quarta-feira, 31 de outubro de 2018

O professor disserta sobre ponto difícil do programa.
Um aluno dorme, 
Cansado das canseiras desta vida.
O professor vai sacudí-lo?
Vai repreendê-lo?
Não.
O professor baixa a voz,
Com medo de acordá-lo.

Carlos Drummond de Andrade

FERNANDA MONTENEGRO SOBRE BOLSONARO

ZONZOS

A cena mais constrangedora de uma peça de teatro é aquela que os atores deixam de executar antes de serem eliminados do espetáculo. Empurrados para fora do palco de 2018 por Jair Bolsonaro, PT e PSDB têm dificuldades para reencontrar o rumo. Os dois partidos tentam se levantar repetindo velhos erros. O tucanato briga consigo mesmo. E o petismo exercita sua lulodependência.

O habitat natural do PSDB, como se sabe, é o muro. Mas há agora um movimento de descida. Só que de lados diferentes. Um pedaço do ninho quer descer do lado em que se encontra Bolsonaro. O outro, do lado da oposição. Quanto ao PT, o destino da legenda será definido na cadeia de Curitiba.

No PSDB há uma briga entre criatura e criador. João Doria, vitorioso em São Paulo, empurra o partido para o colo de Bolsonaro. Alckmin, derrotado nacionalmente, tenta se segurar no comando da legenda e ensaia timbre de opositor. No PT, os poucos defensores de uma autocrítica descobrem que, como sucede desde a fundação do partido, Lula pensa primeiro nele. E depois, novamente nele. Tucanos e petistas estão zonzos. Bolsonaro agradece.
(...)

Do Blog do Josias de Souza,31/10/2018, 01:43 hs

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Barreira

O poeta sempre escapa
pela reticência
quem quiser pegá-lo
ficará, no máximo
com o casaco

O poeta é o animal
que cruza todas as fronteiras
enquanto pessoas conservam
inúteis soldados
que pedem documentos


Nei Duclós

ÓIA, O GÁIXXX!!!


domingo, 28 de outubro de 2018

EU AVISEI...

A.M.
EM TEMPOS DE ELEIÇÃO, O DELÍRIO AJUDA A VIVER

Lembro de um paciente, há alguns anos, me falando que havia uma tesoura enfiada e oculta na sua cabeça. Junto à queixa-crença, ele trazia exames de imagem do cérebro, como RM, TC, USG, todos normais. Perguntei-lhe porque ele insistia que a tesoura continuava alojada no cérebro, já que os exames estavam normais. Respondeu-me que os exames é que estavam errados, ou seja, haviam, sim, falhado já que provavelmente a tesoura estava escondida num locus cerebral de difícil acesso. Apesar de saber das limitações clínicas dos neuroexames por imagem na pesquisa da mente, já que o cérebro não é a mente, neste caso o cérebro era de fato o foco material da clínica. A discrepância entre a vivência-convicção do paciente com a imagem projetada sobre o écran era impressionante. Uma tesoura oculta dentro da cabeça não é qualquer coisa. Pois bem: percebi que os meus argumentos racionais, intelectuais, técnicos, até mesmo os de autoridade ("acredite porque sou médico"), eram completamente inúteis. Eu estava diante de um caso grave de delírio, cuja etiologia (origem) nada tinha a ver com o funcionamento cerebral, já que o cérebro estava absolutamente saudável. Ora, na doença psicossocial petista, em que pese todas as evidências do desmoronamento político-ideológico do partido dos trabalhadores, a crença-delírio prossegue como mecanismo subjetivo de negação de uma realidade muito dura que é a da morte do sonho petista. Como efeito direto  brota uma realidade esvaziada de sentido conforme os rumos possíveis para uma esquerda que queria mudar o mundo. Justiça social! Desse modo, milhões de pessoas que acreditavam no Sonho pós-ditadura de 1964 migraram para o delírio petista dos dias atuais. E sequer desconfiam que estão delirando, pois outros milhões lhe fazem companhia. Também deliram! E do mesmo modo que ocorria com o paciente da tesoura encravada no cérebro, de nada adianta usar argumentos racionais. Nada os convence. Trata-se de um investimento delirante de afetos tristes e mortificantes (melancólicos) só elimináveis à medida em que a prova de realidade ( o devir da História) o mostrar.  Como o Tempo histórico de uma nação é defasado em relação ao Tempo histórico de uma pessoa, milhares, milhões carregarão até a morte o seu "precioso" delírio como algo importante e indispensável (ainda que um fardo) para ajudá-los a viver.

A.M.


P.S. - O texto enfoca o drama dos doentes petistas e não o dos criminosos petistas. Quanto a estes, a Lava-Jato já está tratando...

P.S. - Texto revisado e republicado

FRANTISEK KRUPKA


CEM MIL ANOS DE CORRUPÇÃO

Não se chega ao estado de espírito que presidiu a campanha por acaso. Foram anos de corrupção, desmandos e desfaçatez por parte do grupo político que, capitaneado pelo hoje presidiário Lula da Silva, chegou ao poder disposto a dali nunca mais sair - e do qual o candidato Haddad é herdeiro consagrado. A reação a essa ofensiva antidemocrática - materializada na Operação Lava Jato -, se deve ser louvada por ter exposto o assalto que estava sendo cometido aos cofres públicos, por outro lado demonstrou lamentável inclinação para a ribalta e o messianismo. Todos os políticos passaram a ser considerados igualmente corruptos até prova em contrário, instaurando-se um clima de caça às bruxas que só poderia resultar na emergência de políticos oportunistas que se apresentaram como “antissistema” - caso do candidato Bolsonaro. Pouco importavam suas propostas para o País - que, aliás, ninguém sabe quais são, pois elas não foram explicitadas, limitando-se a bravatas e slogans.

