quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A PRAGA DOS SELFIES

(...)

– Faz uma foto.

O sujeito pode estar se separando da mulher, na conversa mais séria de sua vida. É obrigado a interromper. Muitas vezes, quando leio uma reportagem onde a prova é que fulano aparece numa foto com um criminoso, penso:

– Mas e se ele fez aquela foto sem saber quem era?

Foto de celular deixou de ser prova de relacionamento. Já devo ter sido fotografado com traficantes e foragidos. Como saber? E em todas apareço sorrindo, sem ter a menor ideia de quem se trata. Evito, sim, ser fotografado com políticos. Posso aparecer numa campanha anos depois, como se desse aval.

Minha grande curiosidade é: o que as pessoas fazem com essa infinidade de fotos? Vão para alguma nuvem? Daqui a séculos um estudioso terá acesso e tentará compreender o que significam esses milhares de sorrisos? Penso que as pessoas tiram as fotos, deixam na memória do celular e nunca mais veem. Exatamente como eu faço. Às vezes abro a memória sem querer e me vejo com meus dois gatos, que já se foram. Ou com amigos com quem nem falo mais. É até um susto.

De uma coisa tenho certeza. A foto pelo celular vale apenas pelo momento. Não será feito um álbum de fotografias, como no passado, onde víamos as imagens, lembrávamos da família, de férias, de alegrias. As imagens ficarão esquecidas em um imenso arquivo. Talvez uma ou outra, mais especial, seja revivida. Todas as outras, que ideia. Só valem pelo prazer de fazer o selfie. Mostrar a alguns amigos. Mas o significado original da foto de família ou com amigos, que seria preservar o momento, está perdido. Vale pelo instante,  como até grandes amores são hoje em dia. É o sorriso, o clique, e obrigado. A conquista: uma foto com alguém conhecido.

Tento não recusar nenhuma foto. É uma questão de respeito com quem gosta do que escrevo. Outras pessoas, até mais famosas, pensam como eu. Virou um vício social. Uma praga. Sei que minha imagem um dia será apagada para ceder espaço a outras e outras. Mas tudo hoje é assim: volátil. O que vale é o sorriso e o momento.

Walcyr Carrasco, Época, 27/09/2016,09:40 hs

Um comentário: