O que é organização?
Uma organização social é um conjunto de pessoas (ou indivíduos) com objetivos comuns. Isso os une. A organização é um grupo ampliado. Entre seus objetivos práticos está contida a natureza do trabalho, não só remunerado. É na execução do trabalho que funcionam afetos.
Entre as organizações, há variadas estruturas jurídicas, bem como objetivos diversos. Consideramos nesse breve texto tão só o campo do serviço público em saúde.
Seja, pois, uma organização (ou serviço) em saúde mental. Os grupos que a constituem são por sua vez codificados em linhas institucionais (formas de relação social). Algumas delas seriam: divisão de trabalho, hierarquia, formação e função técnica, salário, servidor público, gênero, papel social, etc. A lista é extensa.
Desse modo, para além da organização visível, há níveis de funcionamento do serviço que não são captados a “olho nu”. É, então, possível considerar os grupos (subgrupos), as instituições e os afetos. Estes últimos são o combustível que faz andar (ou desandar ) a organização.
Eles são a produção.
Afetos remetem a pessoas. Entre elas, ou seja, na relação umas com as outras é onde se dá a prática diária do trabalho para obtenção dos objetivos propostos. Isso parece óbvio.
Entre pessoas é onde correm e escorrem fluxos de produção ou de antiprodução dos resultados.
Circulando sem parar, há, então, três correntes de afetos possíveis 1- atração; 2-repulsão; 3-indiferença. Elas se sustentam na função técnica. Você faz bem o seu serviço? As relações são técnicas e é nesse nível que alguém é atraído (gosto de trabalhar com você), sente repulsa (não gosto de trabalhar com você) ou é indiferente (para mim tanto faz).
É um quadro que apareceria explícito nas reuniões, conversas, discussões de casos e problemas do dia a dia do serviço.
Mas nem sempre. Há camuflagens.
É que a realidade das relações humanas é muito mais complexa. Dois elementos a fazem mutante, plástica e por vezes misteriosa. O primeiro diz respeito à mutualidade dos afetos. Uma atração pode não corresponder a outra atração e sim a um rechaço. Ou o inverso. Além disso, tal configuração pode mudar ( a atração pode se tornar indiferença ou um rechaço).
Há um processo do tempo institucional. Que não volta. Este é o dinamismo que nos leva ao segundo elemento da realidade, aquilo que está “escondido”, o invisível.
O conjunto das correntes afetivas que não se mostra, que não se explicita (por variados motivos) pode ser chamado de inconsciente institucional. Não no estilo freudiano como “a outra cena” mas como a cena real do cotidiano do serviço, onde e quando os afetos são a própria consistência do viver (um território) de se estar trabalhando com prazer, alegria, tristeza ou irritação, entre tantos afetos que “empurram” a produção.
Produção do trabalho como de si mesmo: a subjetividade.
A subjetividade do trabalhador é produzida pelo que ele trabalha, como e onde trabalha, com quem, por que, para que e para quem. Marx vive.
Voltando à realidade de um serviço público em saúde mental, a natureza do trabalho, ou seja, o que lhe dá valor e sentido é o cuidado ao paciente. As questões institucionais, subgrupais e afetivas, importantíssimas para esse cuidado, devem ser expostas e debatidas unicamente com esse fim, sob pena da equipe técnica se esfarelar como uma psicose coletiva de mau prognóstico: a pseudo-equipe.
Assim, só uma auto-avaliação e uma auto-criação permanentes encontram saídas para os impasses do serviço.
A.M.
é comum o serviço público precisar desorganizar para organizar? Desequilibrar para equilibrar, diria Piaget. Instabilizar, gerar caos para se auto-organizar, estabilizar, diria o paradigma da complexidade. Até a próxima adaptação... De fato, precisamos de auto-avaliação, de auto-criação, de impermanência, de abertura sistêmica. Mas às vezes o "caos" do sistema (me refiro aqui ao público, das diversas políticas) cansa, adoece, despotencializa.
ResponderExcluirLembrando o bigodudo alemão: "É preciso ter caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante"
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