O outro lado tampouco ajudou. Ao contrário: Lula abastardou a campanha eleitoral ao usá-la escandalosamente em sua estratégia para tentar sair da cadeia, lançando como candidato um mero preposto, Fernando Haddad, e induzindo seus fanáticos seguidores a conflagrar ainda mais a Nação.

Quem realmente se importa com o País deve aceitar o dia de hoje, quando se encerra a eleição, como o ponto final desse enredo de horror.
(...)

Editorial Estadão, 28/10/2018, 03:00 hs

sábado, 27 de outubro de 2018

O luar enche a terra de miragens 
E as coisas têm hoje uma alma virgem, 
O vento acordou entre as folhagens 
Uma vida secreta e fugitiva, 
Feita de sombra e luz, terror e calma, 
Que é o perfeito acorde da minha alma.

Sophia de Mello Breyner Andresen

FAKE NEWS, URGENTE!


sexta-feira, 26 de outubro de 2018

A beleza salvará o mundo.


Fiódor Dostoiévski
PROCURA-SE UM COMUNISTA

Procura-se um comunista, no desespero do momento histórico. Sério. Procura-se um comunista para uma cerveja, um vinho, um rabo-de-galo, uma pinga, uma catuaba, o que vale é comoção do encontro. A legenda da foto do Instagram está pronta: um brinde ao lado do último comunista brasileiro. O problema é achar o personagem.

Procura-se esse comunista e esse comunismo que tanto assombra a família brasileira nas correntes de WhatsApp - sejam nos grupos amadores e espontâneos ou nas milícias virtuais do caixa 2 do Bolsonaro, conforme reportagem da “Folha”.

Não vale esse suposto, teórico e pseudo-comunismozinho do PT, partido nascido nos sindicatos e nas comunidades eclesiais de base da Igreja Católica, uma legenda carola por excelência, democrata-cristã demais da conta, papa-hóstia. Muito capitalista e burguês para o meu gosto.
(...)

Xico Sá, El País, 26/10/2018, 15:02 hs

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Adriana Calcanhotto - Fico Assim Sem Você (Video Clipe (Extras))

A ESTRATÉGIA

Esqueça a propaganda eleitoral tradicional na TV e no rádio. Deixe de lado também qualquer necessidade de discursos coerentes e sem contradições. Ao contrário, estimule seus aliados a levantar uma série de polêmicas apenas para que você possa em seguida desmenti-los e desempenhar o papel de apaziguador, paladino "da ordem". Na sequência, apresente mais desinformação. Repasse para dezenas de grupos fechados de Whatsapp, que espalharão para mais centenas, até que a verdade seja uma questão de ponto de vista sem nenhum lastro na realidade. Essa é a estratégia que, segundo o antropólogo Piero Leirner, professor da Universidade Federal de São Carlos e especialista em estratégia militar, foi colocada em marcha pela campanha do presidenciável Jair Bolsonaro e pode levá-lo ao Planalto nas eleições de domingo. Em entrevista por email ao EL PAÍS ele detalha os passos que fizeram com que o capitão da reserva deixasse seus adversários se perguntando o que os atingiu. 
(...)

Gil Alessi, El País, São Paulo, 25/10/2018, 17:26 hs

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Amar é dar razão a quem não tem.

Nelson Rodrigues

MICHAEL FLOHR


Hesita bastante. O inferno
é uma disciplina como qualquer outra.
Dias de vinho e rosas
pagos a peso de flagelo.
O arrebatado comércio dos sentidos?
Na cidade aberta a dementada luz.

 Eduardo Pitta

terça-feira, 23 de outubro de 2018

O AMOR E A MULTIPLICIDADE

(...)
Essa é uma intuição que ainda não desenvolvemos completamente. Seria possível articular uma série de terrenos que o tema do amor pode abrir no campo da ciência política: amor como livre expressão dos corpos, como inteligência somada ao afeto, como geração contra a corrupção. Mas há um peso cultural que dificulta o desenvolvimento de uma concepção política do amor. Precisamos livrar o conceito dos limites do casal romântico e despojá-lo de sentimentalismo. Precisamos de uma concepção inteiramente materialista do amor, ou de uma concepção verdadeiramente ontológica: o amor como poder da constituição da existência.

Sim, como vocês mesmos sugerem, o Cristianismo (bem como o Judaísmo e provavelmente também as outras religiões) realmente oferece uma concepção política do amor. Pensamos em nossa própria concepção de amor como uma concepção primordialmente espinosana, mas vocês sabem, é claro, o quão profundamente enraizado ele está nas tradições cristãs e judaicas. O amor, para Espinosa, está baseado num reconhecimento duplo: reconhecimento do outro como diferente e reconhecimento de que a relação com esse outro aumenta nosso próprio poder. Assim, para Espinosa, o amor é o aumento de nosso próprio poder acompanhado do reconhecimento de uma causa externa. Notem que isso não é uma noção de amor na qual toda a diferença se perde ao abraçar uma unidade que amarra seus movimentos – uma noção comum para a maior parte dos teólogos cristãos. Não. Esse é um amor baseado na multiplicidade. E isso é exatamente como concebemos a multidão: singularidade somada a cooperação, reconhecimento da diferença e do benefício de uma relação comum. É nesse sentido que dizemos que o projeto da multidão é um projeto do amor.

Michael Hardt e Antonio Negri, trecho de entrevista sobre  o livro "Império",  concedida a Nicholas Broww e Imre Szeman, 2006

domingo, 21 de outubro de 2018

Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe.

