Morrer de Amor
Morrer de amor
ao pé da tua boca
Desfalecer
à pele
do sorriso
Sufocar
de prazer
com o teu corpo
Trocar tudo por ti
se for preciso
Maria Teresa Horta
Este blog busca problematizar a Realidade mediante a expressão de linhas múltiplas e signos dispersos.
OUTRA POLÍTICA? ( 2 )
1-O sistema do capital, atualizado por máquinas técnico-científicas, estabeleceu um regime único de verdade: o indivíduo como entidade biológica versus o Estado e o Mercado.
2-Tudo passa, então, a girar em torno das condições de vida eternizadas pela ideia (poderosa) de progresso.
3- Uma outra política implicaria em ultrapassar a órbita do Estado-nação em favor de povos expressos em multiplicidades étnicas, culturais, políticas, indígenas, espirituais, cósmicas, etc.
4- O que seria a dimensão Coletiva na fabricação de novos modos de sentir, perceber e fazer a Realidade? Seria o fim do Império e de suas metástases nazi-fascistas.
5-Num projeto dessa ordem a Religião desapareceria em prol de experiências espirituais sem espírito. Só o corpo em potência.
6-Impossível?
A.M
CORPO
Pompas e pompas, pompas soberanas
Majestade serene da escultura
A chama da suprema formosura,
A opulência das púrpuras romanas.
As formas imortais, claras e ufanas,
Da graça grega, da beleza pura,
Resplendem na arcangélica brancura
Desse teu corpo de emoções profanas.
Cantam as infinitas nostalgias,
Os mistérios do Amor, melancolias,
Todo o perfume de eras apagadas...
E as águias da paixão, brancas, radiantes,
Voam, revoam, de asas palpitantes,
No esplendor do teu corpo arrebatadas!
Cruz e Sousa
O ATO DE CRIAÇÃO
(...)
Qual é o conteúdo da filosofia?
Muito simples: a filosofia é uma disciplina tão criativa, tão
inventiva quanto qualquer outra disciplina, e ela consiste em criar ou
inventar conceitos. E os conceitos não existem prontos e acabados numa
espécie de céu em que aguardariam que uma filosofia os apanhasse. Os
conceitos, é preciso fabricá-los. É claro que os conceitos não se fabricam
assim, num piscar de olhos. Não nos dizemos, um belo dia: “Ei, vou
inventar um conceito!”, assim como um pintor não se diz: “Ei, vou pintar
um quadro!”, ou um cineasta: “Ei, vou fazer um filme!”.
É preciso que haja uma necessidade, tanto em filosofia quanto nas
outras áreas, do contrário não há nada. Um criador não é um ser que
trabalha pelo prazer. Um criador só faz aquilo de que tem absoluta
necessidade. Essa necessidade — que é uma coisa bastante complexa, caso
ela exista — faz com que um filósofo (aqui pelo menos eu sei do que ele se
ocupa) se proponha a inventar, a criar conceitos, e não a ocupar-se em
refletir, mesmo sobre o cinema.
Eu digo que faço filosofia, ou seja, que tento inventar conceitos. E
vocês que fazem cinema, o que vocês fazem?
(...)
Gilles Deleuze, palestra em 17/03 1987, na Fundação Européia dea Imagem e do Som
OUTRA POLÍTICA?
1-O sistema do capital, atualizado pelas máquinas técnico-científicas, estabeleceu um regime único de verdade: o indivíduo como entidade biológica versus o Estado e o Mercado.
2-Tudo passa a girar em torno dessas condições de vida eternizadas pela ideia (poderosa) de progresso.
3- Uma outra política implicaria em ultrapassar a órbita do Estado-nação em favor de povos expressos em multiplicidades étnicas, culturais, políticas, espirituais, cósmicas, etc.
4- A dimensão do Coletivo na fabricação incessante de modos de sentir, perceber e fazer a Realidade: seria o fim do Império e das suas metástases nazi-fascistas.
5-Num projeto dessa ordem a Religião desapareceria em prol de experiências espirituais sem espírito. Só o corpo em potência.
6-Muito difícil.
A.M
MÁSCARA
Passa o tempo da face
E o prazer de mostrá-la.
Vem o tempo do só,
A rua do desgosto,
O trilho interminável
Numa estrada sem casas.
O final do espetáculo,
A sala abandonada,
O palco desmantelado.
Do que foi uma face
Resta apenas a máscara,
O retrato, a verônica,
O fantasma do espelho,
O espantalho barbeado,
A face deslavada,
Mais sulcada, mais suja,
De beijada, cuspida,
Amarrotada
Como um jornal velho.
Máscara desbotada
De carnavais passados.
Esta é a nossa cara
Escaveirada.
Até que a terra
Com sua garra
Nos rasgue a máscara
Dante Milano
AQUARELA
Da minha infância
retiro as fotografias da família
no luto diário,
os olhos invisíveis
condenando curiosidades,
o baú de preciosidades
(e traças devassas),
trancadas a cadeado,
os sonhos desenfreados,
a mística do susto,
os flagrantes,
evitados a custo,
e por fim retiro
-me do porão
com tudo o que continha minha imaginação
delirante.
Fica a vida.
