado mais sóbrio; fazer isso num estado de delírio é praticamente impossível. A longo prazo, é completamente impossível.
(...)
Stephen King
PROGRAMA ANARQUISTA
(...)
1) Abolição da propriedade privada da terra, das matérias-primas e dos
instrumentos de trabalho – para que ninguém disponha de meio de viver
pela exploração do trabalho alheio –, e que todos, assegurados dos meios
de produzir e de viver, sejam de fato independentes e possam associar-se
livremente, uns aos outros, no interesse comum e conforme as simpatias
pessoais.
2) Abolição do governo e de todo poder que faça a lei para impô-la aos
outros: portanto, abolição das monarquias, repúblicas, parlamentos,
exércitos, polícias, magistraturas e toda instituição que possua meios
coercitivos.
3) Organização da vida social por meio das associações livres e das
federações de produtores e consumidores, criadas e modificadas segundo
a vontade dos membros, guiadas pela ciência e pela experiência, liberta de
toda obrigação que não derive das necessidades naturais, às quais todos
se submetem de bom grado quando reconhecem seu caráter inelutável.
4) Garantia dos meios de vida, de desenvolvimento, de bem-estar às crianças
e a todos aqueles que são incapazes de prover sua existência.
5) Guerra às religiões e todas as mentiras, mesmo que elas se ocultem, sob o
manto da ciência. Instrução científica para todos, até os graus mais
elevados.
6) Guerra ao patriotismo. Abolição das fronteiras, fraternidade entre todos os
povos.
7) Reconstrução da família, de tal forma que ela resulte da prática do amor,
liberto de todo laço legal, de toda opressão econômica ou física, de todo
preconceito religioso.
(...)
Errico Malatesta, in Escritos Revolucionários, 1903
AUTOCRÍTICA
Em conversa com a Coluna, com garantia de anonimato, procuradores da Lava Jato reconheceram que foi desastrosa “na liturgia, não no conteúdo”, a entrevista do último dia 14, na qual divulgaram acusações de corrupção e lavagem de dinheiro contra Lula. “Erramos na comunicação”, disse um deles. “Se um discurso não é bem assimilado, se falhou em deixar claro sua razão de ser, pouco importa o quão correto tenha sido”, acrescentou. “Mas não repetiremos o erro.” É bastante provável, portanto, que as próximas apresentações do Ministério Público Federal do Paraná, para anunciar resultados de investigações, abram mão de tons e recursos que, considerados excessivos, despertaram críticas até de setores simpáticos à operação.
A autocrítica, porém, não vai além da forma. No mérito, a equipe sustenta que a polêmica coletiva trouxe à luz provas robustas contra Lula e deu subsídios sólidos para sua futura condenação. Essa convicção não tem base só nas investigações do envolvimento do casal Silva em crimes relacionados ao tríplex do Guarujá e ao uso de dinheiro sujo para pagar a armazenagem de seus bens pessoais.Como exemplo adicional da “falha de comunicação”, os procuradores apontam para uma informação que, por eles considerada de grande relevância, foi pouco destacada pela imprensa na denúncia enviada ao juiz Sérgio Moro. Ficou fora das manchetes a acusação do envolvimento de Lula em três contratos, assinados pela OAS com a Petrobras, no valor de R$ 87 milhões, sobre os quais, segundo os procuradores, “há consistentes evidências de corrupção”. “Demos margem para que se enxergasse falta de consistência no que foi apresentado, quando, ao contrário, as denúncias estão solidamente sustentadas em testemunhos, evidências e circunstâncias.” Toda a polêmica desse episódio foi relembrada na quinta-feira 22, com a não menos controvertida prisão de Guido Mantega. Nada contra deter uma autoridade enrolada em bandalheiras; mas fazê-lo ignorando a cirurgia a que era submetida à mulher do ex-ministro é dar pólvora, como deu, aos adversários da operação conduzida pela força-tarefa.Minutos depois, Lula e aliados já surfavam no “nazismo do ato”. E, mais uma vez, quem lhes deu a prancha foi a própria Lava Jato.