Nelson Rodrigues

CAIXA 2


visto a calça
não tenho pra onde ir
as calçadas úmidas de um dia todo
de chuva e o céu
de um cinza sangrento
lamentam meu olhar sem coragem
careço de um ímpeto mínimo
que me faça mover a maçaneta
e encarar
a luz do dia
expondo o meu sem destino
e minhas noites mal dormidas

Annita Costa Malufe
A imprensa brasileira sempre foi canalha. Eu acredito que se a imprensa brasileira fosse um pouco melhor poderia ter uma influência realmente maravilhosa sobre o País. Acho que uma das grandes culpadas das condições do País, mais do que as forças que o dominam politicamente, é nossa imprensa. Repito, apesar de toda a evolução, nossa imprensa é lamentavelmente ruim. E não quero falar da televisão, que já nasceu pusilânime
(...)

Millôr Fernandes

VICTOR BAUER


OFENSIVO À INTELIGÊNCIA

Essa definição de centro, esquerda e direita voltou agora depois de muito tempo. O muro de Berlim já caiu. Voltaram algumas expressões, como comunista e nazista, que são discussões absolutamente improdutivas. Essas expressões voltaram por oportunismo eleitoral. É óbvio que o Brasil não é um país comunista e nem tem tendências comunistas. Também não se tornará um país nazista. Esses assuntos são do começo do século 20. São uma imposição do pavor. Nem Fernando Haddad vai implantar o comunismo nem Bolsonaro, o nazismo. Afirmar isso é ofensivo à inteligência das pessoas.
(...)

Miro Teixeira, entrevista à Gabriel Hirabahasi, Época, 20/10/02018, 09:45 hs

sábado, 20 de outubro de 2018

Ser amigo de alguém é uma questão de percepção. Não é a partir de ideias em comum, mas de uma linguagem em comum. Há pessoas sobre as quais posso afirmar que não entendo nada do que dizem. E outras que falam de um assunto totalmente abstrato, que eu posso não concordar, mas compreendo. Tenho uma hipótese: cada um de nós está apto a entender um determinado tipo de charme. Ninguém consegue compreender todos ao mesmo tempo. Há uma percepção dele: um gesto, pensamento - mesmo antes que este seja significante, um pudor de alguém são fontes de charme que têm tanto a ver com a vida, que vão até as raízes vitais e imediatamente você acha que aquela pessoa é sua - não no sentido de propriedade, mas é sua e você espera ser dela. Neste momento nasce a amizade.
(...)

Gilles Deleuze

Marc Cary "Taiwa" - Live at The Breeding Ground

ABAIXO DA LINHA DA CINTURA

Fernando Haddad golpeou Jair Bolsonaro abaixo da linha da cintura ao discursar num ato partidário em Fortaleza. “Modéstia à parte, o Brasil precisa mais de um professor que de um miliciano”, declarou a certa altura. Ignorando as pesquisas que colocam o adversário cerca de 19 milhões de votos à sua frente, Haddad afirmou que ganhar a eleição de Bolsonaro terá “um gosto especial, (…) porque não é ganhar de um cara razoável. É ganhar de um trambiqueiro, é ganhar de uma cara destrambelhado.”
(...)

Do Blog do Josias de Souza, 20/10/2018, 04:51 hs

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

A biologia do segredo

Pensam que a semente feminina é imóvel
contida e imutável, - Ah como se enganam os generais!
Na cozinha e nos porões as fêmeas fremem,
alimentam-se de placenta, lambem a lava
- ainda fumegante e esquizofrênica, expelida
do áureo sincretismo, e lambem-se
nos pelos e nas peles, o recôndito das entrâncias
estâncias sobrenaturais do diáfano no corpo
- Ah o corpo!, o corpo modulado
por uma fina e estreita libélula
acaba de engolir uma nave espacial em chamas:
O óvulo não guia; astuciosamente desorienta
aqueles que o temem.


Lou Albergaria

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

A PARTIR DE 01/01/2019


ONDE VIVE A DIFERENÇA?

A diferença não é um objeto sólido, visível, palpável, identificável em alguém ou em algo à nossa frente.Ela não se presta à relações estabelecidas pelo senso comum, ou mais, ou pior ainda, pelo bom senso das razões intelectuais, mesmo as mais elevadas. Nada mais baixo que ela, Está ao nível da terra, nada mais sutil quase ela, quase imperceptível. Olhar de lince: a diferença. Ela se dá e se doa apenas a sensibilidades em estado selvagem, a animalidades circulando nos corpos da rua, na luz das veias inundadas por desejos sem órgãos, sem sistemas, sem métodos, sem deuses, sem respostas. A diferença é o bicho. Vive na espreita e da espreita das coisas sem nome. Surge quando menos se espera e não compactua com percepções grosseiras das formas do mundo adulto e acabado. Por isso e muito mais assusta os idólatras e os escravos das ordens mortuárias quando bem o dia está raiando num cheiro de acácias. A diferença, ela própria, não tem uma identidade, uma definição, nunca ninguém a fotografou. Não é uma imagem, ao contrário, ela é quem faz e tece imagens. Não tem rosto, pois é ela quem o fabrica. Ele se torna, então, alegria aos montes vivendo no equilíbrio precário das linhas da arte. Inventa algo, alguma coisa pequena, ínfima, pura criação no e do tempo, ou o próprio tempo em "estado puro", a diferença, uma criança.

A.M. 


P.S. - Texto revisado e republicado.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

O mundo é a casa errada do homem. Um simples resfriado que a gente tem, um golpe de ar, provam que o mundo é um péssimo anfitrião. O mundo não quer nada com o homem, daí as chuvas, o calor, as enchentes e toda sorte de problemas que o homem encontra para a sua acomodação, que aliás, nunca se verificou. O homem deveria ter nascido no Paraíso.
(...)