Que nem parecia importante
Leila Míccolis
A Voz da Loucura
Através dos estudos de Foucault, observamos que ao falar da loucura, ela foi deixada de fora. Ela permanece calada enquanto falamos em seu nome. O Réu não pode se pronunciar. Fazemos apenas uma fofoca da loucura e silenciamos em sua presença.
No fim das contas, o que vimos é que a loucura foi capturada. Suas forças foram engolidas pela razão, seu modo de funcionamento foi tomado, conquistado por outro.
A loucura é Dionísio que faz Platão tremer. A loucura é o movimento que resiste à dialética que tudo arrasta. Com Pinel e a psiquiatria, a loucura se tornou uma verdade menor, que deve ser abolida através de métodos de cura.
Tudo isso nos faz pensar que a loucura é como um estágio precoce da civilização, uma rebeldia dentro da totalidade ordenada. Afinal, só se torna louco aquele que abriga um conflito interno. E a saúde será organizar estes impulsos.
Por isso Foucault considera a Loucura como “Ausência de Obra”. Ela é o outro lado da sociedade, seu lado errante! A força centrífuga que desordena a força social centrípeta. Ela é a força anômala (sem nomos), o movimento do esquizo (rompimento/divisão), a potência de diferenciação (quebra da identidade). A loucura mostra que tudo aquilo que a civilização quer construir é falso, tem pés de barro.
A loucura é a negação da dialética, do progresso, da acumulação, da continuação. Ela é o questionamento de uma razão teleológica. Sim, e é exatamente por isso que Foucault se interessa pela loucura, por suas descontinuidades, suas possibilidades de pensar diferente.
Para dizer com os poetas, a loucura é um grande “Eu preferiria não”, é a recusa da obra, é a im-produção, é o processo de desacumulação.
(...)
Rafael Trindade, do site Razão Inadequada, acessado em 23/11/2025
SOBRE O TEMPO
A questão da pesquisa do tempo é essencialmente filosófica. Deste modo o tempo é antes de tudo o que estabelece condições reais aos modos de existência (ou de subjetivação). É o tempo da duração (Bergson) e não o tempo espacializado, de onde a ciência retira critérios para uma vida regrada, normatizada, cronometrada. Ao contrário, se o tempo é criação ou não é nada, conforme H. Bergson disse, ele é puro afeto, intensidade, aquilo que não pode ser medido, exceto para a ordem social firmar seus valores, normas e limites. Num processo de terapia o modelo do tempo espacializado tende, sem que se note, a paralisar o desejo.
A.M.
toda mulher é uma paisagem
a curva do sol nascente terra
invade as distâncias
viaja na linha das feiticeiras
onde o arco-íris lambe cores
na primeira hora da manhã
e o lusco-fusco dos segredos
surge na penumbra da sala.
quem é essa mulher que decora
o universo das estrelas sem dono
e desce à margem dos tesouros
escondidos entre cometas azuis
e cordilheiras sem precipícios.
quem me perturba as retinas
o êxtase de esperas tão lentas
com o beijo roçando as coxas
cor de seca maciez de algodão.
quem não é pode ser não existe
nada além do sorriso criança
antes que a madrugada finde
com o gosto dos seus líquidos.
é esta paisagem do tempo
que me move.
A.M
2 - O QUE É ALMA?
O QUE É O QUE É?
Respondendo a Miguel:
1- O QUE É CAPITALISMO?
O capitalismo é um sistema econômico, político, social e cultural. Sua origem remete ao século XIV e XV na Europa, "evoluindo" a uma forma industrial em meados do século XIX e no século XX, o chamado capitalismo financeiro. Em tempos atuais, ao colonizar e habitar a Terra, configura um sistema integrado (global) de dominação e constroe a "sua" realidade, mundo do capital como realidade natural. Para isso, mais que "econômico", ele produz subjetividades (almas) convertidas, seduzidas ao seu modo de produção da vida e da existência. A divisão de classes, o horror econômico, a busca insana pelo lucro, a competição individual, o consumo desenfreado, a ética de destruição da natureza, a ética do "cada um por si", o financiamento científico-industrial das guerras, enfim, "tudo está demente no sistema". É, pois, difícil combater o capitalismo, já que ele nos constitui como habitantes do planeta, servos do seu poder e clientes dos seus valores, serviços e projetos. Mas, será possível uma saída? Sim, claro. A História continua e o Tempo é irreversível.
A.M.
TEMPO E VELOCIDADE
O Real tornou-se a realidade virtual. Trata-se de um processo social irreversível, assim como é o tempo. O encontro entre os corpos se faz em grande parte ( não há dados quantitativos) através a mediação da imagem. Isso se inscreve na experiência de si, mais sensível em crianças e adolescentes, mas também em adultos na recepção cerebral de estímulos ( fluxos) imagéticos. Eles vêm de todas as partes, anulando a separação interno/externo, subjetivo/objetivo, dentro/fora em prol de semiologias guiadas por equipamentos de poder. A Realidade virtual destituiu o corpo como potência inscrita no espaço-tempo dos encontros. Os fusos horários sucumbem â Hora da imagem descarnada e asséptica. Como no Admirável Mundo Novo (Huxley, 1932) todos parecem adorar esse circuito de velocidade e prazer.