Ricardo Boecht, Isto É, 23/09/2016, 18:26 hs
AOS EMUDECIDOS
Oh, a loucura da cidade grande, quando ao entardecer
Árvores atrofiadas fitam inertes ao longo do muro negro
Que o espírito do mal observa com máscara prateada;
A luz, com açoite magnético, expulsa a noite pétrea.
Oh, o repicar perdido dos sinos da tarde.
A puta, em gélidos calafrios, pare uma criança morta.
A cólera de Deus chicoteia enfurecida a fronte do possesso,
Epidemia purpúrea, fome que despedaça olhos verdes.
Oh, o terrífico riso do ouro.
Mas quieta em caverna escura sangra muda a humanidade,
Constrói de duros metais a cabeça redentora.
Georg Trakli
tradução: Cláudia Cavalcante
O CONSÓRCIO DO PETROLÃO
Em julho de 2013, o executivo Ivo Dworschak, da OSX, empresa naval de Eike Batista, alertou o ainda bilionário: operadores do petista José Dirceu estavam cobrando até impostos da propina que lhes era devida por contratos na Petrobras. As empresas de Eike, como a OSX, derretiam. Ele fizera e redobrara apostas tresloucadas em poços que não davam petróleo. A fatura finalmente chegara; com ela, a pressão dos operadores do PT. A OSX, em parceria com a Mendes Júnior, obtivera, em 2012, um contrato de US$ 922 milhões com a Petrobras, para construir as plataformas P-67 e P-70 – duas das preciosidades da exploração no pré-sal. Contratos na Petrobras, ainda mais dessa ordem, não vinham de graça. Naquele momento, vinham atreladas a pedágios ao PT e ao PMDB, os dois partidos que detinham o poder político no Brasil e, com ele, as canetas da Petrobras.
Eike não poderia deixar que a OSX parasse de receber da Petrobras, o único contrato que realmente pagava as contas. Mandou, segundo o executivo Ivo, bancar a fatura dos operadores de Dirceu. “O Eike falou que isso faz parte das negociações, para eu ficar tranquilo e só dar seguimento aos pagamentos”, disse Ivo recentemente aos procuradores da força-tarefa da Lava Jato. O executivo participou de reuniões em que os operadores de Dirceu, da espanhola Isolux, estrilavam diante do calote na propina. “Eu vi fisicamente na minha frente um bando de argentinos ou uruguaios lá, cobrando que a gente cumprisse o acordo senão eles iriam denunciar lá, fazer as ações nas origens, a ameaça seria tipo ‘Vou falar com José Dirceu que vocês não estão cumprindo e isso vai dificultar a vida de vocês’”, narrou Ivo à Lava Jato. Ele procurou Eike novamente. “Faz parte, fica tranquilo e honra o que foi feito, com impostos e tudo”, orientou Eike, segundo o depoimento de Ivo.
E assim foi feito. Ao longo de 2013, de acordo com planilhas de pagamentos e extratos bancários, empresas associadas a Dirceu, sem prestar serviço algum, receberam, ao menos, R$ 12 milhões. Dirceu já havia sido condenado pelo Supremo Tribunal Federal no mensalão – mas o julgamento do mensalão, como a Lava Jato veio a comprovar, em nada mudara a regra do jogo em Brasília e no Rio de Janeiro. O dinheiro da propina do pré-sal saiu da OSX e da Mendes Júnior. Após ser lavado, chegou às contas de operadores do petista, como Júlio César Oliveira Silva, o Julinho – um dos mais eficientes lobistas da turma de Dirceu, conhecido no submundo da venda de armas pesadas a governos e preso pela Lava Jato na semana passada. De lá, a propina era sacada em espécie ou seguia para contas de laranjas. A Lava Jato ainda rastreia o destinatário final da dinheirama. Já há provas documentais, no entanto, de que outros dois lobistas da Petrobras pagaram propina a Dirceu e ao PT por meio dos mesmos laranjas. Dirceu, que está preso em Curitiba desde agosto de 2015, já foi condenado a 23 anos de prisão.
