sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

O PÊNALTI : TRISTEZA E JÚBILO

Este é um lance mortífero. Todos o desejam a favor do seu time, claro. Ou o temem. A qualquer hora do jogo, o pênalti acontece como uma dádiva ou um castigo. Dá até para se ouvir o grito escandido da torcida: “ É PÊÊÊÊ-NAL-TI ! ”, mesmo quando não foi e ao mesmo tempo foi. Pois bem, o pênalti, afinal, foi pênalti (pelo menos segundo a lei do juiz) e marcado em cima do lance. Por alguns minutos, o alarido da multidão constitui o preâmbulo sonoro do que está por vir, espécie de anti-clímax. Quem vai bater? Não o presidente do clube, como sugere Nelson Rodrigues, mas um “simples” jogador, o eu-responsável sobre o qual irão pesar todas as energias, positivas ou negativas (“vai fazer, vai perder”). Alguns preparativos rápidos: ninguém deve ficar na grande área, senão o batedor. Sob os três paus, o goleiro, quase sempre assustado. Na verdade, os dois protagonistas estão assustados. Creio que o goleiro carrega uma certa leveza de consciência. Se está em nítida desvantagem (a chance é muito maior de haver gol), em compensação o goleiro pode encarnar um "franco atirador", no sentido de que que está desobrigado de defender o chute. Se defender, será um herói. Se não conseguir, ora, seria muito difícil, tá desculpado. Desse modo, a torcida aceita melhor uma não-defesa do que um não-gol após efetuada a cobrança. Na cena do pênalti, há mil personagens. Entre elas: 1- o batedor; 2-o goleiro;  3-a torcida do time beneficiado; 4- a torcida do time penalizado; 5- o juiz e 6-outros : o amante do futebol pelo futebol, o gandula, o repórter ou o câmera atrás do gol, o torcedor ouvindo pelo rádio fora do estádio, vendo pela TV, etc. Não há como explorar tantos afetos. Fiquemos nos cinco primeiros. O batedor, claro, está como que atado às circunstâncias do jogo. Observemos que uma decisão por pênalties (critério de desempate) é completamente diferente de um pênalti no meio do jogo. Que seja esse último. O batedor encarna o suspense coletivo. Nos seus pés e mente, a ação inicial que tornará possível a resposta definitiva à pergunta: “foi gol?” Ele tem sete metros à frente e um obstáculo sombrio. Há muitas manhas nesse momento. A história do futebol é pródiga em descrevê-las. O que nos parece essencial (e óbvio) no batedor é a vontade de colocar a bola lá dentro.  Talvez enfiá-la junto com o goleiro, se o chute for tão forte que o empurre. Mas, o que acontece em geral é a bola ir no canto ou no cantinho. Na "gaveta" é mais difícil porque arriscado. Certos batedores dirão que mais vale o tiro forte. Há outras manhas sutis (como, por exemplo, observar o movimento prévio do goleiro: pra que lado vai cair? ou a clássica "paradinha" que exige boa dose de técnica). De qualquer modo, o batedor é um homem angustiado que quer resolver logo isso. Carrega mais pressa que o goleiro devido ao peso da responsabilidade. Tudo tem que ser rápido. Bater logo, fazer logo, comemorar logo! Quanto ao goleiro, está “abandonado” sob o seu arco, vulnerável e pronto a aceitar o que vem de lá, a bola e o chute. Pegar um pênalti é uma sensação indescritível, demonstração de força, potência. Há goleiros que ficam em transe, saem de si, batem forte no peito, sentem-se guerreiros, viajam pelas estrelas, agradecem aos deuses, a Deus, aos céus, a tudo que os transcende. Berram e correm como loucos. Compreensível: ele, que é um personagem maldito (não pode falhar em nenhum momento)  assume agora o poder do milagre. Este é um instante que jamais deverá ser esquecido, o da DEFESA, ainda que, por vezes, a bola possa apenas ter roçado em sua perna e ido pra fora. Que importa, se não entrou?Continuando, temos a personagem Torcida 1: ela deseja o pênalti convertido em gol, e entra num suspense atroz, só quebrado pelo apito do juiz e o desfecho do lance. A Torcida 1 explode num grito de gol ou num lamento gutural, expressando a enorme frustração do GOL QUE NÃO VEIO. A outra, a Torcida 2, a que não quer o pênalti convertido, explode de alegria pela perda do gol fácil, ou murcha de pronto devido ao gol do adversário. São imagens duplas em espelho, refletindo um binarismo torcedor. É uma organização “essencial” do espetáculo que estanca no momento do chute fatal. Por fim, temos o juiz, a  “última” personagem da Cena trágica. Ora, para ele, o pênalti só é complicado quando a marcação foi duvidosa (pareceu falta, mas não foi, dentro da área ou não, simulação, etc). O ato em si de ordenar a cobrança da falta máxima é simples e fácil para o árbitro. Quanto às outras personagens, encarnam afetos conhecidos, desconhecidos, bizarros e inomináveis, já que acolhem os efeitos do gol ou do quase-gol numa euforia ou num lamento insondáveis. É o futebol, É O FUTEBOL, meu caro, por tudo isso e muito mais, o mais belo esporte jamais inventado.

A.M.

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