sábado, 29 de julho de 2017

SEM PIMENTA

Toda vez que alguém me fala em apimentar a relação, tenho vontade de rir e dizer: esqueça! Meu conselho é que a pessoa vá à feira, compre um bom pedaço de badejo, mande fatiar cuidadosamente e faça uma moqueca rica de dendê, leite de coco e pimenta. Esse é o melhor tempero que se pode pôr na relação de qualquer casal, já que tudo fica mais gostoso depois de uma moqueca.

Na vida real, não há artifício capaz de erotizar relações que se esvaziaram de desejo. Você pode ver um vídeo pornô junto com ele (é divertido) ou ele pode surpreendê-la usando pílulas de virilidade (que funcionam muito bem). Mas, se as pessoas não acharem dentro de si o tesão pelo parceiro ou pela parceira, nem a fantasia pornô e nem a química farmacêutica adiantarão. Em dois dias – ou em uma semana – tudo estará de volta ao ponto de partida.

A vontade que a gente tem de transar com o outro nasce e se alimenta dos sentimentos. Ela vem da nossa subjetividade. Não é ditada quimicamente pelos hormônios e nem induzida por estímulos externos. Algo na outra pessoa ativa alguma coisa em nós, que nos puxa em direção a ela. Um comprimido que aumenta a potência pode ampliar o efeito desse desejo e as fantasias eróticas podem intensificá-lo, mas é necessário que o desejo esteja lá, originalmente, ou as coisas não acontecerão.

As pessoas que vendem soluções eróticas para casais cansados se esquecem desse detalhe. Fingem que uma viagem romântica, uma nova lingerie ou uma plástica custosa podem reacender por conta própria o desejo que desapareceu. Infelizmente não é assim – e, ao mesmo tempo, é bom que não seja. A falta de desejo nos obriga a olhar para o que há de importante num relacionamento (a conexão emocional e física entre os parceiros) e não para a prateleira do sex shop. Soluções de consumo apontam na direção errada.
(...)

Ivan Martins, Época,27/07/2017, 16:11 hs

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