Nelson Rodrigues

PAVEL MITKOV


Como nascem as manhãs

O fundo dos olhos da noite 
guarda silêncios. 
Esconde na retina 
a menina que corre descalça em campo aberto. 
Pálpebras cerradas, a noite emudece. 
A menina com medo 
faz um furo no escuro com a ponta do dedo. 
Cai um pingo de luz. 

Amanhece.


Flora Figueiredo

CID GOMES BEBEU?

VEM AÍ  01/01/2019

O delegado da Polícia Federal Cleyber Lopes reuniu 13 diferentes tipos de provas no “inquérito dos portos”, que tem como principal alvo o presidente Michel Temer. A lista inclui: delações premiadas, depoimentos, informações bancárias, fiscais, telemáticas, extratos de telefones, laudos periciais, informações provenientes do Tribunal de Contas da União (TCU), fatos sobre propinas em espécie, propinas dissimuladas em doações eleitorais, pagamentos de despesas pessoais por interpostas pessoas, atuação de empresas de fachada e contratos fictícios de prestação de serviços.

A PF indiciou Temer, uma de suas filhas e outras nove pessoas, além de solicitar a prisão do coronel João Baptista Lima Filho, amigo do emedebista.

Murilo Ramos, Época, outubro/2018



terça-feira, 16 de outubro de 2018

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

A minha mensagem é simples: mais do que uma geração tecnicamente capaz, nós necessitamos de uma geração capaz de questionar, capaz de repensar o país e o mundo. Mais do que gente preparada para dar respostas, necessitamos de capacidade para fazer perguntas.
(...)

Mia Couto

domingo, 14 de outubro de 2018

SADE - Your Love Is King (Live 2011)

UMA BOA PESSOA

Na psiquiatria biológica a percepção que se tem do paciente é a de um objeto sólido, visível, mensurável, e em vias de ser encaixado num juízo de valor. Diz-se "diagnóstico". Ou pior: uma condenação. A psiquiatria biológica, por muitos chamada psiquiatria científica, avança sobre o seu paciente no intuito de adestrá-lo. Não há encontro. Trata-se de um ato encoberto pela racionalidade médica e pelo lugar de poder que ocupa o doutor. Tudo é política, tudo é força. A linguagem douta funciona em pressupostos implícitos (palavras-de-ordem inconscientes) onde ela institui o direito naturalizado de fazer o mal quando se acredita estar fazendo o bem. Afinal, o ser-médico (forma social identitária) estabelece condições de verticalizar ad nauseam a relação com o paciente, fazendo dela um campo de produção-consumo ao modo capitalístico dos valores de troca. Estamos em pleno regime de Mercado! Por isso o conceito de "pessoa", tão cristão, tão sublime, tão humanístico, se revela inútil para analisar formas de microfascismos no exercício da medicina. Tão boa pessoa, oh, por que o doutor trata o paciente desse modo? Por que ele o humilha como se isso fosse a coisa mais natural do mundo?

A.M.
Há dias em que em ti talvez não pense
a morte mata um pouco a memória dos vivos
é todavia claro e fotográfico o teu rosto
caído não na terra mas no fogo
e se houver dia em que não pense em ti
estarei contigo dentro do vazio

Gastão Cruz

LOUI JOVER


O DINHEIRO DE VOLTA

A força-tarefa de Curitiba atualizou na última sexta-feira (12) a soma dos pedidos de ressarcimento feitos em processos judiciais da Lava Jato. Incluindo-se as ações penais (R$ 39,97 bilhões) e as ações por improbidade administrativa (R$ 14,93 bilhões), reivindica-se a devolução de R$ 54,9 bilhões em verbas roubadas do Estado. Eloquente, a cifra corresponde a tudo o que o BNDES pretende investir em projetos de infra-estrutura até o final de 2019. Entretanto, a verba efetivamente devolvida aos cofres públicos em quatro anos e meio de Lava Jato soma, por ora, pouco mais de R$ 2,5 bilhões —ou 4,5% do total requisitado.
(...)

Do Blog do Josias de Souza, 14/10/2018, 0257 hs

sábado, 13 de outubro de 2018

Convém não facilitar com os bons, convém não provocar os puros. Há no ser humano, e ainda nos melhores, uma série de ferocidades adormecidas. O importante é não acordá-las.

Nelson Rodrigues

ORQUÍDEAS ETERNAS


DIGA A VERDADE, AINDA QUE TARDE

(...)

3.Quais devem ser as estratégias de Fernando Haddad (PT) para combater Bolsonaro no segundo turno?

Haddad precisa reconhecer que houve, sim, corrupção durante os governos do PT e se dispor a corrigir radicalmente esse erro. Deve deixar claras suas convicções democráticas, afirmar que não tem nada a ver com a Venezuela, embora os dirigentes de seu partido façam pronunciamentos desastrosos de apoio a Nicolás Maduro. Esse ponto é essencial, porque é muito explorado pela direita. Haddad precisa aparecer como candidato autônomo e independente, mesmo se apoiado por Lula. Se Lula tem muito prestígio, a rejeição ao nome dele também é muito grande. Haddad também precisa fazer um trabalho de neutralização do discurso e da política bolsonaristas. Desmitificar sua política de segurança — que na realidade é de bangue-bangue — e desmascarar suas calúnias contra a esquerda e suas invenções como “ideologia de gênero”. Deve mostrar também como a famosa base religiosa de Bolsonaro se fundamenta em organizações com fins lucrativos bem definidos — praticando um “comércio da religião” — e que ele, de cristão, tem muito pouco. É inútil pretender fazer tratados de paz com Bolsonaro. O importante não é uma campanha de paz, mas, sim, uma campanha que fale a verdade. Nem tudo está perdido. É preciso organizar a resistência.
(...)

