Este blog busca problematizar a Realidade mediante a expressão de linhas múltiplas e signos dispersos.
quinta-feira, 30 de novembro de 2017
quarta-feira, 29 de novembro de 2017
O PSDB E A PSICOPATOLOGIA
Todos sabem que o muro é o habitat natural dos tucanos. Mas a incapacidade crônica do PSDB de tomar decisões evoluiu para uma esquizofrenia. O partido ensaia seu desembarque do governo há quase seis meses, desde a explosão do grampo do Jaburu. Mas foi ficando. De repente, o tucanato foi saído da administração Temer: “O PSDB não está mais na base de sustentação do governo”, disse aos jornalistas o chefe da Casa civil de Temer, Eliseu Padilha.
Num artigo publicado no início do mês, Fernando Henrique Cardoso, o farol do PSDB, havia iluminado o drama do partido: “Ou o PSDB desembarca do governo e reafirma que continuará votando pelas reformas, ou sua confusão com o peemedebismo dominante o tornará coadjuvante na briga sucessória”, escreveu FHC. Ele não se deu conta. Mas a posição subalterna do seu partido já estava consolidada.
Uma das características da esquizofrenia é a dissociação entre o pensamento e a ação. O fenômeno provoca no doente uma perda de contato com a realidade e uma desagregação da personalidade. Aécio Neves, símbolo da degradação tucana, disse que o PSDB sairia do governo pela porta da frente. Era alucinação. O PSDB não saiu. Tornou-se o primeiro partido da história a ter alta de um governo.
Do Blog do Josias de Souza,29/11/2017, 20:20 hs
Me beijou, ainda sorrindo e com o lenço encostado no nariz. Na hora de fechar o bar, fomos para onde eu morava. Tinha um pouco de cerveja na geladeira e ficamos lá sentados, conversando. E só então percebi que estava diante de uma criatura cheia de delicadeza e carinho. Que se traia sem se dar conta. Ao mesmo tempo que se encolhia numa mistura de insensatez e incoerência. Uma verdadeira preciosidade. Uma jóia, linda e espiritual. Talvez algum homem, uma coisa qualquer, um dia a destruísse para sempre. Fiquei torcendo para que não fosse eu.
(...)
Charles Bukowski
O FUTEBOL, SEMPRE
O futebol é trágico. Trágico porque alegre, imprevisível, inexplicável, não se dobra ao modelo quantitativo do seu "acontecer", está além e aquém dos comentários rasteiros de apresentadores pífios, caçadores de audiências imbecilizantes, funciona na ambiguidade do futuro (quem vai vencer?), contém uma estética que precede toda racionalidade orgulhosa de si, trabalha com 90 minutos irreversíveis, joga com a sorte, idolatra o acaso, investe no puro talento, contempla e considera a competência técnica, flerta e se embriaga de arte, é arte, é arte, pura arte, completamente enlouquecedor para torcedores amantes da bola na trave, do verde-gramado, do contra-ataque mortífero, desdenha dos teóricos de carteirinha do jornalismo chifrin, sobrevive aos desmandos e corrupções dos poderes vigentes, surpreende nos minutos de acréscimo aos mais angustiados ou esperançosos torcedores, enfim, por isso e muito mais, o futebol é uma heresia santa, um dilúvio envolvente e enxuto, delírio de multidões, catarse sem igual, orgasmo público ou apenas um gol sem preço no mercado (não existe gol feio), milhares deles, mesmo que não aconteçam, ainda que sonhados, o futebol é o esporte para além do esporte, uma metafísica encarnada na magia do drible, o gol de cabeça...um amor de criança.
A.M.
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Fernando Pessoa
NÃO É PIADA
Da maneira como vão as coisas, muito deveria mudar na dinâmica das eleições presidenciais para que o ex-paraquedista e ultraconservador Jair Bolsonaro não consiga chegar ao segundo turno. De acordo com quem for seu adversário, e se Lula não puder concorrer, podem acontecer surpresas. Hoje a esquerda sozinha não tem força para freá-lo, e a direita do Governo esta desacreditada ante a sociedade, enquanto as candidaturas de fora da política vão perdendo força.
Mais do que puro folclore, a candidatura de Bolsonaro aparece como catalisadora de frustrações de uma certa sociedade com medo da violência. Existe confiança excessiva no lema “não é possível que um Bolsonaro chegue ao poder no Brasil”. Isso foi dito sobre Trump nos Estados Unidos e antes com Berlusconi na Itália, que chegou ao poder na esteira da operação Mani Pulite contra a corrupção. E na França, caso não surgisse a novidade Macron, é possível que os seguidores ultradireitistas de Le Pen estivessem hoje governando no coração da Europa.
(...)
Juan Arias,28/11/2017, 19:32 hs
BUSCAR A DIFERENÇA - 1
A diferença é um conceito filosófico discutido em profundidade em duas grandes obras do pensador Gilles Deleuze. Trata-se de Diferença e Repetição (1968) e Lógica do Sentido (1969). Tal densidade conceitual pode (e deve) ser usada por não-filósofos para o exercício de uma atitude ética essencialmente prática. Quer dizer: o mundo não é uma substância mas torna-se problemático (oco) por sua própria natureza e não por uma instância que lhe seria superior (a alma, por exemplo). Assim, tudo é imanência, tudo está na terra. O corpo da terra se faz na arte dos encontros pessoais e impessoais. Aí reside a diferença como linha curva, incerta, perigosa e delicadamente potente. Não exige nem possui explicações. Para experimentá-la basta seguir o fluxo do devir (o conteúdo do desejo) em suas infinitas possibilidades de conexão com outros devires. É com a criança-em-nós e com o tempo não-cronológico que a diferença estabelece seu traço irreversível. Mas não é fácil. Sem que se perceba, as instituições administram o Medo no interior de nós mesmos, naturalizando o conformismo.
A.M.
O MAIS CRUEL DOS MESES
O poeta T.S. Eliot inicia seu longo poema, a obra-prima “A terra desolada”, com o conhecidíssimo verso “Abril é o mais cruel dos meses”. Para mim, o mais cruel dos meses é dezembro – e por isso o mais detestável. Em dezembro as pessoas rendem-se ao consumismo desenfreado e, obedientes às luzinhas chinesas e aos obesos papai-noéis, inundam as ruas como se estivessem entorpecidas. Torna-se, então, obrigatório ser feliz – como se a felicidade dependesse única e exclusivamente do nosso poder de compra.
Essa volátil sensação de euforia que nos arrebata nesta época do ano serve apenas para nos alienar momentaneamente da realidade. É como as cercas elétricas, os muros altos, as câmeras de segurança e os sistemas de alarme que prometem proteção contra a violência do mundo “lá de fora”, quando, na verdade, não existe o mundo “lá de fora” – estamos imersos na mesma experiência de vida e cada ato que cometemos ou deixamos de cometer modifica de maneira substancial e definitiva tudo e todos que nos rodeiam.
O costume de oferecer presentes de Natal, assim como ocorre hoje em dia, é uma tradição recente, e faz parte do calendário de datas que alavancam a economia – como o Dia das Mães, o Dia dos Namorados, o Black Friday. Aquilo que poderia ser uma manifestação legítima e simpática de lembrança do outro, transformou-se num exercício narcísico: damos presentes na exata medida da nossa expectativa de receber ou então damos presentes como forma de nos impor socialmente. E, hipnotizados pela falsa sensação de bem-estar proporcionada pelo consumo, não medimos as consequências das nossas ações.
Segundo dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, em outubro 61,8% das famílias brasileiras estavam inadimplentes – sendo que 10,1% delas declararam não ter condições de pagar os débitos. Dívidas com atraso de um ano atingem um terço das famílias e 24% do total das famílias endividadas gastam metade da renda para quitar contas e dívidas em atraso. O prazo de endividamento médio, ou seja, o tempo que as famílias levam para saldar suas dívidas, é de 63,8 dias.
Neste Natal, cerca de 13 milhões de pessoas estarão desempregadas – 63,7% do total são pardos ou pretos, segundo definição do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). De acordo com o Banco Mundial, 45,5 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza. No entanto, todos, empregados e subempregados, serão, em dezembro, bombardeados com a mesma mensagem: compre, senão você não será feliz. Ou, em outras palavras: felicidade se compra em até doze vezes, sem juros, no cartão de crédito.
O dia 25 de dezembro, antes de ser a data oficial do nascimento de Jesus Cristo, é, aproximadamente, o solstício de inverno, o dia mais curto do ano no Hemisfério Norte. Nesta data, comemorava-se em Roma o Natalis Solis Invicti (“nascimento do Sol Invicto”), festa pagã em homenagem ao deus persa Mitra, um dos mais populares do império. Quando, em 312, o imperador Constantino, que adorava o Sol Invicto, se converteu, pouco a pouco os pregadores cristãos foram assentando as bases da nova religião do Estado sobre as ruínas pagãs. A sobreposição da data do nascimento de Cristo às comemoração do Sol Invicto serviu para a Igreja apropriar-se de algo já fortemente arraigado no imaginário popular.
Hoje, quase ninguém mais lembra que o Natal é uma celebração religiosa. O que menos importa neste dia é recordar o nascimento de Jesus Cristo, mesmo que simulado. Como por uma irônica vingança, a data voltou a ser uma comemoração pagã – troca de presentes, em meio a muita comida e bebida. Ao Natal sucede o réveillon, as férias de verão e finalmente o Carnaval, outra data originalmente religiosa tornada pagã. E quando entrar março, endividados, estaremos às vésperas da eleição presidencial. Implacável, a realidade arrombará a nossa porta...
Luiz Ruffato, El País, 29/11/2017, 10:39 hs
terça-feira, 28 de novembro de 2017
PLANOS
Continuarei a fugir do verão
porque amolece meus ossos
e as farpas de sua luz me cegam.
Em março vou cruzar os braços.
Contornarei as alamedas do outono
com a possível dignidade.
Com um pouco de sorte
passarei o inverno em teu peito.
Na densidade da lã.
Pele rosada, lareira, Mozart, samovar,
Lágrima, sorriso tímido, sopa de cebola.
A primavera é tola.
Não tenho planos para ela.
Eudoro Augusto
segunda-feira, 27 de novembro de 2017
TRANSTORNO DO PÂNICO
O pânico é um afeto negativo. Desorganiza as estruturas do eu, produz uma vivência de morte iminente, instala a dissolução dos códigos institucionais e induz o sujeito a um pré-aniquilamento do sentido. Segundo a CID-10 podemos diagnosticá-lo como transtorno do pânico. Eu sofro do transtorno do pânico, eu sinto pânico nas veias, eu sou o próprio pânico, me identifico com ele quando contemplo fotos de políticos em Brasília atuando no Congresso Nacional, militantes do PT reverenciando a volta do messias Lula, bolsonaristas pedindo agressivamente a volta dos militares, pastores em igrejas de luxo imbecilizando multidões aflitas, psiquiatras neurobiológicos intoxicando corpos e mentes com doses cavalares de psicofármacos, telespectadores consumindo o noticiário dia e noite de impossíveis verdades coloridas, paranoicos à solta buscando o abate de movimentos de vida ao estilo do "atire em tudo que se mexer", professores universitários arrotando o conhecimento como algo que ultrapassa o viver e o mundo real, mulheres apregoando o feminismo e sendo mais fascistas que os defensores do machismo, velhos comunistas ainda crentes na Revolução e pregadores de um messianismo entediante, médicos com visão tosca da alma humana e locupletados em esquemas que ganham dinheiro com a dor e o sofrimento não causados por organismos físico-químicos, mas por males sociais, seguidores fanáticos de religiões encharcadas de moral, intolerância, turbinas da fé e assassinos da diferença. Eu sinto pânico, sim, quando um imenso vazio político se assenhora do nosso país e nos faz aproximar velozmente das soluções ilusórias e fomentadoras de outras ilusões e outras e mais outras. Sinto pânico de ser brasileiro e de não ser mais que um brasileiro só.
