terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A VOLTA DOS BICHINHOS

A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou nesta segunda-feira uma lista de 12 famílias de bactérias resistentes aos tratamentos atuais e instou o desenvolvimento de novos antibióticos para combatê-las. Segundo a agência da ONU, o risco para a saúde é “crítico” no caso de três famílias de bactérias, resistentes inclusive aos antibióticos mais recentes e que causam a maioria das infecções hospitalares.
Os chamados “patógenos prioritários” provocam infecções no sangue, nos pulmões, no cérebro e no trato urinário que podem ser fatais. “A resistência aos antibióticos está crescendo, e estamos ficando rapidamente sem opções de tratamento”, disse Marie-Paule Kieny, assistente do diretor-geral da OMS. “Se deixamos este assunto para as forças do mercado, os novos antibióticos que precisamos urgentemente não serão desenvolvidos a tempo.”
(...)

Da Redação,  Veja.com, 27/02/2017, 14:16 hs

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

AMANHÃ VAI DAR PRAIA

A depressão não existe como entidade psicopatológica, mas como um modo de subjetivação inscrito em vetores existenciais concretos nem sempre explícitos. A psiquiatria, marcada pelo positivismo científico atual, endurece os processos subjetivos, e, por extensão, as forças ativas que movem o desejo para uma ressignificação do mundo. Nestes casos, o uso de anti-depressivos é uma estratégia clínica válida, mas subordinada à apreensão do paciente enquanto singularidade. Trata-se de uma tarefa árdua. Ela exige do técnico sensibilidade para captar as linhas finas da diferença que insistem em viver, mesmo em situações extremamente adversas.

A.M.

FÉLIX GUATTARI - Entrevista/1991

O QUE É NORMAL

Os sintomas, como tais, não são nossos inimigos, mas nossos amigos; onde há sintomas, há conflito, e conflito indica sempre que as forças da vida, que pugnam pela harmonização e pela felicidade, ainda lutam. As vítimas de doença mental realmente arruinadas encontram-se entre os que parecem mais normais. 'Muitos dos que são normais, são-no porque se encontram tão bem adaptados ao nosso modo de viver, porque as suas vozes humanas ficaram reduzidas ao silêncio tão cedo em suas vidas, que nem porfiam, ou sofrem, ou exibem sintomas como o neurótico.' São normais, não no que se pode denominar no sentido restrito da palavra; são normais apenas em relação a uma sociedade imensamente anormal. O seu perfeito ajustamento a essa sociedade anormal dá a proporção de sua doença mental.
(...)
Aldous Huxley in O Admirável Mundo Novo, 1932

MELHOR FAIXA DO CARNAVAL !

(do blog do Simão)

domingo, 26 de fevereiro de 2017

LIXÃO À VISTA
(...)
Em política, não adianta brigar com o inevitável. Diante de um pé d’água, a primeira coisa a fazer é encontrar um guarda-chuva. A segunda, é abrir o guarda-chuva. A terceira, é tentar se molhar o mínimo possível. Alcançado por um temporal, Padilha deixou Temer ensopado. O modelo de demissão a prazo —afastamento na denúncia e exoneração no envio ao banco dos réus— deixou o almoxarifado do Planalto sem guarda-chuvas. A fórmula pode interessar aos ministros que estão na chuva. Mas mantém a reputação do presidente, já encharcada, à mercê de todo tipo de intempérie.

A integridade de um presidente da República é como a gravidez. Não dá segunda safra. Mas convém a Temer manter ao menos as aparências. O autodenominado “núcleo duro” do Planalto se liquefez. A cúpula do governo vira chorume junto com a fina flor do PMDB. E Temer encontra-se perigosamente próximo do lixão para o qual a Lava Jato arrasta personagens como Renan Calheiros, Romero Jucá, Edison Lobão, José Sarney, Jader Barbalho… A atmosfera malcheirosa adensou-se com a chegada ao Brasil dos operadores de propinas Jorge e Bruno Luz, presos em Miami. Licenciado da presidência do PMDB, Temer comandou o partido por 15 anos. Perdeu o direito de usar o bordão “eu não sabia”.

Blog do Josias de Souza, 26/02/2017, 02:19 hs

sábado, 25 de fevereiro de 2017

PHILIP GLASS - Distraught (Kundun, 1997)


SETE ESTUDOS PARA A MÃO ESQUERDA
(...)

V

Não é assim: os dias claros, noites límpidas,
cada gaveta satisfeita em seu lugar,
e a consciência administrando tudo isso —

Nada é assim. Nada é tão bom. Na hora H
algum detalhe escapa, talvez uma vírgula
fatal, ou falta o risco no meio do A,

e o mundo vira um caos de músculo e metal.
Ou então o dia até que cumpre sua rotina
sem aporias nem contradições, mas mal
a noite desce as velhas dúvidas cretinas

levam de volta ao estribilho inicial,
ao X do problema: as coisas fora de esquadro,
o desajuste entre o desejo e o vegetal
da consciência, complacente, amputada.


Paulo Henriques Britto

NIKOLAS TESLA ( 1856- 1943 )


FRANCISCO NA CENA

O Vaticano atravessou a era moderna protegido por uma muralha de secretismo e de silêncio, em que desvios internos, crimes e discussões raramente chegavam aos ouvidos de quem estava tirando fotos na Praça São Pedro, em Roma. Essa tranquilidade foi arruinada neste século com a revelação de vários casos de pedofilia e de corrupção dentro da instituição. Nos últimos seis meses, foi a vez de as brigas internas extravasarem para o grande público, com o papa Francisco sendo atacado sem misericórdia por críticos conservadores de dentro e de fora do Vaticano. Cardeais deram entrevistas falando abertamente contra ele, grupos anônimos pregaram cartazes críticos em Roma e ativistas anti­abor­to postaram na internet um vídeo com insinuações e maldades a respeito do pontífice. No domingo 19, ele deu o troco sutil: “Os inimigos são todos aqueles que falam mal de nós, que nos caluniam e nos fazem mal. E não é fácil digerir isso. Estamos chamados a responder a todos eles com o bem”. A origem das críticas está na mudança avançada que Francisco pretende imprimir à relação entre a Igreja e os fiéis divorciados. Pelo dogma católico, o casamento é indissolúvel. Se uma pessoa se separa e se casa novamente, comete um pecado e não merece a comunhão na missa. O papa João Paulo II declarou que a única maneira de esses indivíduos serem novamente aceitos e participarem dos sacramentos consistiria em viverem como “irmão e irmã”. É uma solução obviamente esdrúxula e inaplicável no mundo de hoje, que só afasta os separados da Igreja.