Entrevista de Rui Fausto à Época,13/10/2018, 08:00 hs
Açucareiro

De amargo
basta
o amor

Agridoce,
ela disse

Mas a mim
pareceu
amargo



Ana Martins Marques

Baianidade Nago Banda Mel

QUE SÃO MICROFASCISMOS?

O fascismo, historicamente marcado pelo regime de Mussolini (Itália, 1883/1945), nos dias atuais mostra-se subjetivizado e subjetivizando o leque político direita/esquerda. Aqui não se trata de usar um viés psicológico de análise, ao contrário. É que suas formas de expressão prática englobam pessoas tanto ditas de direita quanto de esquerda. Desaba a distinção Direita/Esquerda como essência ou forma social estanque ou como referência totalizadora e totalitária do pensar político. Há muito adentramos no campo dos microfascismos, termo criado por Félix Guattari no século passado. E o que seriam eles? São modos de existência que buscam a todo custo homogeneizar a realidade, mesmo que para isso necessite barrar a diferença e substitui-la por representações do que é o Mundo. A partir daí, o Mundo é recusado como devir e no seu lugar instituída a Ordem, ou seja, a serialização e normatização do desejo. Viva a morte! é o lema (mesmo não explícito) dos fascismos e por extensão dos microfascismos. É possível exemplificar tal estado de coisas  na direita (o apego à Conserva - o conservadorismo, o horror à mudança) e na esquerda (o apego à transcendência da revolução, o fundamentalismo da pobreza). Há muito mais! Estes são tão só padrões extremos, já que há matizes sutis no meio, clichês (imagens) que servem para exibir a possibilidade de ereção dos microfascismos. Sim, eles nos habitam como pontos de latência... Sendo assim, é fácil para a dita esquerda qualificar o candidato opositor de "fascista". Não que ele não seja fascista, pelo menos sob o discurso de certas minorias, subjetivações libertárias, para dizer o mínimo. A questão não é essa. Por isso é bom não esquecer que as esquerdas tem os seus fascismos de estimação, históricos, interiores, microfascismos incrustados em práticas sectárias sob o disfarce das boas intenções à la Madre Tereza de Calcutá. Os microfascismos vivem no coração de toda a gente, incluindo e principalmente aqueles que se dizem do bem. Neste sentido, o binarismo político atual aniquila o exercício do pensamento como ato de criar. Pena.


A.M.


P.S. - Texto ampliado e republicado.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

GUERRA SANTA

Nesta sexta-feira (12), dia dedicado a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, a sucessão presidencial ganhou ares de guerra santa. Preocupado com a devoção de evangélicos pentecostais a Jair Bolsonaro, Fernando Haddad achegou-se aos católicos. Após participar de uma missa na periferia de São Paulo, Haddad relatou episódio que diz ter ocorrido na véspera, quando participou em Brasília de evento organizado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

''Um ativista do Bolsonaro começou a ofender a Igreja Católica”, afirmou Haddad. “Nós nos retiramos da CNBB, onde a entrevista ia ser concedida. E ele começou a ofender a igreja chamando de 'igreja comunista', de 'igreja gay', coisas completamente sem sentido…''

A resposta de Bolsonaro veio por meio das redes sociais: “O PT agora tenta jogar católicos e evangélicos uns contra os outros. Essa divisão ofende várias famílias que, assim como a minha, são formadas por diferentes vertentes. Não conseguirão! Estamos todos unidos contra a inversão de valores que impera há anos e que destrói nosso país!”
(...)

Do Blog do Josias de Souza,12/10/2018, 19:29 hs

MICHAEL FLOHR


Barreira

O poeta sempre escapa
pela reticência
quem quiser pegá-lo
ficará, no máximo
com o casaco

O poeta é o animal
que cruza todas as fronteiras
enquanto pessoas conservam
inúteis soldados
que pedem documentos


 Nei Duclós

Artie Shaw : Begin the Beguine

A BEM DA VERDADE

Ao contrário do que afirmou o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) em entrevista à rádio Jovem Pan em 9 de outubro, seu adversário na disputa eleitoral, Fernando Haddad (PT), não criou nenhum “kit gay”. O termo pejorativo é usado por críticos para se referir ao Escola Sem Homofobia. O material, composto por um caderno e peças impressas e audiovisuais, foi encomendado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados ao Ministério da Educação (MEC) e elaborado por um grupo de ONGs especializadas, em conformidade com as diretrizes de um programa do governo federal lançado anteriormente, em 2004. Quando houve a polêmica sobre o seu conteúdo, em 2011, Haddad estava no comando do MEC.

A cartilha tinha como principal objetivo promover “valores de respeito à paz e à não-discriminação por orientação sexual”. Não há no documento nenhuma orientação que justifique a alcunha “kit gay”. Diversos especialistas em educação já se manifestaram favoravelmente ao material e entidades da sociedade civil avaliam o conteúdo como adequado para as faixas etárias indicadas. Além disso, não é possível atribuir a Fernando Haddad responsabilidade sobre a autoria do material, porque o projeto surgiu do poder Legislativo e não foi desenvolvido diretamente pelo MEC, mas por ONGs contratadas pelo ministério. Quando a cartilha foi vetada pela presidente Dilma Rousseff (PT), os materiais do kit ainda estavam sob análise da pasta. Por isso, o Truco —projeto de checagem da Agência Pública— classifica a frase de Bolsonaro como falsa.
(...)