A.M.
OS CRUS E OS PODRES
No Brasil, o eleitor costuma espantar-se pouquíssimo. Se a conjuntura servir uma sopa de ratazanas, a maioria não fará a concessão de uma surpresa. São ratazanas? Pois que venham. E com pimenta. De repente, na antessala de 2018, as pesquisas eleitorais empurram o brasileiro para um ponto de fastio com a política, forçando-o a concentrar-se nos dois extremos do espectro culinário: os crus e os podres.
Aos pouquinhos, vão-se os crus —os genuínos, como Sergio Moro e Luciano Huck, saltam da gôndola. Os disfarçados, como João Doria, são abandonados na prateleira. Os dissimulados, como Jair Bolsonaro, se oferecem para ser consumidos in natura. Mas basta abrir a boca para revelar a presença de elementos tóxicos.
Logo, logo, só restarão os podres. Condenado, Lula, tornou-se repugnante para o paladar comum, e, portanto, só é digerido pelos 35% que ainda engolem o PT. Michel Temer, moído por um par de denúncias criminais, passou a fazer pose de Tartare, a carne picada que os franceses servem crua. Mas a podridão no governo já atingiu aquele estágio em que a comida come a si mesma. Quem está perto já foi devorado, como Aécio Neves. Ou está na fila, como Henrique Meirelles,
Geraldo Alckmin, com aparência de leite estragado, se finge de queijo fino ou de iogurte de chuchu. O diabo é que seu prazo de validade só poderá ser conferido quando o Superior Tribunal de Justiça levantar o sigilo do processo que recebeu do Supremo Tribunal Federal. Algo que precisa ser feito o quanto antes. De preferência ontem.
Do Blog do Josias de Souza,27/11/2017, 04:42 hs
sexta-feira, 24 de novembro de 2017
O TERROR ETERNO
Terroristas atacaram, nesta sexta-feira, dia consagrado à oração no Islã, uma mesquita lotada de fiéis em Bir al Abed, a oeste da cidade de El Arish, epicentro do ramo egípcio do Estado Islâmico no norte do Sinai. A imprensa do Cairo informa que pelo menos 235 pessoas morreram e outras 120 ficaram feridas no atentado contra o templo muçulmano de Al Rawda, segundo fontes do setor de segurança e do Ministério da Saúde do Egito. Trata-se de uma das ações terroristas mais sangrentas já registradas no país.
Testemunhas do ataque citadas pela edição digital do jornal Al Ahram afirmam que os terroristas explodiram uma bomba na mesquita, da vertente moderada sufi, enquanto vários homens armados abriram fogo indiscriminadamente contra os fiéis que fugiam após a explosão. Em meio a uma grande mobilização de forças de segurança, as equipes de emergência levaram os sobreviventes em ambulâncias a hospitais da região.
(...)
Juan Carlos Sanz, El País,Cairo,24/11/2017, 16:02 hs
O PENÚLTIMO POEMA
Também sei fazer conjecturas.
Há em cada coisa aquilo que ela é que a anima.
Na planta está por fora e é uma ninfa pequena.
No animal é um ser interior longínquo.
No homem é a alma que vive com ele e é já ele.
Nos deuses tem o mesmo tamanho
E o mesmo espaço que o corpo
E é a mesma coisa que o corpo.
Por isso se diz que os deuses nunca morrem.
Por isso os deuses não têm corpo e alma
Mas só corpo e são perfeitos.
O corpo é que lhes é alma
E têm a consciência na própria carne divina.
