DELEUZE E O DESEJO
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Nós somos máquinas desejantes que criam fluxos, promovem cortes, novos processos, novas (des)organizações. O desejo é responsável por fabricar novos arranjos: “desejar é construir um agenciamento, construir um conjunto” (Deleuze, Abecedário). O corpo é uma formação molecular aberta. Desestruturação molecular que se desfaz para tomar novas formas num plano imanente: isto é o desejo! Ele se forma na multiplicidade do real que, nunca pleno, se rearranja. Movimento em um campo aberto, não o fechamento num objeto estático.
Querer uma coisa, desejar alguém, procurar algo não é ser puxado ou atraído por um objeto exterior com a promessa de satisfação estática; é ser empurrado por dentro, é mover-se no real. Mas para onde? Por que caminhos? Não há como saber! Definir o desejo é matá-lo, uma palavra e o desejo seria estancado, ele não quer ser interpretado, quer ser experimentado! Um vulcão em erupção é desejo, uma flecha cortando o ar também, não pelo alvo, mas pelo zunido que faz quando passa.
Por isso todo desejo é revolucionário, porque investe no real, o rearranja, desestrutura. Desejo é movimento: “faz passar estranho fluxos que não se deixam armazenar numa ordem estabelecida” (Deleuze & Guattari, Anti-Édipo). O desejo é a força motriz da revolução. O campo do desejo é revolucionário porque produz a diferença em si mesma, sem mediações! Por isso o desejo é disputado, porque pertence à infra-estrutura, “constrói máquinas que, inserindo-se no campo social, são capazes de fazer saltar algo, de deslocar o tecido social” (Deleuze& Guattari, Mil-Platôs), e se não pensarmos nele a batalha está perdida antes mesmo de começarmos!
Este é o problema de Deleuze com a psicanálise: o desejo é revolucionário! Nós somos máquinas desejantes, mas a psicanálise reduz o desejo a um teatro grego, tenta entendê-lo chamando de Édipo, tenta domá-lo pela castração. Ela o interpreta, o compartimentaliza e por fim, o mata. Vivemos sob o signo do império de Édipo! E precisamos pensar urgentemente os usos escusos da psicanálise como máquina social de normalização do desejo.
Para a psicanálise, pode-se dizer que há sempre desejos demais. Para nós, ao contrário, nunca há desejos o bastante.” (Deleuze, cinco proposições sobre a psicanálise)
Deleuze mergulha na filosofia para mostrar que o desejo foi sempre malvisto e mal entendido! A falta não é real, é produzida, é fabricada! Socialmente, psiquicamente, filosoficamente! Ela não é constitutiva do desejo, por mais que sintamos viver sob o signo da falta. A falta é fruto de mecanismos certos de captura, de poder e de dominação!
Querem nos fazer crer que o desejo é sinônimo de falta. Nos dizem que o desejo é impossível! Mas esta é uma concepção pobre e impotente! Ou seja, Deleuze e Guattari estão elaborando uma outra concepção de desejo, fazendo-o um força subversiva e revolucionária! Como em maio de 68, eles querem que o desejo (e as ideias) voltem a ser perigosas!
Rafael Trindade, do Blog Razão inadequada, 08/02/2013