Patrícia Figueiredo, El País,12/10/2018, 12:29 hs

SE O BOLSONARO GANHAR, ONDE VOCÊ VAI PASSAR A VIRADA DE 2018 PARA 1964?


O DELÍRIO AJUDA A VIVER

Lembro de um paciente, há alguns anos, me falando que havia uma tesoura enfiada e oculta na sua cabeça. Junto à queixa-crença, ele trazia exames de imagem do cérebro, como RM, TC, US, todos normais. Perguntei-lhe porque ele insistia que a tesoura continuava alojada no cérebro, já que os exames estavam normais. Respondeu-me que os exames é que estavam errados, haviam, sim, falhado já que provavelmente a tesoura estava escondida num locus cerebral de difícil acesso. Apesar de eu saber das limitações clínicas dos neuroexames por imagem na pesquisa da mente, já que o cérebro não é a mente, neste caso o cérebro era o foco material da clínica e a discrepância entre a vivência-convicção do paciente com a imagem projetada sobre o écran era impressionante. Uma tesoura oculta dentro da cabeça não é qualquer coisa. Pois bem: percebi que os argumentos racionais, intelectuais, técnicos, até mesmo argumentos de autoridade ("acredite porque sou médico"), eram completamente inúteis. Eu estava diante de um caso grave de delírio, cuja etiologia (origem) nada tinha a ver com o funcionamento cerebral, já que esse estava absolutamente intacto. Ora, na doença psicossocial petista, em que pese todas as evidências do desmoronamento político-ideológico do petismo atual, a crença- delírio prossegue como mecanismo subjetivo de negação de uma realidade muito dura. E mais, duma realidade esvaziada de sentido conforme os rumos possíveis para uma chamada esquerda que queria e quer mudar o mundo. Desse modo, milhões de pessoas que acreditavam no sonho petista pós-ditadura de 1964 migraram para o delírio petista dos dias atuais. E sequer desconfiam que estão delirando, pois outros milhões lhe fazem companhia. E do mesmo modo que o paciente da tesoura encravada no cérebro, de nada adianta usar argumentos racionais para convencê-los. Trata-se de um investimento delirante de afetos tristes e mortificantes (melancolia) só elimináveis à medida em que a prova de realidade ( o devir da História) o mostrar.  Como o Tempo histórico de uma nação é defasado em relação ao Tempo histórico de uma pessoa, muitos carregarão até a morte o seu "precioso" delírio como algo importante e indispensável (ainda que um fardo) para ajudá-los a viver.

A.M.


P.S. - O texto enfoca o drama dos doentes petistas e não o dos criminosos petistas. Quanto a estes, a Lava-Jato já está tratando...


P.S. - Texto republicado
(...)
Além de engordar patrimônios individuais, o mensalão e o petrolão não foram senão atentados contra a democracia, mecanismos de compra de apoio congressual com verbas surrupiadas do Estado. Quem acompanhou o processo de julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral, no ano passado, pôde perceber no voto do ministro Herman Benjamin que o mandato de 2014 foi comprado com verbas sujas da Odebrecht. Ao enterrar as ações por 4 votos contra 3, o TSE apenas piorou o soneto.

Com um pano de fundo assim, tão enodoado, a formação de uma frente anti-Bolsonaro encabeçada por Haddad seria vista como uma tentativa de enxaguar a roupa suja do petismo. Salvar-se-ia não a democracia, mas o PT. O petismo parece não ter percebido o que está se passando. Bolsonaro só chegou à antessala do gabinete presidencial porque representa os interesses da maior força política existente hoje no Brasil: o antipetismo. Falta água e sabão à proposta de “frente democrática” do PT.
(...)

Do Blog do Josias de Souza,12/10/2018, 06:30 hs

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

ESCALADA DO ÓDIO

O ódio que se encrustou na disputa eleitoral fez ao menos uma morte algumas horas depois de que 147 milhões de brasileiros se dirigiram às urnas. O mestre de capoeira e ativista cultural Romoaldo Rosário da Costa, mais conhecido como Moa do Katendê, de 63 anos, foi assassinado com 12 facadas na madrugada da segunda-feira, em um bar de Salvador. O autor confesso do crime, Paulo Sérgio Ferreira de Santana, de 36 anos, disse à polícia que o assassinato teve motivação política. De acordo com a declaração que deu às autoridades, Santana, que votou e defendeu o candidato de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL), discutia com o dono do local, que votou em Fernando Haddad (PT), quando Moa uniu-se à conversa para também defender o petista. O assassino, então, foi à casa, pegou uma peixeira e voltou ao bar para atacar o capoeirista. A delegada Milena Calmon, responsável pelo caso, descreveu Santana ao EL PAÍS como um homem “intolerante e agressivo”.
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Béa Lima, Joana Oliveira, Felipe Betim, El País,São Paulo/Rio de Janeiro,10/10/2018, 00:43 hs

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Alma

Acho que os sentimentos têm células, 
pois as sinto remexer, 
intensas libélulas 
a se fundir e a se desprender. 

Alimentam-se de lágrimas e risos, 
sempre crescem. 
A cada instante que vivo, 
mais então se expandem, 
mais amadurecem. 

Seu núcleo me pede pulsações 
e quando me perco pelas emoções, 
ele se avoluma e me maltrata. 
Chega a ser tão grande seu efeito, 
que rompe o peito,sangra 
e se dilata. 

Ah minhas células emotivas! 
Quero-as em mim 
coladas e cativas 
fazendo-me viver intensamente. 
Eu as batizo com o nome de "alma" 
e as responsabilizo a viver eternamente 
ainda quando o coração se acalma 
e põe-se a dormir 
irreversivelmente.