Duda Teixeira, Veja.com, 25/02/2017, 08:00 hs

IRENE SHERI


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

DESEJO NÃO É NECESSIDADE
(...)
Não é o desejo que se apoia nas necessidades; ao contrário, são as necessidades que derivam do desejo: elas são contraproduzidas no real que o desejo produz. A falta é um contraefeito do desejo, depositada, arrumada, vacuolizada no real natural e social. O desejo está sempre próximo das condições de existência objetiva, une-se a elas, segue-as, não lhes sobrevive, desloca-se com elas, razão pela qual ele é, tão facilmente, desejo de morrer, ao passo que a necessidade dá a medida do distanciamento de um sujeito que perdeu o desejo ao perder a síntese passiva dessas condições. A necessidade como prática do vazio tem unicamente este sentido: ir procurar, capturar, parasitar as sínteses passivas ali onde elas se encontram. Não adianta dizer: não somos ervas, perdemos há muito tempo a síntese clorofílica, é preciso comer... O desejo torna-se então esse medo abjeto da falta. Mas não são precisamente os pobres ou os espoliados que dizem isso. Estes, ao contrário, sabem que estão próximos da erva, e que o desejo só tem “necessidade” de poucas coisas, não dessas coisas que lhes são deixadas, mas das próprias coisas que lhes são incessantemente tiradas, e que não constituem uma falta no coração do sujeito, mas sobretudo a objetividade do homem, o ser objetivo do homem para quem desejar é produzir, produzir na realidade.
(...)
G. Deleuze e F.Guattari in O anti-édipo

DE VOLTA AO FLAMENGO...


HISTÓRICO

bêbado e rouco
em carro aberto
meu coração desfila aos berros
desde outros carnavais


Eudoro Augusto
QUANDO DELIRAR INCOMODA

Na avaliação clínico-psicopatológica, é possível que o delírio não seja notado. O paciente conversa "normalmente", articula bem a sintaxe, tem um discurso congruente, organizado, mas no entanto, delira sem se fazer notar. Isto ocorre, grosso modo, nos casos de psicoses graves sem desorganização mental, daí sem perda da capacidade de autonomia social ou de gerir os atos da vida civil. Ora, conforme o senso comum das sociedades, o delírio tende a ser notado quando incomoda. Quer dizer: quando o sujeito se torna agressivo em demasia, violento, improdutivo, inadequado aos códigos sociais, incapaz de resolver até mesmo pequenos problemas, aí lhe chega a pecha de inválido. E outros epítetos de cunho moral. Este dado reforça a tese de que "todos podem delirar" desde que não desarrumem os fluxos afetivos dos códigos sociais. Desde que, enfim, não tragam a desordem. Então, fiquem no seu canto. É de notar, contudo , que muitas instituições poderosas (o Estado, entre outras) deliram sim e fazem delirar, delirar, mas no âmbito restrito de um funcionamento subjetivo ótimo. Por exemplo, a calamidade da guerra que atravessa a história humana, é aceita como fato natural. Não há delírio nos motivos que a legitimam. E o que dizer da Religião, do Direito, da Escola? É que na avaliação psicopatológica o delírio muitas vezes está encapsulado pelas crenças que compõem os modos subjetivos de viver, mesmo que tal vida expresse a destruição in concert como hoje no Brasil. Deste modo, o exame psiquiátrico do paciente-indivíduo, é, ao mesmo tempo, um exame da sociedade em que ele se insere. O delírio é social antes de ser individual.

A.M.

BRASIL DEPRIMIDO


O Brasil tem a maior taxa de pessoas com depressão na América Latina e uma média que supera os índices mundiais. Dados publicados nesta quinta-feira, 23, pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que 322 milhões de pessoas pelo mundo sofrem de depressão, 18% a mais do que há dez anos. O número representa 4,4% da população do planeta.

No caso do Brasil, a OMS estima que 5,8% da população nacional seja afetada pela depressão. A taxa média supera a de Cuba, com 5,5%, a do Paraguai, com 5,2%, além de Chile e Uruguai, com 5%.

No caso global, as mulheres são as principais afetadas, com 5,1% delas com depressão. Entre os homens, a taxa é de 3,6%. Em números absolutos, metade dos 322 milhões de vítimas da doença vivem na Ásia.

De acordo com a OMS, a depressão é a doença que mais contribui com a incapacidade no mundo, em cerca de 7,5%. Ela é também a principal causa de mortes por suicídio, com cerca de 800 mil casos por ano.
(...)

Estadão Conteúdo, 23/02/2017, 09:30 hs

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

CURSOS E DISCURSOS
(...)
Eu seria incapaz de listar todos os cursos universitários absolutamente ridículos existentes no Brasil. Por exemplo: um amigo fazia a faculdade de quiropraxia numa instituição paulista. Para quem não sabe, a quiropraxia é um tipo de massagem/manipulação do corpo, com ajustes nas articulações. Como paciente, já fui estalado várias vezes. O quiroprático estalava minhas vértebras e braços. Há manuscritos chineses de 2700 a.C. que se referem à manipulação articular. Tive um quiroprático velhinho, de origem nipônica, excelente. Nunca fez faculdade. Para que transformar em curso universitário? Óbvio, para depois regulamentar. Criar uma reserva de mercado. Expulsar dela todos os velhinhos orientais e botar na roda jovens universitários. Seria no máximo um curso de extensão para quem fez educação física. Mas daqui a pouco vão exigir diploma. Quem lucra? As universidades.

Está na hora de fazer o contrário. De tirar a exigência de formação universitária para tantos cursos que poderiam ser técnicos. A formação profissional custaria menos, as pessoas entrariam no mercado de trabalho mais depressa. Mas não, só inventam novos cursos. E criam-se nichos e nichos. Estou com medo. Minha avó fazia um maravilhoso pudim com queijo parmesão. Qualquer dia desses dou a receita nas redes sociais. Serei processado por não ter faculdade de gastronomia?

Walcir Carrasco, Época, 21/02/2017, 16:57 hs


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

AO TEMPO

Tempo, vais para trás ou para diante?
O passado carrega a minha vida
Para trás e eu de mim fiquei distante,

Ou existir é uma contínua ida
E eu me persigo nunca me alcançando?
A hora da despedida é a da partida

A um tempo aproximando e distanciando...
Sem saber de onde vens e aonde irás,
Andando andando andando andando andando

Tempo, vais para diante ou para trás?