A.M.
Sobre o Império de Édipo
Foi Deleuze quem disse que, tal como a revolução russa, é difícil saber quando a psicanálise começou a dar errado. Dito isso, cabe a pergunta: quando a revolução psicanalítica se tornou um estandarte para bandeiras reacionárias? Não queremos com este texto “provar” que Édipo não existe, ele está aí, é fato, é servido do café da manhã até o jantar. Através disso, produzimos neuróticos como em uma linha de montagem.
Por isso, o objetivo é muito mais o de fazer um escracho de Édipo, encontrar as linhas de fuga que racham a máquina edípica e explodem o familismo, ou ao menos que escorrem pelo meio da máquina de moer subjetividades chamada complexo de édipo. Desta forma, talvez seja possível limpar o inconsciente deste vírus que o contamina. Retirar esta pedra angular (considerado pelo próprio Freud) da teoria psicanalítica é talvez ver suas estruturas desmoronarem e, quem sabe, se rearranjarem.
Fluxos gotejam, passam através do triângulo, separam-lhe os vértices”
– Deleuze e Guattari, O anti-Édipo, p. 94
Do site "Razão Inadequada", acessado em 09/11/2025
O ASSINALADO
Tu és o louco da imortal loucura;
O louco da loucura mais suprema.
A terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema desventura.
Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma desventura extrema;
Faz que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.
Tu és o poeta, o grande assinalado;
Que povoas o mundo despovoado
De belezas eternas, pouco á pouco.
Na natureza prodigiosa e rica,
Toda a audácia dos nervos justifica,
Os teus espasmos imortais de louco.
Cruz e Sousa
O QUE É A MENTE? parte 2
1- Na clínica em psicopatologia (ou para além dela) é possível afirmar que o delírio vem do social. Atribuir ao cérebro a origem do delírio não só é um equívoco etiológico como também um pretexto para que a psiquiatria atual funcione como serva da máquina de poder disfarçada de ciência neurobiológica.
2- A linha (percurso) do delírio do social até a forma de expressão num discurso individual torna-se possível porque a mente é um sistema conceitual aberto; abarca múltiplas realidades, determinações que efetuam uma variação contínua e subjetiva (afetiva).
3-Desse modo, a pesquisa da mente é correlata à pesquisa do delírio; isso porque a questão da verdade está no centro da discussão; qual é a verdade? existe uma verdade única? a mente acredita em delírios?
4-Ora, a mente é o delírio do universo; exposta aos fluxos de signos de toda ordem ( sociais, pessoais, familiares, religiosos, éticos, políticos, históricos, espirituais, etc) a mente é ela própria delirante mesmo que não esteja a delirar; ou que não pareça delirar.
5-Observe: tudo pode estar nos trilhos (uma marcha militar impecável, operários numa linha reta de montagem, servos ajoelhados diante do um chefão impassivel, fiéis num grupo rezando etc) : a depender de uma visão de perspectiva, de uma análise de desejo, tudo isso poderá ser considerado delirante.
6-Eis pois a máquina social que nos dias atuais é a máquina do capital; ela codifica a experiência do universo em prol de um único sistema de valores econômicos e semióticos: o Deus-capital.
7-A linguagem é uma instituição muito antiga. Ela chega de fora e produz a mente; o cérebro não produz a linguagem: é o inverso; no entanto, ele é condição orgânica (biológica) para a expressão subjetiva: representa, replica, informa e comunica; mas não pensa.
8-O pensamento, composto de afetos recolhidos do universo, é um pathos ( sensibilidade), ato (veloz) de pensar, prática de corpo, fazedor de mundos, sentido de vida.
9-Só que é muito difícil pensar; normalmente se pensa que pensa; nada, nada, só uma pálida representação do real.
10- Isso porque a máquina do capital, aliada da ciência e da tecnologia (instituições de grande prestígio social), impede a mente de exercer a sua função de pensar: por isso a adoram.
A.M
CARGOS SECRETOS
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) inicia hoje o julgamento que pode levar à cassação do mandato e à inelegibilidade do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), por um esquema de criação de cargos secretos no estado, revelado por uma série de reportagens do UOL.
Castro é acusado de abuso de poder político e econômico. Há outros 12 réus na ação, incluindo o presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), Rodrigo Bacellar (União Brasil), e o então vice-governador Thiago Pampolha (MDB), que deixou o cargo em maio deste ano para assumir uma vaga de conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado).
(...)
Do UOl, acessado em 04/11/2025
Subjetividade nazi - fascista à brasileira
Pensar a formação histórico-patriarcal brasileira inscrita na Realidade é condição para compreender a subjetividade (ou subjetivação) atual.
Subjetivar o mundo objetivo e objetivar linhas subjetivas. Isso se equivale. É que não existe o indivíduo com um ser isolado, autônomo.
Existem processos (linhas) existenciais com expressão prática sócio-desejante. Mil afetos.
Vêm da Itália ( 1922) e da Alemanha (1933) processos existenciais de base política que eram chamados de fascismo e nazismo.
Apesar do fascismo e do nazismo terem sido derrotados na segunda guerra, os sentimentos que eles evocam sobrevivem.
