terça-feira, 26 de abril de 2022

A fúria da beleza

Estupidamente bela 

a beleza dessa maria-sem-vergonha rosa 

soca meu peito esta manhã! 

Estupendamente funda, 

a beleza, quando é linda demais, 

dá uma imagem feita só de sensações, 

de modo que, apesar de não se ter consciência desse todo, 

naquele instante não nos falta nada. 

É um pá. Um tapa. Um gole. 

Um bote nos paralisa, organiza, 

dispersa, conecta e completa! 

Estonteantemente linda 

a beleza doeu profundo no peito essa manhã. 

Doeu tanto que eu dei de chorar, 

por causa e uma flor comum e misteriosa do caminho. 

Uma delicada flor ordinária, 

brotada da trivialidade do mato, 

nascida do varejo da natureza, 

me deu espanto! 

Me tirou a roupa, o rumo, o prumo 

e me pôs a mesa... 

é a porrada da beleza! 

Eu dei de chorar de uma alegria funda, 

quase tristeza. 


Acontece às vezes e não avisa. 

A coisa estarrece e abre-se um portal. 

É uma dobradura do real, uma dimensão dele, 

uma mágica à queima-roupa sem truque nenhum. 

Porque é real. 

Doeu a flor em mim tanto e com tanta força 

que eu dei de soluçar! 

O esplendor do que eu vi era pancada, 

era baque e era bonito demais! 


Penso, às vezes, que vivo para esse momento 

indefinível, sagrado, material, cósmico, 

quase molecular. 

Posto que é mistério, 

descrevê-lo exato perambula ermo 

dentro da palavra impronunciável. 

Sei que é desta flechada de luz 

que nasce o acontecimento poético. 


Poesia é quando a iluminação zureta, 

bela e furiosa desse espanto 

se transforma em palavra! 

A florzinha distraída 

existindo singela na rua paralelepípeda esta manhã, 

doeu profundo como se passasse do ponto. 

Como aquele ponto do gozo, 

como aquele ápice do prazer 

que a gente pensa que vai até morrer! 

Como aquele máximo indivisível, 

que, de tão bom, é bom de doer, 

aquele momento em que a gente pede pára 

querendo que e não podendo mais querer, 

porque mais do que aquilo 

não se agüenta mais, 

sabe como é? 


Violenta, às vezes, de tão bela, a beleza é! 


Elisa Lucinda,

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