Dante Milano

NÃO HÁ VAGAS


terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Sou um pobre nato e, repito, um pobre vocacional. Ainda hoje o luxo, a ostentação, a jóia, me confundem e me ofendem.

Nelson Rodrigues

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O  QUE  É  PENSAR
(...)
No sentido de resistir à poderosa imagem de um progresso arborescente, onde a Ciência é colocada como tronco, eu gostaria de referir-me a outra ideia de Gilles Deleuze: a necessidade de "pensar pelo meio". Isso significa pensar sem ter como referência um fundamento ou objetivo ideal, e também não separar as coisas do meio que elas necessitam para existir. Em termos de meios científicos e suas demandas, está claro que nem tudo opera de acordo com os mesmos, ou seja, nem tudo vai aceitar o papel associado a criação científica, o papel de pôr à prova a forma em que ele é representado.
(...)
Isabelle Stengers, Revista e-flux, julho/2012
GEOFILOSOFIA

(...)
O professor Challenger, aquele que fez a Terra berrar como uma máquina dolorífera, nas condições descritas por Conan Doyle, depois de misturar vários manuais de geologia e biologia, segundo seu humor simiesco, fez conferência. Explicou que a Terra — a Desterritorializada, a Glaciária, a Molécula gigante — era um corpo sem órgãos. Esse corpo sem órgãos era atravessado por matérias instáveis não-formadas, fluxos em todos os sentidos, intensidades livres ou singularidades nômades, partículas loucas ou transitórias.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil platôs, vol 1

AUGUST MACKE


domingo, 19 de fevereiro de 2017

NON SENSE POLÍTICO

Em entrevista à AFP, Dilma Rousseff tranquilizou seus críticos: “Eu não serei candidata a presidente da República.” Deixou entreabertas outras portas: “Eu não afasto a possibilidade de eu me candidatar para esse tipo de cargo: senadora, deputada, esses cargos.”

Ai, ai, ai… Por que Senado ou Câmara? Não faz sentido! Se Lula diz que sua supergerente sofreu um golpe, se o PT sustenta que Dilma na Presidência seria a condição para o Brasil ser feliz, por que aprisionar a felicidade no Legislativo? O petismo não tem o direito de sacrificar o interesse maior da nação.

Qualquer coisa diferente da candidatura presidencial de Dilma soaria como uma admissão de que algo deu errado. E Dilma, como se sabe, deu certo. Só não foi mais longe porque os golpistas não deixaram. Dêem mais quatro anos para essa mulher e ela mostrará o que é sucesso. Dêem mais oito anos e aí sim todos verão o que é prosperidade. Lula não pode privar o Brasil de votar de novo na perfeição.

O PT já não dispõe de João Santana, engolfado pela lama da Lava Jato. Mas a plataforma de Dilma dispensa marqueteiros. Está pronta. Basta que a candidata trombeteie o seu legado de leniência com a corrupção, ruína fiscal e desemprego. Com tantos dedos nos olhos, o eleitor ficará cego. E pode apertar a tecla de Dilma na urna eletrônica.

Blog do Josias de Souza, 19/02/2015, 03:25 hs
UM RIZOMA

Tudo se conecta com tudo. A lei do acaso absoluto. Baralho de cartas: a sorte. Mesmo o minúsculo grão de realidade, eis a sombra dos valores perdidos, a melancolia alegre. É tudo menos um. Contradições para rir. Este é o método: ser possível "pensar". Dá trabalho, exige sensibilidades abertas,  morrer também. Então, o caos se apresenta como destruição do eu e das formas sociais estáveis. Em todo o campo social, a qualquer hora, sem garantias de verdade, o caminho torna-se o descaminho, a certeza a incerteza, o território a Terra. O que resta é o que faz viver.

A.M.

ORQUÍDEAS ETERNAS


SERVIÇO DE CELA

Os aposentos de Sérgio Cabral, a cela G de Bangu 8, tem a faxina feita por um outro preso a quem o ex-governador paga R$ 15 por dia pelo serviço.

Do Blog "Lauro jardim", 19/02/2017, 06:26 hs
SONETO BLOCADO

Dizer não tudo, que isso não se faz,
nem nada, o que seria impossível;
dizer apenas tudo que é demais
pra se calar e menos que indizível.
Dizer apenas o que não dizer
seria uma espécie de mentira:
falar, não por falar, mas pra viver,
falar (ou escrever) como quem respira.
Dizer apenas o que não repita
a textura do mundo esvaziado:
escrever, sim, mas escrever com tinta;
pintar, mas não como aquele que pinta
de branco o muro que já foi caiado;
escrever, sim, mas como quem grafita.


Paulo Henriques Britto

sábado, 18 de fevereiro de 2017

MÁQUINAS DE MÁQUINAS
(...)
O esquizofrênico situa-se no limite do capitalismo: é a tendência desenvolvida deste, o sobreproduto, o proletário e o anjo exterminador. Ele mistura todos os códigos, é o portador dos fluxos descodificados do desejo. O real flui. Os dois aspectos do processo se juntam: o processo metafísico que nos põe em contato com o “demoníaco” na natureza ou no seio da terra, e o processo histórico da produção social que restitui às máquinas desejantes uma autonomia em relação à máquina social desterritorializada. A esquizofrenia é a produção desejante como limite da produção social. A produção desejante e sua diferença de regime em relação à produção social estão, pois, no fim e não no começo. De uma à outra há tão só um devir, que é o devir da realidade. E se a psiquiatria materialista se define pela introdução do conceito de produção no desejo, ela não tem como evitar estabelecer em termos escatológicos o problema da relação final entre a máquina analítica, a máquina revolucionária e as máquinas desejantes.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in O anti-édipo
AINDA NÃO VIMOS NADA