Com máscaras.
Tais sentimentos se abrigam na chamada direita ou mais precisamente na extrema direita. Mas ninguém, óbvio, quer ser chamado de fascista e/ou nazista.
Eles habitam a Cloaca brasileira: católicos, evangélicos, liberais, empresários, conservadores e outros menos votados.
A.M.
LINGUAGEM INGÊNUA
A escrita rizomática ( Deleuze/Guattari ) é uma escrita sem centro, sem tema fixo, sem razão e sem explicações a dar. É uma escrita em processo. Não busca reconhecimento e/ou salvação. Significa dizer que vive no tempo do inacabado e se alimenta de intensidades móveis. Por fim, que é o meio, recolhe fluxos de signos da ética e da política.
Isso a faz viver.
A.M.
A carne é triste depois da felação
A carne é triste depois da felação
Depois do sessenta-e-nove a carne é triste.
É areia, o prazer? Não há mais nada
Após esse tremor? Só esperar
Outra convulsão, outro prazer
tão fundo na aparência mas tão raso
na eletricidade do minuto?
Já dilui o orgasmo na lembrança
E gosma
escorre lentamente de tua vida
Carlos Drummond de Andrade
O que é psiquiatria? (1)
A psiquiatria é uma especialidade médica surgida na França em fins do século XVIII. Ai se dá a passagem (conforme Pinel) dos asilos aos manicômios.
No entanto, sua origem mais longínqua remete à existência de asilos no século VII (cultura árabe) e no século XVI (ocupação árabe na Espanha). Desde então passam a ser chamados de hospícios e se espalham pela Europa.
Sendo assim, a origem da psiquiatria se confunde com a origem dos asilos, dos hospícios e dos manicômios. Tudo se prepara para encolher as mentes.
A lógica dos asilos é o DNA da psiquiatria.
Já o século XIX, chamado século dos manicômios, dá origem aos hospitais psiquiátricos conforme o modelo atual.
São conhecidas as agressões e os horrores perpretados contra pacientes nos manicômios desse século e ao longo do século XX. Foucault descreveu com detalhes as torturas científicas.
No Brasil, entre outros horrores, o hospital psiquiátrico de Barbacena (1903 a 1990) é um registro histórico como modelo da barbárie consentida.
No período do estalinismo na União Soviética (1927/1957) presos políticos (quantos?) foram internados em hospitais psiquiátricos.
No período da ditadura brasileira (1964/1979) presos políticos (quantos?) foram internados em hospitais psiquiátricos.
A psiquiatria tem uma história pouco edificante.
No Brasil, veio a reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial. Diferentemente, no campo da medicina nunca houve alguma reforma cardiológica, pneumológica, nefrológica, etc.
De fato, trata-se de uma especialidade que pede um método para além do biomédico.
A psiquiatria (psicopatologia) não dispõe de uma teoria dos afetos, apesar da extrema importância desse conceito para o trabalho clínico, ou seja, da gestação do vínculo com o paciente.
O paciente psiquiátrico muitas vezes não quer ser atendido pelo psiquiatra, sendo levado à força por familiares ou terceiros. Na clínica médica, não se tem notícia de tal recusa por vezes hostil e agressiva.
O objeto de pesquisa e intervenção clínica da psiquiatria é invisível, impalpável e abstrato. Chamado de “mente” , não há nada parecido em pesquisa médica. A mente não é o cérebro.
Nos hospitais psiquiátricos (ainda existem!) é muito comum pacientes fugirem. Por que fugiriam do tratamento? Em contraste, nos hospitais gerais (clínicos) isso não existe. Pelo menos, que se saiba.
A alta e a cura são dispositivos raros na psiquiatria clínica.
Sim, uma estranha especialidade essa.
A.M.
Não, meu amigo, a realidade
partiu a corda,
e de forma alguma agradece
ser a nossa espada cotidiana
o bife mal passado
sobre a bomba aux champignons.
Fatigada fatigada
tão fatigada de nós todos!
Mesmo tu, meu amor,
a roda do universo,
tu que eu fiz de plumas e silêncio,
tu minha noite cintilante,
a realidade fatigou-se de ti.
Isabel Meyrelles
FASCISMO : VIVA A MORTE
A frase "Viva la Muerte!" ("Viva a Morte!") é um lema fascista que simboliza a ideologia de violência e o culto à morte inerentes a esse movimento. Não deve ser confundida com o fascismo como um conceito ideológico, que possui características mais amplas, mas a frase representa a sua face mais destrutiva. O fascismo é uma ideologia totalitária, ultranacionalista e antidemocrática que prega a violência, a supressão de opositores e a valorização do Estado acima do indivíduo.
Significado e origem da frase
A frase "Viva la Muerte!" se tornou notória durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), adotada pela Legião Espanhola, uma força militar nacionalista e fascista.
Ela encapsula a crença fascista de que a morte em combate é a maior honra e o destino final para purificar a nação de supostos inimigos e fraquezas.
Essa mentalidade reflete a glorificação da guerra, do sacrifício e do heroísmo que define a cultura política fascista.