Flora Figueiredo

EXCURSÃO PARA O INFERNO

A participação de Geraldo Alckmin na disputa presidencial de 2018 transformou-se numa excursão para o inferno. Na campanha, Alckmin assistiu ao avanço de Jair Bolsonaro sobre o eleitorado tucano de São Paulo, que o PSDB julgava cativo. Nas urnas, Alckmin amargou um vexatório quarto lugar, com menos de 5% dos votos. Nesta terça-feira, Alckmin comanda, na condição de presidente do PSDB, uma reunião da Executiva do seu partido. Na pauta, um drama hamletiano do tucanato: apoiar ou não apoiar Bolsonaro?, eis a questão.
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Do Blog do Josias de Souza,09/10/2018, 03:25 hs

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

O ENCONTRO

A política desce das alturas do pensamento representativo para, enfim, alcançar os corpos. Navega por veias exangues em busca de algo. Torna difícil expressar o desejo sem fim, senão o desejo ele próprio. Lá fora, cães selvagens entoam cânticos da primavera lúdica.Eles mostram que não há mais sendas (mesmo ocultas) para se seguir andando. O destino dos olhos luzidios e desconhecidos baixa nos corpos leves. Por toda parte a palavra de ordem ( linguagem douta) fura o osso da manhã por vir. E tudo se estilhaça em afetos indizíveis. Como então expressar o homem de bem que não seja o homem do mal?  Contradições são para rir, oh Castañeda! A política tam-tun...Ela move o coração da terra e segue a aventura de ser não sendo. Na beira da cloaca do homem mediano, a política encontra a poesia e camufla sua alma torturada. Canta. E dança.

A.M. 

PAVEL MITKOV


domingo, 7 de outubro de 2018

UMA SÓ VOZ PARA O SER

(...) Com efeito, o essencial na univocidade não é que o Ser se diga num único sentido. É que ele se diga num único sentido de todas as suas diferenças individuantes ou modalidades intrínsecas. O Ser é o mesmo para todas estas modalidades, mas estas modalidades não são as mesmas. Ele é "igual" para todas, mas elas mesmas não são iguais. Ele se diz num só sentido de todas, mas elas mesmas não têm o mesmo sentido. É da essência do ser unívoco reportar-se a diferenças individuantes, mas estas diferenças não têm a mesma essência e não variam a essência do ser  como o branco se reporta a intensidades diversas, mas permanece essencialmente o mesmo branco. Não há duas "vias", como se acreditou no poema de Parmênides, mas uma só "voz" do Ser, que se reporta a todos os seus modos, os mais diversos, os mais variados, os mais diferenciados. O Ser se diz num único sentido de tudo aquilo de que ele se diz, mas aquilo de que ele se diz difere: ele se diz da própria diferença.
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G. Deleuze in Diferença e Repetição 
NO FINAL, O ÓDIO

Dois sentimentos permeiam a campanha presidencial no Brasil de 2018 e poderão ser lembrados nos livros de história do futuro. A raiva e o medo forjaram a decisão de uma grande massa de eleitores que vai às urnas neste dia 7 e que, a priori, deve contar com um segundo turno se as pesquisas eleitorais estiverem certas. Se confirmadas, Jair Bolsonaro, do PSL, e Fernando Haddad, do PT, podem vir a zerar o cronômetro depois deste domingo e disputar os votos de 147 milhões de eleitores para ser o sucessor de Michel Temer no Palácio do Planalto. Bolsonaro vem com ampla vantagem, com 40% dos votos válidos, segundo a última pesquisa Datafolha. Se liquidar a fatura neste primeiro turno ou vencer o segundo, pode se tornar o primeiro presidente evangélico neopentecostal do Brasil.
Haddad, por sua vez, tem 25% dos votos válidos e se conseguir superar o candidato de extrema direita no segundo turno pode simbolizar uma doce vingança para o ex-presidente Lula, preso desde abril deste ano por corrupção e lavagem de dinheiro num julgamento que chamou a atenção do mundo. Até esta sexta, a chance de vitória em primeiro turno de Jair Bolsonaro era de 20%, de acordo com a consultoria Eurasia. Mas se passar para o segundo, a chance de ser o próximo presidente é de 70% de acordo com projeção da corretora Spinelli.
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Carla Jiménez, El País, São Paulo, 07/10/2018, 09:52 hs

A fúria da beleza

(...)
Acontece às vezes e não avisa. 
A coisa estarrece e abre-se um portal. 
É uma dobradura do real, uma dimensão dele, 
uma mágica à queima-roupa sem truque nenhum. 
Porque é real. 
Doeu a flor em mim tanto e com tanta força 
que eu dei de soluçar! 
O esplendor do que eu vi era pancada, 
era baque e era bonito demais! 

Penso, às vezes, que vivo para esse momento 
indefinível, sagrado, material, cósmico, 
quase molecular. 
Posto que é mistério, 
descrevê-lo exato perambula ermo 
dentro da palavra impronunciável. 
Sei que é desta flechada de luz 
que nasce o acontecimento poético. 

Poesia é quando a iluminação zureta, 
bela e furiosa desse espanto 
se transforma em palavra! 
A florzinha distraída 
existindo singela na rua paralelepípeda esta manhã, 
doeu profundo como se passasse do ponto. 
Como aquele ponto do gozo, 
como aquele ápice do prazer 
que a gente pensa que vai até morrer! 
Como aquele máximo indivisível, 
que, de tão bom, é bom de doer, 
aquele momento em que a gente pede pára 
querendo que e não podendo mais querer, 
porque mais do que aquilo 
não se agüenta mais, 
sabe como é? 

Violenta, às vezes, de tão bela, a beleza é! 