(...) Para o mundo político, governo inclusive, toda essa tragédia que se desenrola nas ruas brasileiras é apenas um cenário distante. Todos se empenham em garantir sua zona de conforto, a possibilidade de continuar enriquecendo à custa do povo brasileiro. A única mudança que alguns parecem admitir é o ocaso do PT, considerado um rato magro, que ao ganhar o governo foi vítima de indigestão por sua fome acumulada. A tentativa de restaurar o esquema de sempre, e seguir a vidinha política do Congresso como se não estivéssemos numa profunda crise, é comovente. Digo isso porque eles parecem não compreender a gravidade do momento. Assassinatos, saques, cabeças decepadas, tudo isso se transforma num imenso mosaico policial, capítulo à parte em que a sucessão das atrocidades acaba suavizando-as. Em tese, não é nada confortável em ser governo num momento tão tenso no qual a corrupção é detestada.
O Rio está vivendo este drama com intensidade. É governado por um remanescente do grupo que assaltou e quebrou o estado, sem condições políticas de tirá-lo da crise. Mas não larga o osso. Existe uma dificuldade muito grande em perceber que algo acabou, que a sociedade não aceita mais esses padrões. Todo esse gigantesco esforço para retroceder o Brasil ao que havia antes da Lava-Jato é patético. Se olhassem atentamente para o que acontece no Espírito Santo, veriam que estamos no fio da navalha, habitando uma tênue fronteira com a barbárie. Quanto mais tempo perderem maquinando tramas para fugir da Justiça, mais a situação se agrava nas ruas. É urgente adequar as práticas às novas aspirações da sociedade brasileira. Temer deu um pontapé nelas ao nomear Moreira Franco ministro para garantir o foro privilegiado. E com a outra perna chutou a nomeação do próprio ministro da Justiça para o STF. Tantas historinhas na imprensa, mas o que fica para mim é que foram movidos pelo medo da Lava-Jato. Só isso justificaria o desgaste da nomeação. Ou será que vou acreditar que Temer, Padilha e Franco acordam e dizem: um belo dia para levar pancadas; vamos dar o foro privilegiado para o Moreira.
(...)
Fernando Gabeira, 12/02/2017

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Se você não jogar, jamais irá vencer.

Charles Bukowski

GRANDES ESCRITOS


SEGREDOS EXUMADOS

Eduardo Cunha levou para a carceragem de Curitiba os rancores que colecionou durante sua derrocada. Antes de ser preso, declarou a pelo membros dois membros de sua infantaria que se sentia traído por aquele que lhe devia a poltrona de presidente e muita gratidão. Hoje, Cunha dedica-se a enviar mensagens cada vez menos cifradas para o ex-amigo Michel Temer. É como se desejasse lembrar a Temer que os segredos dele estão enterrados em covas muito rasas. Ameaça exumá-los.

Repetindo uma tática que já havia utilizado com Sergio Moro, em Curitiba, Cunha cavalgou a paciência do juiz Vallisney Oliveira, em Brasília, para acionar sua língua viperina contra Temer. Arrolou o presidente novamente como sua testemunha de defesa. E levou aos autos as perguntas radioativas que sabe que Temer não responderá.

Cunha enfiou no questionário nomes e situações cujo detalhamento supostamente deixaria Temer mal. Fez pontaria na direção do neoministro Moreira Franco. O documento de Cunha vale por um roteiro de delação. Temer alardeia que, com a economia no rumo, seu governo vira a página. E Cunha, com suas perguntas, grita: “Para trás.” Temer avalia que o futuro a Henrique Meirelles pertence. E Cunha manda dizer que um pedaço do passado lhe pertence.

Blog do Josias de Souza, 17/02/2017, 07:21 hs
O CORDATO

O trânsito urbano (carro pra todo lado, um inferno) é um laboratório, um lugar de experimentação vital. Eu sabia disso por teoria, ou por "ouvir dizer". Diariamente constatava tal assertiva ao ver carros, gente, pedestres, ciclistas, motoqueiros, se devorarem uns aos outros como sendo a coisa mais natural do mundo. Oh, a modernidade, oh, o progresso. Até que um dia, por motivo banal, com um revolvão apontado para mim, decidi: agora aceito tudo, agora aguento tudo, daqui pra frente tolero tudo: pode me chamar de eleitor do Lula, do Bolsonaro, ou até mesmo, de um admirador do Trump, que não me importo, que nada, beleza cara, responderei. Hoje, só quero a paz. Como diria Drummond, a paz da Paz.

A.M.
O homem não pode trair o escritor, mas o escritor deve sempre trair o homem. Quando assume a condição de escritor, ele deve ficar acima do homem.

Carlos Heitor Cony

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Biographia literaria

 V

Céu azul. Cores vivas. Você rindo
de alguma coisa ou alguém que está à esquerda
do fotógrafo. É talvez domingo.
É claro que essa sensação de perda

não está na foto, não – não está na imagem
extremamente, absurdamente nítida.
E se fosse menor a claridade,
ou se estivesse sem foco, ou tremida,

ou se fosse em sépia, ou preto e branco,
talvez a foto não doesse tanto?
Você, às gargalhadas. O motivo

você não lembra. A foto é muito boa.
Naquele tempo você ria à toa,
você lembra. Você ainda era vivo.



Paulo Henriques Britto

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

VELOCIDADES

(...)
Em seu rosto e em seus olhos sempre se vê seu segredo. Perca o rosto. Torne-se capaz de amar sem lembrança, sem fantasia e sem interpretação, sem fazer o balanço. Que haja apenas fluxos, que ora secam, ora congelam ou transbordam, ora se conjugam ou se afastam. Um homem e uma mulher são fluxos. Todos os devires que há no fazer amor, todos os sexos, os n sexos em um único ou em dois, e que nada têm a ver com a castração. Sobre as linhas de fuga, só pode haver uma coisa, a experimentação-vida. Nunca se sabe de antemão, pois já não se tem nem futuro nem passado. "Eu sou assim", acabou tudo isso. Já não há fantasia, mas apenas programas de vida, sempre modificados à medida que se fazem, traídos à medida que se aprofundam, como riachos que desfilam ou canais que se distribuem para que corra um fluxo. Já não há senão explorações onde se encontra sempre no oeste o que se pensava estar no leste, órgãos invertidos. Cada linha onde alguém se solta é uma linha de pudor, por oposição à sacanagem laboriosa, pontual, presa, de escritores franceses. Já não há o infinito relatório das interpretações sempre um pouco sujas, mas processos acabados de experimentação, protocolos de experiência. Kleist e Kafka passavam seu tempo fazendo programas de vida: os programas não são manifestos, e menos ainda fantasias, mas meios de orientação para conduzir uma experimentação que ultrapassa nossas capacidades de prever (do mesmo modo o que chamamos de música programada). A força dos livros de Castañeda em sua experimentação programada da droga, é que cada vez as interpretações são desfeitas, e o famoso significante, eliminado. Não, o cachorro que vi, com o qual corri sob efeito da droga, não é a puta de minha mãe... É um processo de devir-animal que não quer dizer nada a não ser o que ele se torna, e me faz me tornar com ele. Outros devires se encadearão a ele, devires-moleculares (...)