Características do fascismo
Totalitarismo e autoritarismo: O fascismo promove um Estado totalitário, onde o poder se concentra em um líder supremo e único, que controla todos os aspectos da vida pública e privada dos cidadãos.
Ultraconservadorismo e ultranacionalismo: O fascismo se opõe a ideias modernas, como o Iluminismo, e prega um ultranacionalismo que exalta a suposta superioridade da nação. Propaga a noção de que a nação, seus valores e sua história são superiores aos de outros povos.
Violência e agressividade: O fascismo usa a violência como ferramenta política para calar opositores, intimidar minorias e manter o controle da sociedade. O lema "Viva la Muerte!" é a representação máxima dessa agressividade.
Antiliberalismo, anticomunismo e antissocialismo: O fascismo se opõe fortemente a ideologias de esquerda, como o comunismo e o socialismo, e rejeita o liberalismo político e econômico, priorizando a intervenção estatal.
Segregacionismo e racismo: Muitos movimentos fascistas promovem o ódio e a perseguição de grupos minoritários, como judeus, etnias e minorias sexuais, visando a suposta pureza da nação.
O fascismo como ameaça à democracia e aos direitos humanos.
A ideologia fascista representa uma ameaça direta à liberdade, à democracia e aos direitos humanos. A história dos regimes fascistas do século XX, incluindo o nazismo, é marcada por genocídios, guerras e atrocidades que resultaram na morte de milhões de pessoas.
Ao exaltar a morte e a violência como virtudes, a ideologia fascista promove uma cultura de terror e exclusão, contrária aos princípios de respeito, diversidade e igualdade de uma sociedade democrática.
Visão geral criada pela IA
A religião convenceu as pessoas de que existe um homem invisível morando no céu, que vê tudo que você faz, todo dia, a todo instante. E esse homem-invisível criou uma lista de 10 coisas que ele não quer que você faça. Se você fizer uma dessas 10 coisas, ele tem um lugar especial cheio de fogo, fumaça, ardor, tortura e angústia para onde ele te envia para sofrer e se queimar e se sufocar e gritar e chorar para todo o sempre até o fim dos tempos... mas ele te ama! Ele te ama e precisa de dinheiro!
George Carlin
A SOLIDÃO DO ESCREVER
Quando escrever é descobrir o interminável, o escritor que entra nessa região não se supera na direção do universal. Não caminha para um mundo mais seguro, mais belo, mais justificado, onde tudo se ordenaria segundo a claridade de um dia justo. Não descobre a bela linguagem que fala honrosamente para todos. O que fala nele é uma decorrência do fato de que de uma maneira ou de outra, já não é ele mesmo, já não é ninguém. O "Ele" que toma o lugar do "Eu", eis a solidão que sobrevêm ao escritor por intermédio da obra.
(...)
M. Blanchot - in O espaço literário
" Qual a relação do pensamento com a terra?"
– Deleuze e Guattari, O que é a Filosofia?, p. 84
O conceito só pode ser criado em um plano de imanência, o plano de imanência só pode ser traçado por um personagem conceitual, o personagem conceitual habita um plano, se desloca sobre ele extraindo conceitos. Tudo está amarrado, conceitos, planos e personagens não existem um sem os outros. Este é o objetivo de Deleuze e Guattari, criar uma Geofilosofia!
Por que Geo-filo-sofia?
GEO – Plano de Imanência – o solo absoluto, onde todas as forças se somam e se cruzam, a terra como grande territorializante e desterritorializante, com seus movimentos sísmicos, onde planos se fazem, se desfazem, se sobrepõem. Não é à toa que os planetas (incluindo o planeta Terra) derivam da palavra planétes, que significa viajante, errantes (nômades?)
PHILIA – Personagem Conceitual – aquele que preza pelo conceito bem feito, que junta e desjunta componentes para formá-lo. O amigo, mas ao mesmo tempo o rival, aquele que coopera na criação, mas ao mesmo tempo efetua destruições! Legisla, cria e destrói valores. Conexões e desconexões, carrega consigo um martelo para quebrar ou pregar.
SOPHIA – Conceitos – A sabedoria propriamente dita, o resultado do plano de imanência bem traçado e dos personagens conceituais andando pelo plano. Os conceitos são componentes que se condensam, que se coagulam, que insistem. Basta um acontecimento para que eles possam ser utilizados ou precisem ser atualizados. Não se trata de uma Verdade nas alturas ou nas profundezas, conceitos são sabedoria que cria uma superfície, que se torna consistente, são velocidades infinitas tornadas sustentáveis.
Se o objetivo de Deleuze no livro “O que é a Filosofia?” era falar concretamente, então aí está! Não poderia ser mais claro! A filosofia é, para a dupla de autores franceses, uma Geo-Filosofia. Ela nos protege do caos de maneira muito mais efetiva que a opinião, a contemplação, a discussão, a reflexão. A geofilosofia é a afirmação da potência do meio!
(...)
Rafael Trindade, do site Razão inadequada, acessado em 27/10/2025
A anti-escuta - 2
Num certo contexto de análise, não se trata aqui da acuidade auditiva. Isso é assunto de técnicos especializados.
Trata-se de outra coisa: "escuta" como sensibilidade social.