Pagar propina a Dirceu, como sabiam Eike e os diretores da Mendes Júnior, nem sempre era suficiente para garantir contratos na Petrobras – ou o correto cumprimento desses contratos. Era preciso, também, pagar o PMDB. Como comprovam, entre outras evidências, os extratos bancários da Mendes Júnior, o lobista João Augusto Henriques, operador na Petrobras do grupo formado por deputados do PMDB, recebeu R$ 7,4 milhões da empreiteira, no mesmo período em que o PT recebia sua parte da propina. Segundo delatores com conhecimento direto do caso, o dinheiro repassado a João Augusto se tratava de propina ao PMDB pelo mesmo contrato. Quem no partido recebeu esse dinheiro? Os procuradores estão atrás. João Augusto está preso em Curitiba desde setembro de 2015, condenado a seis anos de prisão. Como Dirceu, ainda enfrenta outros processos.
As fraudes e propinas envolvidas no contrato bilionário de Eike e da Mendes Júnior com a Petrobras resultaram na 34ª fase da Lava Jato, deflagrada na manhã de quinta-feira, dia 22. Foi batizada pelos investigadores de Arquivo X, uma alusão a Eike Batista. A nova etapa das investigações forneceu as provas mais fortes do que já aparecera, em menor grau, em outros momentos da Lava Jato: o petrolão era um consórcio entre PT e PMDB. O PT, por ter a Presidência da República, era o sócio majoritário. O PMDB, por ter a base parlamentar mais influente e, no governo Dilma Rousseff, a Vice-Presidência, era o sócio minoritário. Havia outros sócios, embora bem menores: o PP de Paulo Roberto Costa e o PTB de Fernando Collor (o senador mudou de partido depois).
Após dois anos e meio de investigações, não restam dúvidas de que havia uma sofisticada organização criminosa em operação na Petrobras – e não apenas nela. O montanhoso corpo de provas que emerge da maior investigação já feita no Brasil revela, em minúcias, como funcionava a corrupção promovida pelo grupo que assaltava a estatal. Havia, como nas grandes organizações criminosas, uma clara divisão de tarefas. Cabia ao cartel de grandes empresas – como Mendes Júnior e OSX – pagar propinas aos funcionários da Petrobras e aos políticos que mandavam nesses funcionários. Cabia a esses funcionários e aos chefes deles, os políticos, entregar os contratos da estatal às empresas do cartel, por mais danosos que fossem aos cofres da Petrobras. Durante ao menos uma década, a organização criminosa prosperou formidavelmente. Empreiteiros enriqueceram. Burocratas enriqueceram. Lobistas enriqueceram. Políticos enriqueceram – e foram eleitos e reeleitos com dinheiro sujo. Até que, enfim, a estatal quebrou.
No topo desse consórcio entre PT e PMDB estava, segundo a força-tarefa, Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com eles, o esquema, do qual Lula se beneficiou política e materialmente, não poderia acontecer sem que ele tivesse dado as ordens, direta e indiretamente. Na semana passada, o juiz Sergio Moro acolheu a denúncia dos procuradores contra o ex-presidente. Moro entendeu que há provas suficientes de autoria e materialidade no caso em que Lula é acusado de receber propina da empreiteira OAS, lavada como um tríplex em Guarujá. Assim, o ex-presidente se tornou réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro – e as investigações prosseguirão intensamente. Ele é investigado em outras cinco frentes; numa delas, em Brasília, também já virou réu, acusado de tentar obstruir a Lava Jato.
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Daniel Haidar e Diego Escosteguy, Época,23/09/2016, 23:01 hs
sexta-feira, 23 de setembro de 2016
ATÉ OS AMERICANOS...
