No exame clínico-psicopatológico é possível que o delírio não seja notado. O paciente conversa "normalmente", articula bem a sintaxe, entende o que se diz e se faz entender, expressa um discurso congruente, organizado. No entanto, delira. Isto ocorre, grosso modo, nos casos de psicoses graves sem desorganização mental e sem perda da capacidade de autonomia social. É que, segundo o senso comum das sociedades (e seu fiel parceiro, o bom senso), o delírio tende a ser percebido quando incomoda. Quer dizer: quando o sujeito se torna agressivo em demasia, irracional, violento, estranho, improdutivo, fora dos códigos sociais, incapaz de resolver até mesmo pequenos problemas, aí sim, lhe chega a pecha de insano, talvez inválido. Este dado reforça a tese de que "todos podem delirar" desde que não desarrumem os fluxos afetivos dos códigos sociais. Dir-se-ia: não tragam a desordem e não inventem uma semiótica potente. Que fiquem no seu canto (pode ser o manicômio) ! Entretanto, é de notar que muitas instituições (o Estado e seus estadistas paranóicos...) deliram e fazem delirar no âmbito coletivo de um funcionamento subjetivo razoável. A calamidade da guerra atravessa a história humana e é aceita como fato natural. Não há delírio nos motivos que a legitimam. E o que dizer da religião, do direito e da escola? A escravidão até já foi legal. Numa avaliação psicopatológica o delírio pode estar encapsulado por crenças que compõem modos subjetivos de viver, mesmo que tal vida expresse a destruição in concert como no Brasil atual. Assim, o exame psiquiátrico do paciente-indivíduo é, ao mesmo tempo, um exame da sociedade em que ele se insere e ao mesmo tempo o produz como vassalo moderno. O delírio é social antes de ser individual.
A.M.
Ooooh!
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