Ou, pode-se dizer, de uma percepção do mundo que vaza das linhas endurecidas da chamada pessoa humana, invenção cristã.
A Escuta é a percepção sensível e sensitiva do Outro no campo de um coletivo planetário.
A chamada pessoa não existe se não como forma estável e necessária à conservação da vida. É sua expressão reativa.
Reativa às mil vulnerabilidades egóicas.
A Escuta é um agenciamento que atravessa o macrocosmos em direção ao microcosmos e vice-versa.
Iso significa dizer que a Escuta não é apenas se colocar no lugar do Outro, mas tornar-se o Outro numa tarefa inglória e arriscada.
Na civilização moderna, prenhe da pulsão de morte disfarçada de Vida, não parece haver lugar ou tempo para a Escuta, ao contrário.
Daí as doenças...
A. M.
MÉDICOS
CP: Mas a sua relação com médicos e medicamentos mudou a partir daí. Você teve que ir a médicos e tomar remédios regularmente, o que foi uma obrigação! Ainda mais você que não gosta muito de médicos.
GD: Não é uma questão pessoal, pois eu conheci muitos médicos encantadores. Mas é um tipo de poder ou a forma como eles manipulam este poder que me parecem detestáveis. Voltamos ao que já falei. É como se a metade das letras comportasse o todo. A maneira como manipulam o seu poder é detestável. Como médicos, eles são detestáveis. Tenho um profundo ódio, não pela pessoa dos médicos que, em geral, são encantadores, mas pelo poder médico e pela maneira como usam este poder. Mas uma coisa me deixou feliz e, ao mesmo tempo, é o que os chateia. Os médicos trabalham cada vez mais com aparelhos e testes, em geral muito desagradáveis para o paciente e que parecem não ter interesse algum, a não ser o de confirmar o diagnóstico. Mas se são médicos talentosos, estes já sabem o diagnóstico e estas provas cruéis só vêm reforçá-lo. Eles fazem uso destas provas de uma forma inadmissível. O que me deixou feliz foi que, sempre que eu tive de passar por um daqueles aparelhos, meu fôlego era fraco demais para ser registrado pela máquina. E quando tiveram de me fazer um… Não sei mais como se chama, mas é um exame do coração que não conseguiram fazer.
CP: Uma ecografia.
GD: Sim, é isso, e tive de passar por este aparelho aí. A minha alegria foi vê-los furiosos naquele momento. Acho que eles odeiam o pobre paciente neste momento. Eles aceitam errar o diagnóstico, mas não aceitam que alguém não possa ser visto pela máquina. Além do mais, eles são muito incultos. Eles são muito… Como diria? Quando eles se metem na cultura, é uma catástrofe. A classe médica é uma gente estranha. O que me consola é que ganham muito dinheiro, mas não têm tempo para gastá-lo ou aproveitá-lo, pois levam uma vida extremamente difícil. É verdade que os médicos não me atraem muito. É claro que isso independe da personalidade deles, mas quando exercem a sua função, tratam as pessoas como cães. Aí, há de fato uma luta de classes, pois se o paciente é rico, eles já são bem mais educados. Menos em cirurgia, que é um caso à parte. Mas os médicos precisariam de uma reforma, pois há de fato um problema.
(...)
Extraído de "O Abecedário" in Machine Deleuze, acessado em 25/10/2025
O EXTERMÍNIO DA ALMA
A alma não é o eu nem o cérebro. Este é objeto de neurocientistas, neuro-cirurgiões finos, técnicos, artesãos de sinapses e neurônios aflitos, e por fim, alvo e vítima de psiquiatras estultos. Mas a alma também não é a das religiões. Ela pertence à natureza; é sua expressão ampliada sem fim. Isso assusta as caixas individuais subjetivadas em linhas de montagem do circuito industrial. Daí as máquinas sociais da modernidade (visíveis ou não) fazem da alma uma coisa manipulável. Segundo Marx isso atingirá requintes de uma auto-micro-tortura como destino da humanidade. Uma Terra sem alma, globalizada, inteiramente livre para odiar.
A.M.
O amor é uma das doenças mais bravas e contagiosas. Qualquer um reconhece os doentes dessa doença. Fundas olheiras delatam que jamais dormimos, despertos noite após noite pelos abraços, ou pela ausência de abraços, e padecemos febres devastadoras e sentimos uma irresistível necessidade de dizer estupidezes.O amor pode ser provocado deixando cair um punhadinho de pó de me ame, como por descuido, no café ou na sopa ou na bebida. Pode ser provocado, mas não pode impedir. Não o impede nem a água benta, nem o pó de hóstia; tampouco o dente de alho, que nesse caso não serve para nada. O amor é surdo frente ao Verbo divino e ao esconjuro das bruxas. Não há decreto de governo que possa com ele, nem poção capaz de evitá-lo, embora as vivandeiras apregoem, nos mercados, infalíveis beberagens com garantia e tudo.
Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta.