O psiquiatra americano Allen Frances acha que usamos remédios demais, e para tratar gente que passaria bem sem eles. Frances é professor emérito da Universidade Duke, nos Estados Unidos. Entre as décadas de 1980 e 1990, participou da elaboração do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), um livro publicado pela Sociedade Americana de Psiquiatria que relaciona transtornos mentais diagnosticáveis e faz recomendações de como tratá-los. A equipe que ele liderou foi a responsável por incluir problemas como Asperger – uma forma branda de autismo – e transtorno bipolar ao rol de vilões para quais os médicos deveriam atentar. A intenção foi boa. O resultado, diz ele, o pior possível.
No início dos anos 1990, o DSM se tornara tão influente no mundo todo, que cada novo acréscimo à lista de doenças era seguido por uma explosão de diagnósticos errados. Os pacientes pensavam sofrer das novas doenças. Os médicos, que interpretavam mal o manual, achavam o mesmo. O resultado: pessoas saudáveis foram consideradas doentes – e passaram a receber medicamentos dos quais não precisavam. “Tratamos pessoas que estão, essencialmente, bem. Mas que estão vivendo sob circunstâncias difíceis”, diz ele. Frances reuniu suas críticas à medicalização excessiva em um livro – Voltando ao normal (Versal Editores, 365 páginas), lançado neste ano no Brasil. Segundo ele, desenvolvemos o mau hábito de medicar a angústia provocada por problemas alheios a nossa vontade – como o desemprego ou a instabilidade política em um país – em lugar de reservar as pílulas para o tratamento de doenças psiquiátricas reais.
Em entrevista a ÉPOCA, o médico falou sobre os males da medicalização excessiva, a influência da indústria farmacêutica e sobre como descobriu sofrer de um transtorno mental questionável: o transtorno da compulsão alimentar periódica.
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Rafael Ciscati, Época,23/09/2016, 01:03 hs
A MACONHA NÃO É UM MAL ESSENCIAL
A Holanda está mais perto de legalizar o cultivo de maconha depois que a maioria dos deputados do Parlamento do país mostrou disposição a apoiar um projeto legislativo do partido liberal D66, informou nesta sexta-feira o portal de notícias DutchNews. Os trabalhistas e os verdes do Groenlinks já haviam apoiado a proposta da parlamentar Vera Bergkamp e agora dois deputados que tinham abandonado a formação de extrema direita PVV decidiram votar a favor da lei.
Uma elevada porcentagem da população e Prefeituras também apoiam a medida. Bergkamp espera que legalizar a produção de maconha elimine as “áreas cinzentas” entre os cultivos ilegais e os “coffee shops” com autorização, onde é possível adquirir pequenas doses para consumo pessoal. “Podemos comprar maconha, mas não podemos cultivá-la ou transportá-la, e isso não é bom”, afirmou Bergkamp.
Nesse sentido, a política garantiu que regular a produção ajudará a melhorar a saúde e a ter um maior controle da criminalidade. A nova lei também introduzirá controles de qualidade e, de fato, o projeto prevê que os proprietários dos “coffee shops” comprem a planta de cultivadores autorizados. Os produtores deverão cumprir com certos requisitos e seu trabalho será submetido a testes das forças de segurança.
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Veja.com., 23/09/2016, 09:28 hs
ENSINO MEDÍ-OCRE
O ensino médio vai mudar. Radical e rapidamente. O presidente Michel Temer sancionou a Medida Provisória que mexe no currículo, na organização e na carga horária dos últimos anos da educação básica. Flexibilização de grade curricular, aumento do número de horas de aula e ensino integral em metade da rede estão entre as principais mudanças que começam a ser postas em prática já a partir de 2017/2018 – dependendo somente de quando a Base Nacional Curricular Comum entrar em vigor.
A mudança mais sentida será na grade de disciplinas dos alunos. Hoje, o estudante encara 13 matérias fixas (língua portuguesa, matemática, biologia, física, química, filosofia, inglês, geografia, história, sociologia, educação física, educação artística, literatura) em 25 horas de aula semanal. A partir do próximo ano, as escolas se organizarão para o aluno escolher entre itinerários formativos – o nome dado pelo Ministério da Educação (MEC) ao conjunto de matérias que cada aluno escolherá para estudar.
