terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

VELOCIDADES

(...)
Em seu rosto e em seus olhos sempre se vê seu segredo. Perca o rosto. Torne-se capaz de amar sem lembrança, sem fantasia e sem interpretação, sem fazer o balanço. Que haja apenas fluxos, que ora secam, ora congelam ou transbordam, ora se conjugam ou se afastam. Um homem e uma mulher são fluxos. Todos os devires que há no fazer amor, todos os sexos, os n sexos em um único ou em dois, e que nada têm a ver com a castração. Sobre as linhas de fuga, só pode haver uma coisa, a experimentação-vida. Nunca se sabe de antemão, pois já não se tem nem futuro nem passado. "Eu sou assim", acabou tudo isso. Já não há fantasia, mas apenas programas de vida, sempre modificados à medida que se fazem, traídos à medida que se aprofundam, como riachos que desfilam ou canais que se distribuem para que corra um fluxo. Já não há senão explorações onde se encontra sempre no oeste o que se pensava estar no leste, órgãos invertidos. Cada linha onde alguém se solta é uma linha de pudor, por oposição à sacanagem laboriosa, pontual, presa, de escritores franceses. Já não há o infinito relatório das interpretações sempre um pouco sujas, mas processos acabados de experimentação, protocolos de experiência. Kleist e Kafka passavam seu tempo fazendo programas de vida: os programas não são manifestos, e menos ainda fantasias, mas meios de orientação para conduzir uma experimentação que ultrapassa nossas capacidades de prever (do mesmo modo o que chamamos de música programada). A força dos livros de Castañeda em sua experimentação programada da droga, é que cada vez as interpretações são desfeitas, e o famoso significante, eliminado. Não, o cachorro que vi, com o qual corri sob efeito da droga, não é a puta de minha mãe... É um processo de devir-animal que não quer dizer nada a não ser o que ele se torna, e me faz me tornar com ele. Outros devires se encadearão a ele, devires-moleculares (...)

G. Deleuze e C. Parnet in Diálogos

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