Eduardo Galeano
PARADOXOS DA LINGUAGEM
O desejo é fluxo que se conecta com outro fluxo, com outros fluxos, e assim por diante, ao infinito. Ele é sempre agenciado (compõe-se de linhas múltiplas) mesmo que disso não se saiba. Quando é interrompido (impotência em desejar) dá-se uma cristalização, um endurecimento das suas linhas de funcionamento vital em prol do que chamamos de poder. O poder assassina. Ele é regido e mantido pelo universo da representação. Ou seja, funciona como identidade da consciência e do eu, o que, em termos do campo social, chama-se de Senso Comum e Bom Senso. Estas categorias são formas sociais (instituições) operando na perpetuação do par Eu-Consciência. No mundo ocidental cristão, os modos de subjetivação tendem a girar em torno desse a priori do pensamento. Basta analisar a geopolítica vigente e suas formações metastáticas. Ora, se, como diz Deleuze, o Senso Comum identifica e reconhece, enquanto o Bom Senso prevê, não haverá lugar para a criação, para o novo, para a invenção de outra política, exceto se trabalharmos com os paradoxos da linguagem. É aí onde a Poesia, a Literatura, a Arte, a Loucura se expressam e se afirmam como verdades móveis para uma nova terra.
A.M.
DIAGNÓSTICO: A QUEM SERVE?
O corpo não é o corpo. O corpo é a alma. Esta é a realidade evidente para um trabalho em saúde mental. O que interessa captar é a alma, ou seja, "a alma do corpo". Um corpo sem alma é um pseudo-corpo, organismo visível ao modo médico de capturar clientes. Para encontrar a alma, há que descolar o corpo do organismo. Ativar sensibilidades finas e anônimas. A alma funciona em dobras, linhas invisíveis e linguagens do silêncio. No universo da Escuta e do Encontro, quem trabalha com saúde mental trabalha com a alma do outro e de si mesmo. Faz do diagnóstico ( qualquer um ) motivo de riso para algemas inúteis.
A.M.
DIREITA DELÍRIO
A extrema direita no Brasil vem cursando com e através de linhas subjetivas delirantes. São afetos de destruição ocultos por fundamentalismos de toda ordem.
Não se sabe quando isso começa, mas é possível situar em 2018. Ou 2013? Não que não atuasse antes, mas 2018 é o ano em que as fake news são alavancadas por uma candidatura à presidência que se tornou vitoriosa.
Existe hoje apenas o fato histórico da produção internética de uma visão de mundo marcada por valores antigos e autoritários.
No fundo, uma recusa à democracia burguesa se tece na intentona de um golpe de estado.
Assim o delírio da extrema direita fabrica suas metástases. Entre elas uma erosão de sentido invade a ideia de democracia e normatiza a subjetividade individuada do cidadão de bem. Um eu fica à deriva e o vazio da política se instaura.
Surge a figura caricata do patriota delirante. E os lideres dessa corrente neo-nazi-fascista se aproveitam. Extraem mais-valia de prestigio e promessas para, no caso brasileiro, um voto secreto em 2026. A insanidade dos canais da internet é vista apenas como progresso tecnológico e expressão da liberdade .
O delírio à céu aberto.
A.M.
MULTIPLICIDADES
Escrevemos "O anti-édipo" a dois. Como cada um de nós era vários, já era muita gente. Utilizamos tudo o que nos aproximava, o mais próximo e o mais distante. Distribuímos hábeis pseudônimos para dissimular. Por que preservamos nossos nomes? Por hábito, exclusivamente por hábito. Para passarmos despercebidos. Para tornar imperceptível, não a nós mesmos, mas o que nos faz agir, experimentar ou pensar. E, finalmente, porque é agradável falar como todo mundo e dizer o sol nasce, quando todo mundo sabe que essa é apenas uma maneira de falar. Não chegar ao ponto em que não se diz mais EU, mas ao ponto em que já não tem qualquer importância dizer ou não dizer EU. Não somos mais nós mesmos. Cada um reconhecerá os seus. Fomos ajudados, aspirados, multiplicados.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil Platôs, vol. 1
NÃO SOMOS PESSOAS, MAS ACONTECIMENTOS
“…o segredo da individuação não é a pessoa, pois que a verdadeira individuação é aquela dos acontecimentos. É uma ideia estranha. Vocês me dirão: o que é que se justifica? Demos um salto. Sim, para onde você vai? Isso diz alguma coisa para você? O que é que isso te diz? O que é que os autores ingleses querem dizer? Eles querem dizer que mesmo as pessoas (eles fazem a derivação inversa) são individuadas à maneira de acontecimentos. Simplesmente isso não se vê. Temos tantos maus hábitos, nos tomamos por pessoas, mas não somos pessoas. Somos, à nossa maneira, pequenos acontecimentos. E se somos individuados é à maneira de acontecimentos e não à maneira de pessoas. É curioso. Diríamos: bom, então seria necessário devir acontecimento-pessoa. Não, mas eu faço apelo à ressonância que as coisas…E depois do que vocês disserem a definição de acontecimento vai mudar singularmente. O que é uma batalha? O que é um acontecimento? Um acontecimento. Ah, sim, a morte é o que? É um acontecimento? Qual é a relação do acontecimento com a pessoa? Uma ferida é um acontecimento? Sim, se eu sou ferido, uma ferida é um acontecimento. É a expressão de alguma coisa que me acontece ou me aconteceu. Bom, como é individuada uma ferida? Ela é individuada porque ela acontece em uma pessoa? Ou então eu chamaria de pessoa aquele a quem a ferida acontece? Complicado…vocês talvez se lembrem, aqueles que estavam aqui, passei bastante tempo colocando a seguinte questão: o que é a individuação de uma hora do dia? O que é a individuação de uma estação? O que é esse modo de individuação que, para mim, não passa de maneira nenhuma pelas pessoas? O que é a individuação de um vento? Quando os geógrafos falam do vento…eles justamente dão nomes próprios ao vento. Nosso problema dá outro salto. Vocês compreendem?…”
Gilles Deleuze, trecho de aula de 3 de junho de 1980, Universidade de Vincennes
Necropsiquiatria - esboço de conceito: parte 4
Se a psiquiatria atual não dispõe de uma teoria dos afetos, o dado clinico essencial é o de que o paciente não é escutado.