G. Deleuze e C. Parnet in Diálogos

EMIL NOLDE


BUROCRATA

Por um momento levanta a cabeça
abandona a papelada e os carimbos
e olha vagamente
com um meio que seria o infinito.
Mas logo recompõe o rosto
pálido impávido
e ajeita a barata sobre a gravata.


Eudoro Augusto

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

SÁNDOR FERENCZI: O CRÍTICO-INVENTOR

Que Freud foi um visionário, poucos duvidam. Em uma época de conservadorismo extremo, em que o homem se achava dono de sua própria razão, o psquiatra andava na contramão da comunidade médica e criou uma teoria que mudaria a concepção do ser humano sobre si mesmo. Apesar de toda sua genialidade, é inegável que Freud se prendia, até inconscientemente, nos costumes e preconceitos de sua época. Viena era uma cidade absolutamente conservadora, onde a aparência e a postura de ser perfeito eram requisitos básicos para ser aceito.

Apesar de Freud analisar a fundo as podridões que revestiam essa sociedade aparentemente irretocável, ele ainda apresentava pontos conservadores em sua técnica, em sua teoria e até mesmo em suas opiniões sobre as mulheres, por exmeplo. Mesmo muito a frente do seu tempo, tornando-se amigo de mulheres libertárias e defendendo timidamente a homossexualidade como algo natural, Freud ainda considerava, no fundo, a mulher como um apêndice do homem. Para ele, a inveja do pênis era a principal causa da histeria em suas contemporâneas. Seu pensamento não estava totalmente equivocado, mas ele não enxergou o que um de seus parceiros enxergou. Sándor Ferenczi (1873-1933), psiquiatra e psicanalista húngaro, foi tão visionário que suas ideias eram consideradas malucas e ele chegou a ser taxado de psicótico no final da vida.

Um exemplo da postura moderna para a época era sua opinião sobre a histeria. Para Ferenczi, as mulheres vienenses apresentavam histeria pelo fato de elas serem muito reprimidas e não terem condições de dar vazão aos seus desejos sexuais e suas opiniões. De fato, ao olhar de hoje, fica claro que, mais do que inveja do falo, as moças daquele período sofriam com a subserviência e a cabeça baixa em relação aos maridos e era isso, principalmente, que as levava aos sintomas histéricos.

Mas o que mais chama atenção na trajetória de Ferenczi era sua cabeça aberta para o atendimento clínico. Enquanto Freud e seus seguidores pregavam a interpretação e a neutralidade, o húngaro já falava, sem teorizar sobre o tema, sobre vínculos com o paciente, sobre trocas e sobre humanizar a clínica. Ele percebia, mais cedo que todos, que a constratransferência era fundamental para o tratamento e que era impossível um não envolvimento por parte do psicanalista.  Outro aspecto é a regressão clínica, ou seja: o objetivo de fazer o paciente regredir para entender suas emoções mais primitivas.

Poucos sabem, mas a escola kleiniana deve muito a Ferenzi. O médico húngaro plantou as primeiras sementes das relações objetais e foi ele quem introduziu o termo introjeção. Ao atender Melanie Klein, deu a ela as ferramentas necessárias para iniciar uma teoria que modernizaria a psicanálise e possibilitaria o atendimento de pacientes regredidos e não apenas dos neuróticos clássicos de Freud.  Sua defesa ferrenha do homessualismo e seu interesse pela figura feminina complementam uma visão de mundo muito a frente de seu tempo. Chega a ser assustadora sua genialidade, por adiantar, durante uma época conservadora e absolutamente preconceituosa, conceitos que seriam discutidos abertamente apenas depois da revolução comportamental e sexual de 1960.

Como resultado de sua genialidade, porém, ganhou muitos desafetos e críticas. Mesmo sendo o criador da International Psychoanalytical Association (IPA), Ferenczi, no final de sua vida, sofreu com o preconceito por suas ideias fora do lugar. Morreu sendo acusado por Ernest Jones (1879-1958) de ser um psicótico, mas tempos depois ficaria provado que seus surtos de loucura foram ocasionados por um problema físico, pois sofria de anemia perniciosa. Como todo gênio, Ferenczi é revisitado nos dias atuais e suas ideias inovadoras são fundamentais para a psicanálise contemporânea. Ele é a prova viva de que a ignorância persiste, mas um dia começa a ruir naturalmente.


André Toso, Sociedade Paulista de Psicanálise, novembro/2010

domingo, 12 de fevereiro de 2017

ANA CAROLINA - Coração Selvagem


ADMIRÁVEL MUNDO, O NOSSO

(...) (...)
No universo de Orwell, a população é controlada pela dor. No de Huxley, pelo prazer. “Orwell temia que nossa ruína seria causada pelo que odiamos. Huxley, pelo que amamos”, escreve Postman. Só precisa haver censura, diz ele, se os tiranos acreditam que o público sabe a diferença entre discurso sério e entretenimento. “Quão maravilhados ficariam todos os reis, czares, führers do passado (e comissários do presente) em saber que a censura não é uma necessidade quando todo o discurso político assume a forma de diversão.” O alvo de Postman, em seu tempo, era a televisão, que ele julgava ter imposto uma cultura fragmentada e superficial, incapaz de manter com a verdade a relação reflexiva e racional da palavra impressa. O computador só engatinhava, e Postman mal poderia prever como celulares, tablets e redes sociais se tornariam – bem mais que a TV – o soma (*) contemporâneo. Mas suas palavras foram prescientes: “O que afligia a população em Admirável mundo novo não é que estivessem rindo em vez de pensar, mas que não sabiam do que estavam rindo, nem que tinham parado de pensar”.

