terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Mundo pequeno

IV
Caçador, nos barrancos, de rãs entardecidas,
Sombra-Boa entardece. Caminha sobre estratos de
um mar extinto. Caminha sobre as conchas dos
caracoes da terra. Certa vez encontrou uma voz sem
boca. Era uma voz pequena e azul. Não tinha boca
mesmo. “Sonora voz de uma concha”, ele disse.
Sombra-Boa ainda ouve nestes lugares
conversamentos de gaivotas. E passam navios
caranguejeiros por ele, carregados de lodo.
Sombra-Boa tem hora que entra em pura
decomposição lírica: “Aromas de tomilhos
dementam cigarras”. Conversava em Guató, em
Português, e em Pássaro.
Me disse em língua-pássaro: “Anhumas premunem
mulheres grávidas, três dias antes do inturgescer”.
Sombra-Boa ainda fala de suas descobertas:
“Borboletas de franjas amarelas são fascinadas por
dejectos”. Foi sempre um ente abençoado a garças.
Nascera engrandecido de nadezas.


Manoel de Barros

Nenhum comentário:

Postar um comentário