FUGIR É ENLOUQUECER
Uma fuga é uma espécie de delírio. Delirar é exatamente sair dos
eixos (como "pirar" etc). Há algo de demoníaco, ou de demônico, em uma
linha de fuga. Os demônios distinguem-se dos deuses, porque os deuses
têm atributos, propriedades e funções fixas, territórios e códigos: eles têm a
ver com os eixos, com os limites e com cadastros. É próprio do demônio
saltar os intervalos, e de um intervalo a outro. "Que demônio deu o maior
salto?", pergunta Édipo. Sempre há traição em uma linha de fuga. Não
trapacear à maneira de um homem da ordem que prepara seu futuro, mas
trair à maneira de um homem simples, que já não tem passado nem futuro.
Trai-se as potências fixas que querem nos reter, as potências estabelecidas
da terra. O movimento da traição foi definido pelo duplo desvio: o
homem desvia seu rosto de Deus, que não deixa de desviar seu rosto do
homem.
(...)
Gilles Deleuze e Claire Parnet in Diálogos
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