Helio Gurovitz, Época, 12/02/2017, 10:19 hs

(*) Psicotrópico do universo de Huxley (Nota do Blog)

GRANDES ESCRITOS


OS MÉRITOS DA LAVA JATO

A declaração do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a respeito das prisões decretadas no âmbito da Operação Lava Jato causou desconforto em muitos que confiam no bom trabalho da força-tarefa. “Temos um encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba. Temos que nos posicionar sobre esse tema, que conflita com a jurisprudência que construímos ao longo desses anos”, disse o ministro.
Embora também haja quem diga ser inconveniente um ministro do STF fazer esse tipo de declaração, assiste razão a Gilmar Mendes quando discorre sobre a necessidade de os tribunais superiores analisarem a conformidade com o bom Direito das ordens de prisão decretadas pelos juízes de primeiro grau. Ele estava tratando, em foro próprio, de assunto pertinente às elevadas funções públicas que ocupa. Mais de uma vez, neste espaço, alertou-se para eventuais abusos que podem surgir no âmbito da Lava Jato e, principalmente, para algumas propostas, feitas por membros do Ministério Público Federal (MPF), que destoavam dos princípios e garantias próprios de um Estado Democrático de Direito.
Observar a possibilidade desses equívocos – possibilidade essa, por sinal, comum a todas as atividades humanas – não significa, porém, desconhecer nem tampouco diminuir os evidentes méritos da Operação Lava Jato e a necessidade de sua mais plena continuidade, atinja quem atingir.
Ainda que seja compreensível que os procuradores que trabalham na força-tarefa não se sintam confortáveis com a ideia de “um antes e um depois” da Lava Jato, a opinião pública considera, majoritariamente, que a operação foi um divisor de águas no combate à impunidade no País.
Trata-se de um trabalho exemplar de investigação que, começando por denúncias numa rede de postos de combustíveis – daí o seu nome –, conseguiu destampar o maior conjunto de casos de corrupção da história do País, envolvendo nada menos que a maior estatal brasileira, as principais empreiteiras e, entre outros, o partido político que estava havia mais de uma década no governo federal.
Além de desvelar uma teia de relações promíscuas entre o público e o privado, com graves interferências no processo eleitoral, a Operação Lava Jato mostrou ao País a possibilidade de uma atuação coordenada, rápida e eficiente entre Polícia Federal e Ministério Público. E, de forma muito diferente ao que a população havia visto em outras investigações de grande apelo nacional, o trabalho investigativo e processual esteve assentado em sólida argumentação jurídica, como amplamente reconhecido pelos tribunais.
Se pairasse alguma dúvida quanto aos bons frutos da Lava Jato, bastaria ir aos números. Segundo dados do MPF, os crimes já denunciados envolvem o pagamento de propina de cerca de R$ 6,4 bilhões e – outra novidade para uma população acostumada à menção de altas cifras nos casos de corrupção, mas ainda estreante em ver o dinheiro desviado voltar aos cofres públicos – R$ 10,1 bilhões são alvo de recuperação por meio de acordos de colaboração. Até dezembro de 2016, num cálculo envolvendo apenas a primeira instância, haviam sido prolatadas 24 sentenças, com 120 condenações.
Diante desse quadro, não há como pôr em dúvida os méritos da Operação Lava Jato. A força-tarefa deu certo. E quem lá no início estava um tanto cético – achando que a investigação ia acabar em pizza, especialmente quando chegasse aos poderosos do mundo da política e do meio empresarial – foi sendo ao longo dos meses convertido, por assim dizer, pelo bom trabalho da Lava Jato.
É dever de todos preservar as condições para que a força-tarefa possa chegar a bom termo, investigando com diligência e denunciando com consistência para que a Justiça possa punir ou absolver com isenção. Não cabe desperdiçar essa chance única de conciliar o Brasil – especialmente a esfera pública – com a lei e a ética. Daí também a razão para ninguém se escandalizar com alertas, quando for o caso, de eventuais equívocos da força-tarefa. O tema é importante demais para ser contaminado por suscetibilidades e preconceitos.

O Estado de São Paulo, 11/02/2017, 03:00 hs

A LEI É PARA TODOS


OUTRO MUNDO

Os psicofármacos, tão apreciados pela psiquiatria biológica, já enviam sinais de exaustão nas suas pesquisas bioquímicas. Nada de novo no front. A psicofarmacoterapia, voltada, óbvio, à supressão e/ou atenuação dos sintomas mentais (delírios, alucinações, ansiedades, pânicos, fobias, depressões, etc), ocultou o fato de que o próprio paciente é um dos sintomas da desestruturação social dos tempos atuais. Ah, parece longe o tempo em que se aguardava a qualquer momento a notícia da cura da esquizofrenia. Ou das outras psicoses. Ou das neuroses. Impossível: é que o mundo mudou. Hoje ele escancara suas linhas trágicas e sua doença via internet.

A.M.
SONETO INGLÊS

A surpresa do amor — quando já não se
espera do mundo nada em especial,
e a evidência de que os anos vão se
acumulando sem nenhum sinal
de sentido já não dói nem comove —
quando em matéria de felicidade
não se deseja mais que uns nove
metros quadrados de privacidade
para abrigar os prazeres amenos
do sexo fácil e da literatura
difícil — eis que então, sem mais nem menos,
como quem não quer nada, surge a cura —
definitiva, radical, imensa —
do que nem parecia mais doença.


Paulo Henriques Britto

ERNST KIRCHNER



sábado, 11 de fevereiro de 2017

SEGURANÇA NO NOME
Você já ouviu falar em José Levi Mello? Provavelmente, não. Trata-se da pessoa que responde interinamente pelo Ministério da Justiça. Tenta tapar o buraco aberto com a indicação do ministro Alexandre de Moraes para o Supremo Tribunal Federal. Moraes bateu em retirada num instante em que a bela intenção do governo de tranquilizar a nação com um plano nacional de segurança não resistiu às sucessivas desmoralizações dos surtos de violência que pipocam em diferentes pedaços do mapa brasileiro, dentro e fora dos presídios.
Até bem pouco, quando o assanhamento das fações criminosas nos presídios desafiava a autoridade do Estado, o Ministério da Justiça era apenas irrelevante numa crise capitaneada pelos governos estaduais. Hoje, quando as Políciais Militares acham que podem fazer greve com o revolver no coldre, o governo pode começar a poensar seriamente em arrendar o belo prédio da pasta da Justiça para uma rede hoteleira.
A ousadia da Polícia Militar do Espírito Santo, paralisada há uma semana, transborda para o Rio de Janeiro. E não há ministro da Justiça em Brasília. Para não ser chamado de omisso, Michel Temer solta nota oficial conclamando os PMs a respeitarem a lei. Simultaneamente, Temer negocia a escolha do futuro minstro da Justiça com a barriga encostada no balcão.
Hoje, o mais cotado para o posto é um deputado: Rodrigo Pacheco. Pertence ao PMDB, um partido que está mais preocupado em controlar os ímpetos da Polícia Federal na Lava Jato. No momento, o único lugar onde existe segurança no Brasil é no nome do ministério, que foi rebatizado na semana passada por Temer. Chama-se agora Ministério da Justiça e Segurança Pública. Não caia na gargalhada. O caso é sério!
Blog do Josias de Souza,10/02/2017, 23:54 hs

EVERGLADES NATIONAL PARK - música de Bert Kempfert (In The Everglades)


ATENÇÃO!

