Para nomear o mundo, a linguagem organiza-se ao modo dual. Produz identidades fixas. Paciente e terapeuta, aluno e professor, doente e são, homem e mulher, rico e pobre, etc. O dualismo facilita as coisas. Ao mesmo tempo, a linguagem é usada para a dominação e controle de corpos e mentes, empobrecendo os processos subjetivos.Se é possível pensar diferente (sem decalque do real), temos que sair desse dualismo naturalizado...No caso da Saúde Mental (a psiquiatria como paradigma), não é recomendável situá-la numa relação de oposição simples do tipo “ a psiquiatria não presta”, ou algo similar. A psiquiatria presta serviços, sim, e este é o problema. Ao mesmo tempo, a estrutura do poder psiquiátrico está dada, implícita, à espera apenas que se lhe cumpra ordens. Trata-se de uma máquina bem azeitada. Como resposta, seria possível uma recusa ao Instituído? Sim, desde que a Crítica evite adotar formas de oposição, o que leva o discurso à armadilha dos dualismos. Ou isso ou aquilo.
É que a diferença precede e ultrapassa modos de oposição, ou mais precisamente, o Negativo. Ela não tem modelo. Tomemos o paciente. Ele se constitui como afirmação subjetiva múltipla do que chamamos de singularidades. Não é o negativo do Instituido ( anormal versus normal) e sim uma expressão incodificável de viver. Tal expressão chega “antes” do sintoma e produz territórios do desejo. Então, trabalhar com a patologia mental é trabalhar com linhas desejantes agenciadas na realidade. A clássica divisão “conduta psicótica/conduta não psicótica” é substituída pela análise das linhas expressivas consistindo territórios existenciais = desejo. Isso não quer sugerir que se desconsidere os riscos inerentes a um estado psicótico. Ao contrário, os riscos serão avaliados no contexto específico onde se acha o paciente. A dimensão do grupo-referência (geralmente a família) assume importância fundamental na condução de cada caso. Os dualismos saem de cena. São questões práticas.Qual a “vantagem” de tal modo de pensar? Antes de tudo, em conceber o transtorno mental como agenciamento de forças, tanto na etiologia quanto na clínica psicopatológica. Em segundo lugar, retirar o paciente da esfera do “negativo” . Ele sai da segregação e invalidação da fala para um contexto de análise, escuta e produtividade. Por último, a conexão do patológico com o não-patológico, o que trará consequências importantes ao projeto terapêutico.
A.M.
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