Os itinerários são agrupados em cinco grandes conjuntos: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. Dentro de cada um deles haverá cinco disciplinas. Cada escola ou rede de ensino decidirá que outras disciplinas vão compor esse itinerário. As únicas obrigatórias em todos eles serão língua portuguesa, inglês e matemática. O aluno escolherá o que vai estudar no final do 1º ano do ensino médio.
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Flávia Youri Oshima,Época, 22/09/2016, 22:40 hs
quinta-feira, 22 de setembro de 2016
MANTEGA EM CANA
A Polícia Federal deflagrou na manhã desta quinta-feira (22) a 34ª fase da Operação Lava Jato, batizada de Arquivo X. A Polícia Federal, com o apoio da Receita Federal, mobilizou 210 profissionais para cumprir 49 ordens judiciais. O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega é o principal alvo. Ele foi preso temporariamente em São Paulo (cinco dias, podendo a prisão ser prorrogada pelo mesmo período ou convertida em preventiva). O ex-ministro foi detido enquanto acompanhava a mulher em um procedimento cirúrgico em um hospital da capital paulista.
O foco de apuração dessa etapa são fatos relacionados à contratação pela Petrobras de empresas para a construção de duas plataformas, a P-67 e P-70, com fins de exploração de petróleo na camada do pré-sal, as chamadas FSPO’s (Floating Storage Offloading).
Em 26/7/2012 o Consórcio Integra Offshore, formado pelas empresas Mendes Júnior e OSX, firmou com a Petrobras contrato no valor de US$ 922 milhões para a construção das plataformas P-67 e P-70 (unidades flutuantes de produção, armazenamento e transferência de petróleo voltadas à exploração dos campos de pré-sal).
Investigadores apontam que há indícios de que cerca de R$ 7 milhões foram transferidos, entre fevereiro e dezembro de 2013, pela Mendes Júnior para um operador financeiro ligado ao PT e à Diretoria Internacional da Petrobras, já condenado no âmbito da Operação Lava Jato, como forma de pagar pela contratação. Os repasses foram viabilizados mediante a interposição de empresa de fachada, que não possuía uma estrutura minimamente compatível com tais recebimentos.
As investigações da PF revelam que o ex-ministro da Fazenda atuou diretamente com o comando das empresas a fim de negociar o repasse de recursos para pagamentos de dívidas de campanha do PT. De acordo com as investigações, esses valores teriam como destino pessoas já investigadas na operação e que atuavam no marketing e propaganda de campanhas políticas do mesmo partido.
O nome Arquivo X é uma referência às empresas do empresário Eike Batista, investigadas nesta etapa.
Bárbara Lobato, Época, 22/09/2016, 09:46 hs
quarta-feira, 21 de setembro de 2016
DEPARDIEU NO RIO
RIO — Suando sob o sol matinal de Copacabana, Gérard Depardieu limpa a testa com um guardanapo, acende um segundo cigarro Gitanes e admite: não gosta mais de atuar. Depois, olha para a xícara de café vazia e faz uma correção. Na verdade, nunca gostou de atuar.
— Não sou ator, não tenho o problema do ator que fala: “Eu, eu, eu” — explica, em entrevista no terraço do Sofitel, horas antes de apresentar um de seus últimos filmes, “Vale do amor”, anteontem à noite, em pré-estreia no Reserva Cultural de Niterói. — Prefiro viver. Demorei para perceber isso. Quando era jovem, meu sonho era saber falar bem. Então fiz muito teatro, mas não compreendia o que eu falava. Criava minhas próprias imagens em cima das palavras. Sou apenas alguém que faz os outros acreditarem em coisas que não entendo, mas das quais traduzo o essencial.
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Bolívar Torres, O Globo, 21/09/2016, 16:36 hs
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