Trata-se de um truísmo (verdade óbvia).
No entanto, para além do monólogo psiquiátrico, linhas da diferença afetiva se somam e se expressam numa semiologia. Isso escapa à grade sintomática estabelecida pela Necro. Está fora da cena, não se enquadra, não se ajusta, não tem nome.
Assim, o objetivo maior do tratamento "mental" (a escuta do paciente) é torcido e/ou negado.O modelo da morte ( depressões crônicas, melancolias, catatonias, psicoses graves, etc) substitui tal objetivo. A psiquiatria esconde isso já que ela é o próprio modelo.
A.M.
Obs.: texto revisado
TER UMA IDÉIA
CP: Não, em I. Estamos em I de idéia. Não é mais a idéia platônica que acabamos de evocar. Mais do que fazer um inventário de teorias, você sempre foi um apaixonado pelas idéias dos filósofos, pelas idéias dos pensadores no cinema, ou seja, pelos diretores e pelas idéias dos artistas na pintura. Você sempre deu preferência à idéia, em vez de explicações e comentários. A sua e a dos outros. Por que, para você, a idéia preside tudo?
GD: É verdade. A idéia no sentido em que a usamos, pois não se trata mais de Platão, atravessa todas as atividades criadoras. Criar é ter uma idéia. É muito difícil ter uma idéia. Há pessoas extremamente interessantes que passaram a vida inteira sem ter uma idéia. Pode-se ter uma idéia em qualquer área. Não sei onde não se deve ter idéias. Mas é raro ter uma idéia. Não acontece todos os dias. Um pintor tem tantas idéias quanto um filósofo, mas não se trata do mesmo tipo de idéias. Pensando nas diferentes atividades humanas, seria bom saber sob que forma se apresenta uma idéia em determinados casos? Em Filosofia, acabamos de ver isso. A idéia, em Filosofia, se apresenta na forma de conceitos. Há uma criação de conceitos, e não uma descoberta. Conceitos não se descobrem, são criados. Há tanta criação em uma filosofia quanto em um quadro ou uma obra musical. Os outros têm idéias… Fico impressionado com os diretores de cinema. Há muitos diretores que nunca tiveram uma idéia. As idéias são uma obsessão, elas vão e voltam, se afastam, tomam formas diversas e, através destas formas variadas, elas são reconhecíveis. Para dar um exemplo muito simples, penso em um diretor como Vincent Minnelli. A obra dele não cobre tudo, mas peguei este exemplo por ser mais fácil. Parece-me que ele é uma pessoa que se pergunta o que quer dizer: “As pessoas sonham”. Dizer que as pessoas sonham é uma banalidade. As pessoas sonham, sim, mas Minnelli faz uma pergunta muito estranha que lhe é muito particular: “O que quer dizer estar preso num sonho de alguém?” Passa pela comédia, tragédia, pelo abominável, etc. O que quer dizer estar preso no sonho de uma menina? Podem aparecer coisas terríveis por sermos prisioneiro do sonho de alguém. Pode ser um horror. Às vezes, Minnelli nos traz um sonho: “O que é estar preso no pesadelo da guerra?” E o resultado foi o admirável Os cavaleiros do Apocalipse. E ele não vê a guerra como guerra, do contrário, não seria Minnelli, e, sim, como um grande pesadelo. O que quer dizer “estar preso num pesadelo”? Estar preso no sonho de uma menina resulta nos famosos musicais em que Fred Astaire ou Gene Kelly, não sei ao certo, escapa das tigresas e panteras negras. Isso é estar no sonho de alguém. É uma coisa gigantesca. Eu diria que isso é uma idéia. No entanto, não é um conceito. Se Minnelli trabalhasse com conceitos, ele faria Filosofia e não cinema. Eu diria que é preciso distinguir três dimensões, três coisas tão poderosas que se misturam o tempo todo. E este é o meu trabalho futuro. É isso que eu gostaria de fazer e tentar entender melhor isso. Há os conceitos, que são a invenção da Filosofia, e há o que podemos chamar de “perceptos”. Os perceptos fazem parte do mundo da arte. O que são os perceptos? O artista é uma pessoa que cria perceptos. Por que usar esta palavra estranha em vez de percepção?
(...)
O Abecedário, Gilles Deleuze, transcrição completa in Machine Deleuze, site acessado em 27/09/2025