ATÉ  AGORA  
NENHUMA  LIVRARIA  FOI 
SAQUEADA  
NO  ESPÍRITO SANTO

GRANDES ESCRITOS


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Sossegue coração

Sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora

calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa


Paulo Leminski
O homem explora o homem e por vezes é o contrário.

Woody Allen

ESPÍRITO SANTO

Familiares têm papael importante na paralisação dos policiais

CONTRA TODOS

Com 30 quilos a mais no corpo e a distância proporcionada pelo fato de viver a 3.170 quilômetros da última cadeia síria onde esteve, Omar el Shogre pode, hoje, falar sobre o que é o inferno em plena vida. Ele sobreviveu por três anos a mais de cinco prisões do Governo sírio. “A morte era o caminho mais fácil, muito mais do que suportar tudo o que fizeram conosco”, diz, pelo telefone, de Estocolmo, cidade onde está morando há 14 meses.

A voz de El Shogre não fica trêmula quando ele relata como foi que, em uma tarde qualquer de novembro de 2012, vários homens do serviço de inteligência militar síria arrombaram a porta. Tinha 17 anos e morava com a tia em Banias, uma localidade litorânea da Síria, onde cursava o ensino médio. “Entraram e me levaram. Simples assim. Como depois levaram outros tantos jovens simplesmente por serem jovens e viverem em um país onde havia manifestações”.

Os golpes começaram já no caminho para a delegacia. “Quantos soldados você matou? Quais armas você usou?”, perguntavam, aos berros, nos primeiros interrogatórios. Das pauladas, passaram aos golpes com varas de metal. Das queimaduras na pele provocadas por cigarros e isqueiros, passaram para os choques elétricos. As doenças, a comida e a água, que “não davam nem para um passarinho”, eram as menores de suas preocupações.

Começaram, então, os abusos sexuais. “Escolhiam dois presos e mandavam um estuprar o outro. Quem se recusasse a fazer era executado. Não havia alternativa. “Ser estuprado, estuprar ou morrer”. Ele próprio sofreu tais abusos, e seu testemunho está no relatório da Anistia Internacional que denuncia milhares de enforcamentos em uma prisão oficial. “Ninguém irá admitir que isso lhes aconteceu, mas aconteceu e com muita frequência”.

El Shogre negou todas as acusações que lhe faziam. Mas certo dia, cedendo ao medo e às torturas, admitiu “ter matado muitos soldados e ter usado armas de todos os tipos”. Durante um rápido julgamento, no qual esteve presente quase como um ouvinte, pediu desculpas, o que acabou não lhe valendo muita coisa, pois foi em seguida transferido para a prisão de Saidnaya, nas proximidades de Damasco. Atrás das grades, o calendário semanal se transformou em um permanente encontro com a morte. “Todas as noites, quatro da madrugada era a hora das torturas. Todos os domingos, segundas e terças chegavam as caminhonetes onde eram colocados os corpos inertes”.

El Shogre contou 36 homens amontoados em uma cela de 25 metros quadrados. Com a superpopulação chegaram as doenças e com estas os colegas de cela moribundos. A cada morto, a porta se abria para levarem o corpo. “Cada cadáver era trocado por um vivo, um outro preso. O ciclo não terminava nunca”. Alguns nem sequer voltavam das sessões de tortura. O jovem afirma que também havia estrangeiros entre os presos, como tunisianos, líbios ou palestinos.

Pesava 35 quilos depois de ter vivido entre as paredes de celas onde presenciou mortes, estupros e torturas, e onde atingiu a maioridade. “Pode ser que as prisões na Europa estejam cheias de criminosos, mas na Síria elas estão lotadas de pessoas do bem, de presos políticos e de jovens que não cometeram crime algum”. Contra todas as expectativas, El Shogre sobreviveu o suficiente para que, certo dia, abrissem de novo a porta e ele fosse colocado em liberdade. Não foi por falta de provas ou com base em algum julgamento, conta, mas sim porque “minha mãe encontrou o guarda certo depois de juntar 15.000 dólares, que foi o que custou a minha liberdade”.

Com a pele quase grudada nos ossos, quase sem cabelos, a liberdade o trouxe de volta à realidade. Ele se tornou mais um sírio às voltas com os problemas de um país em guerra. Contaram-lhe que seu pai e seu irmão tinham sido mortos em um massacre ocorrido no período em que ele estava preso. Recuperou os quilos mínimos para empreender caminho e se lançar, como outros cinco milhões de seus compatriotas, no périplo dos refugiados. Chegou à Turquia. Não gostou do que viu.

“Os funcionários da ONU com os quais lidei se mostraram uns corruptos e mentirosos. Um refugiado que tinha mais dinheiro conseguiu ir para o Canadá. O meu depoimento não serviu de nada pessoalmente”. Dali, como cerca de mais um milhão de refugiados sírios, ele decidiu tentar a sorte na Europa e, em dezembro de 2015, entrou na Grécia, de onde pegou um tortuoso caminho atravessando cada um dos países que o separavam da Alemanha. “Ao chegar, vi que a situação estava muito ruim para nós ali, então, finalmente, decidi tentar a sorte na Suécia”, aonde chegou ainda em dezembro do mesmo ano.

A imagem disponível no WhatsApp de Omar el Shogre hoje é a de um jovem de 21 anos saudável e sorridente. “Tem gente que sobreviveu à prisão, mas não conseguiu superar mentalmente o que passou ali. Depende da personalidade de cada um”. De sua parte, ele decidiu esvaziar a mochila pesada, aprender a se “defender com a língua sueca” e, agora, quer encerrar logo a entrevista, pois não pretende chegar atrasado à empresa de telefonia móvel onde trabalha.

Natalia Sancha, El País, Beirute, 08/02/2017, 15:56 hs

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

MATINAS

Que eu não queira atirar um cobertor,
ainda que de cor,
em minhas trevas.
Que elas transpareçam
e se evolem — para o alto,
numa alquimia superior.
Que todo o meu ser
à luz aspire
e ascenda em calor.


