sábado, 4 de fevereiro de 2017

LIBERDADE, LIBERDADE

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Fronteiras: Em seu projeto intelectual, o ideal libertário é quase onipresente. Ao mesmo tempo, Nietzsche é uma referência não menos presente. Como conciliar um ideal tão radical de liberdade com um autor como Nietzsche, proponente de uma filosofia aristocrática, uma filosofia da força?

Onfray: Bem, ser nietzschiano não é o mesmo que ser Nietzsche. Não é segui-lo em tudo o que disse, mas pensar a partir de seu pensamento. Hoje, ser nietzschiano é algo que não tem relação alguma com a caricatura que se fez de Nietzsche. Ser nietzschiano, parece-me claro, é, a partir de sua obra, saber que não há nada além da vontade de poder, que não somos senão um fragmento dessa vontade, é amar seu destino - o famoso amor fati - e abrir-se à beatitude que constitui o super-homem - o super-homem é aquele que sabe que é apenas um fragmento do mundo e que ama essa condição.

Quando você diz “Nietzsche faz o elogio da força", é preciso integrar isso a toda essa perspectiva. Quando Nietzsche diz que não temos escolha, que não somos livres, não diz que não devemos gostar da força, mas sim que não temos escolha de gostar ou não da força - a força faz parte do mundo, é consubstancial a ele. E não podemos mudar nada no mundo, pois ele já ocorreu e continuará a ocorrer eternamente. Essa eterna repetição do mundo faz com que estejamos para além da força e da fraqueza.

Não podemos dizer que escolhemos uma ou outra em Nietzsche, porque nós somos escolhidos por uma ou outra. Dito isso, como é possível sustentar uma posição anarquista e invocar Nietzsche? De fato, ele foi um autor que fez uma bela crítica dos pensamentos anarquista e socialista. Explica muito bem a dose de ressentimento contida nisso que podemos chamar de opções à esquerda no espectro político. De minha parte, confesso que muito convivi com gente de esquerda e pude constatar o grande papel desempenhado pelo ressentimento em seu modo de pensar. Não são pessoas que querem a revolução por uma questão de generosidade, de solidariedade ou de fraternidade, apenas querem que os ricos não sejam ricos - e que elas o sejam. Uma espécie de inveja daquilo que se despreza.

Trabalhei durante um tempo no Siné Hebdo, que reunia muita gente de esquerda, e pude perceber a maldade dessas pessoas: seu gosto pela violência, pela brutalidade; sua verdadeira paixão por Saint-Just e Robespierre, pela guilhotina, mesmo por tipos como Mesrine; sua defesa de Lênin, de Mao, de Castro. Em suma, eram pessoas que só falavam em liberdade da boca para fora, pois todos eram defensores de ditaduras. Um verdadeiro libertário, para mim, é alguém que não coloca nada acima da liberdade.

É algo muito simples e muito complicado ao mesmo tempo, porque no cotidiano as pessoas não gostam de liberdade: obediência, subserviência, docilidade, catecismo, fé, é isso o que as pessoas preferem. Se você é de esquerda, deve pensar assim e assim; se for católico, deve pensar isto e aquilo; e, quando você introduz alguma sutileza, há um exército contra você.

Michel Onfray, Fronteiras do Pensamento, entrevista em 06/01/2017

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