Elisa Lucinda

Angelo Badalamenti - Fire Walk With Me (Saxophone Version)

Ela foi embora, e eu fiquei bêbado por três dias e três noites. Assim que recuperei a sobriedade, soube que meu emprego já era. Nunca voltei lá. Decidi limpar o apartamento, aspirei o chão, escovei as esquadrias das janelas, esfreguei a banheira e a pia, encerei o chão da cozinha, matei todas as aranhas e baratas, esvaziei e lavei os cinzeiros, lavei os pratos, areei a pia da cozinha, estendi toalhas limpas e coloquei um novo rolo de papel higiênico no banheiro. Devia ser a veadagem chegando, pensei. Quando ela finalmente voltou para casa acusou-me de ter trazido uma mulher aqui, pois parecia tudo limpo demais. No íntimo, eu seguia me dizendo que todas as mulheres do mundo não eram putas, somente a minha.
(...)

Charles Bukowski
QUE SÃO MICROFASCISMOS?

O fascismo, historicamente marcado pelo regime de Mussolini (Itália, 1883/1945), nos dias atuais mostra-se subjetivizado e subjetivizando o leque político direita/esquerda. Aqui não se trata de usar um viés psicológico de análise, ao contrário. É que suas formas de expressão prática englobam pessoas tanto ditas de direita quanto de esquerda. Desaba a distinção Direita/Esquerda como essência ou forma social estanque ou como referência totalizadora e totalitária do pensar político. Há muito adentramos no campo dos microfascismos, termo criado por Félix Guattari no século passado. E o que seriam eles? São modos de existência que buscam a todo custo homogeneizar a realidade, mesmo que para isso necessite barrar a diferença e substitui-la por representações do que é o Mundo. A partir daí, o Mundo é recusado como devir e no seu lugar instituída a Ordem, ou seja, a serialização e normatização do desejo. Viva a morte! é o lema (mesmo não explícito) dos fascismos e por extensão dos microfascismos. É possível exemplificar tal estado de coisas  na direita (o apego à Conserva - o conservadorismo, o horror à mudança) e na esquerda (o apego à transcendência da revolução, o fundamentalismo da pobreza). Estes são padrões extremos, já que há matizes sutis no meio, clichês (imagens) que servem para exibir a possibilidade de ereção dos microfascismos. Sim, eles nos habitam como pontos de latência...

A.M.

sábado, 6 de outubro de 2018

O Anti-Édipo e outras reflexões – AULA de Gilles Deleuze [1980] (Legend...

A CORRUPÇÃO  INSTITUÍDA

Corrupção existe no Brasil desde 1.500 com a chegada de Pedro Álvares Cabral. Mas a corrupção sistêmica surgiu com a tomada do poder central pelo PT em 2002. Aquele mesmo partido da redemocratização pós-ditadura e do discurso pela ética. Isso , é evidente, atravessa de ponta a ponta o fenômeno Bolsonaro.

A.M.

LOUI JOVER


Verões

Rio, fevereiro: a umidade
e a chuva fundem
gente, água, terra, ar,
numa coisa só -
tudo, um mundo-esponja.

Entro (em mim):
sou de madeira inchada
estalo e empeno

e haverá outros verões.


Paula Glenadel
A subversão consiste em levar uma vida filosófica na qual as virtudes dominantes da nossa época mercantil (o dinheiro, o poder, a riqueza, a ostentação, as honras, a busca de celebridade, a futilidade, a mundanidade, a paixão pelas aparências…) sejam completamente ignoradas e substituídas sem alarde por valores reais: ser em contraste com o ter; o poder sobre si e não sobre os outros; a indiferença em relação ao dinheiro – quer o tenhamos ou não, nada se fará para o ter; a supremacia da vida interior contra o império do olhar do outro sobre si; a recusa das honras, de que se preferirá o sentido da honra; a indiferença relativamente à celebridade – tenha-se ou não, o importante é nada fazer para a ter; o desejo de se construir em profundidade longe da superficialidade mundana, ou seja, a escultura de si como ato para si e não como ficção para o outro.
(...)

Michel Onfray

sexta-feira, 5 de outubro de 2018


A BENÇÃO DE EDIR

Dias após receber o apoio do todo-poderoso bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, o candidato Jair Bolsonaro (PSL) foi agraciado pelo religioso com uma espécie de bênção: 30 minutos de palanque na TV nesta quinta-feira. Enquanto os outros candidatos à presidência se enfrentavam no debate da TV Globo, o último antes do primeiro turno das eleições, foi ao ar na Record, que também é de propriedade de Macedo, uma entrevista exclusiva com o capitão reformado do Exército. Sentado na sala de sua casa no Rio de Janeiro, onde termina de se recuperar do atentado que sofreu em setembro, Bolsonaro se sentiu à vontade. Não teve de lidar com questionamentos duros e viu sua imagem ser suavizada. Em ao menos dois momentos o presidenciável mentiu sem ser questionado - sobre os protestos #EleNão e sobre declarações machistas, racistas e homofóbicas feitas por ele.
(...)

Gil Alessi, El País, São Paulo, 05/10/2018, 11:05 hs
garimpo

esta procura tem um nome insanidade
passei da idade de tentar fazer sonetos
eu só consigo descrever cinzas e pretos
acho que o verso não alcança claridade

pelas gavetas prateleiras escondidos
ainda agarro pelo rabo alguns cometas
quero as estrelas não encontro suas tetas
sinto a fissura dos pequenos desvalidos

a minha escrita sempre foi penosa esgrima
desde menina que não tenho paradeiro
eu caço sapo com bodoque o dia inteiro
nesta esperança de catar melhores rimas

vasculho as glebas os grotões e quem diria

bateio o sol chego a pensar que a noite é dia


Líria Porto