Andersen Braga Horta

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

REGRESSÃO À MÉDIA

SÃO PAULO - Performances muito acima ou abaixo da média são por definição incomuns. Assim, quando alguém começa a agir surpreendentemente bem ou assustadoramente mal, o mais provável é que logo volte a seu desempenho típico. O nome do fenômeno é regressão à média.

Na vida prática ele nos leva a inferências incorretas, como supervalorizar o poder da punição e subestimar o do reforço positivo. O aluno mediano vai mal na prova e toma uma reprimenda do professor. Como, no teste seguinte, o normal é o estudante voltar à nota mediana, o mestre achará que a bronca funcionou. Já o discípulo que se sai muito bem na avaliação será elogiado. Como dificilmente repetirá o desempenho, o professor concluirá que o incentivo de nada serviu. Nossas mentes ávidas por causalidade não processam bem a distribuição aleatória da sorte e do azar.

A administração Temer vive seus dias de regressão à média. Como se sabe, o governo é bom para angariar apoios no Congresso, não se destaca em pensamento estratégico e é um desastre quando precisa lidar com a opinião pública.

Por um instante, Temer pareceu ter quebrado os grilhões da mediocridade. Após a morte do ministro Teori Zavascki, ele jogou surpreendentemente bem. Era uma situação em que o presidente, que tem como principais assessores gente muito citada na Lava Jato, tinha tudo para enforcar-se. Mas, ao anunciar que esperaria o STF designar um novo relator para a matéria antes de nomear um substituto para Teori, fez uma jogada de mestre e evitou cair numa emboscada do destino.

A boa fase não durou. Temer voltou a ser ele mesmo e decidiu dar um cargo de ministro ao enroladíssimo Moreira Franco, blindando-o contra Moro na Lava Jato, e indicar Alexandre de Moraes para o STF, transferindo diretamente para a corte que poderá julgar atos de seu governo alguém que até ontem estava no governo.

É difícil transcender à própria natureza.

Hélio Schwartsman, Folha de S.Paulo, 07/02/2017, 02:00 hs

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas da vida.

Lygia Fagundes Telles

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Goze.
Quem sabe essa
é a última dose?

Millôr Fernandes
O REAL É CRUEL
(...)
Foi curioso, nas duas últimas semanas, cruzar cidades quentes, Santo Antônio de Pádua, 44 graus, Paraty, 45 graus, e ouvir pelo rádio que Trump mandou apagar os dados do aquecimento global no site da Casa Branca. O calor desses não é nada na escala do tempo. Mas o aquecimento global já foi demonstrado por centenas de cientistas, centenas de jornalistas documentaram seus efeitos no planeta.
É uma realidade paralela brava. Dessas que ignoram que os outros vão continuar e encaram sua própria morte como o fim do mundo. Mas ao mesmo tempo é uma realidade devastadora, pois afasta os EUA do esforço planetário para reduzir as emissões dos gases que produzem o aquecimento. Entre secas e eventos extremos, não há outro caminho senão documentar a realidade real: por mais imperfeita, tem a grande vantagem de existir.

Fernando Gabeira, 29/01/2017
"Gênio" é a marca registrada que vocês colam nos produtos quando os expõem à venda.

Wilhelm Reich

EM DESTAQUE

por Luy

LIBERDADE, LIBERDADE

(...)
Fronteiras: Em seu projeto intelectual, o ideal libertário é quase onipresente. Ao mesmo tempo, Nietzsche é uma referência não menos presente. Como conciliar um ideal tão radical de liberdade com um autor como Nietzsche, proponente de uma filosofia aristocrática, uma filosofia da força?

Onfray: Bem, ser nietzschiano não é o mesmo que ser Nietzsche. Não é segui-lo em tudo o que disse, mas pensar a partir de seu pensamento. Hoje, ser nietzschiano é algo que não tem relação alguma com a caricatura que se fez de Nietzsche. Ser nietzschiano, parece-me claro, é, a partir de sua obra, saber que não há nada além da vontade de poder, que não somos senão um fragmento dessa vontade, é amar seu destino - o famoso amor fati - e abrir-se à beatitude que constitui o super-homem - o super-homem é aquele que sabe que é apenas um fragmento do mundo e que ama essa condição.

Quando você diz “Nietzsche faz o elogio da força", é preciso integrar isso a toda essa perspectiva. Quando Nietzsche diz que não temos escolha, que não somos livres, não diz que não devemos gostar da força, mas sim que não temos escolha de gostar ou não da força - a força faz parte do mundo, é consubstancial a ele. E não podemos mudar nada no mundo, pois ele já ocorreu e continuará a ocorrer eternamente. Essa eterna repetição do mundo faz com que estejamos para além da força e da fraqueza.

Não podemos dizer que escolhemos uma ou outra em Nietzsche, porque nós somos escolhidos por uma ou outra. Dito isso, como é possível sustentar uma posição anarquista e invocar Nietzsche? De fato, ele foi um autor que fez uma bela crítica dos pensamentos anarquista e socialista. Explica muito bem a dose de ressentimento contida nisso que podemos chamar de opções à esquerda no espectro político. De minha parte, confesso que muito convivi com gente de esquerda e pude constatar o grande papel desempenhado pelo ressentimento em seu modo de pensar. Não são pessoas que querem a revolução por uma questão de generosidade, de solidariedade ou de fraternidade, apenas querem que os ricos não sejam ricos - e que elas o sejam. Uma espécie de inveja daquilo que se despreza.

Trabalhei durante um tempo no Siné Hebdo, que reunia muita gente de esquerda, e pude perceber a maldade dessas pessoas: seu gosto pela violência, pela brutalidade; sua verdadeira paixão por Saint-Just e Robespierre, pela guilhotina, mesmo por tipos como Mesrine; sua defesa de Lênin, de Mao, de Castro. Em suma, eram pessoas que só falavam em liberdade da boca para fora, pois todos eram defensores de ditaduras. Um verdadeiro libertário, para mim, é alguém que não coloca nada acima da liberdade.

É algo muito simples e muito complicado ao mesmo tempo, porque no cotidiano as pessoas não gostam de liberdade: obediência, subserviência, docilidade, catecismo, fé, é isso o que as pessoas preferem. Se você é de esquerda, deve pensar assim e assim; se for católico, deve pensar isto e aquilo; e, quando você introduz alguma sutileza, há um exército contra você.

Michel Onfray, Fronteiras do Pensamento, entrevista em 06/01/2017