Alberto Caieiro
quinta-feira, 23 de novembro de 2017
AFETOS NA PRODUÇÃO
Em saúde mental, é possível inserir os afetos na produção e a produção nos afetos. A ideia, de inspiração deleuze-guattariana, configura o que chamamos de clínica da diferença em psiquiatria. Na prática, que no fim das contas é o que interessa e o que vale, pelo menos para o paciente, a clínica da diferença segue mil linhas ( a se inventar) passíveis de se resumir em cinco: 1- O Encontro precede o Exame conforme a pergunta: que afetos do técnico em saúde mental movem a ação de atender (escutar) alguém? 2- A Vivência do paciente precede o Sintoma que ele traz. Significa pesquisar crenças e afetos como territórios do sentido (acreditar e sentir). 3- Os modos de ser, viver, perceber, pensar, sentir (subjetivações, singularidades) no lugar do diagnóstico canônico: traçar uma linha de fuga ao modelo biomédico. 4- O diagnóstico sindrômico (processos semióticos em sistemas abertos) no lugar da pecha maligna: transtorno mental endurecido como essência e destino. O reino da CID- 10. 5- A autonomia social, existencial, promovida, estimulada em lugar da dependência abjeta aos psicofármacos, aos manicômios explícitos e aos manicômios implícitos disfarçados de caps e/ou ambulatórios.
A.M.
Nunca me senti só. Durante um tempo fiquei numa casa, deprimido, com vontade de me suicidar, mas nunca pensei que uma pessoa podia entrar na casa e me curar. Nem várias pessoas. A solidão não é coisa que me incomoda porque sempre tive esse terrível desejo de estar só. Sinto solidão quando estou numa festa ou num estádio cheio de gente. Cito uma frase de Ibsen: "Os homens mais fortes são os mais solitários". Viu como pensa a maioria: "Pessoal, é noite de sexta, o que vamos fazer? Ficar aqui sentados?". Eu respondo sim porque não tem nada lá fora. É estupidez. Gente estúpida misturada com gente estúpida. Que se estupidifiquem eles, entre eles. Nunca tive a ansiedade de cair na noite. Me escondia nos bares porque não queria me ocultar em fábricas. Nunca me senti só. Gosto de estar comigo mesmo. Sou a melhor forma de entretenimento que posso encontrar.
(...)
Charles Bukowski
BANHO DE SOL
RIO — Não vai faltar assunto: exatamente às 8h desta quinta-feira, quando as grades das nove celas forem abertas para o banho de sol, o mais poderoso grupo que controlou a política fluminense por duas últimas décadas estará no apertado corredor da Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica.
Até as 18h, quando os presos são recolhidos de volta às celas, a conversa vai ser longa. Estarão lado a lado os ex-governadores Sérgio Cabral e Anthony Garotinho inimigos políticos declarados; o presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Jorge Picciani; e os deputados Edson Albertassi e Paulo Melo. Também está preso em Benfica o ex-secretário de Saúde Sérgio Cortes, figura muito lembrada nos últimos anos por Garotinho nas suas denúncias em redes sociais.
(...)
Antonio Werneck, Globo.com, 23/11/2017, 06:21 hs
quarta-feira, 22 de novembro de 2017
Apartheid brasileiro
Frequento alguns bons restaurantes, principalmente na região dos Jardins, em São Paulo. Não me lembro de ter visto, em todos estes anos, sequer um negro como cliente. Como garçom sim, muitos. Talvez se vasculhar minha memória encontre um ou dois. Mas o fato se repete todas as noites. As mesas são ocupadas por brancos. Senti o mesmo quando fui à Africa do Sul, há alguns anos. Passei por comunidades negras, onde as casas eram contêineres de lata. No sol escaldante. Hospedei-me em um hotel seis estrelas, um dos melhores do mundo. No café da manhã, nenhum negro entre os hóspedes. Os garçons, negros. O Apartheid acabou? Sei. Aqui, sempre fomos hipócritas. Em minha novela O outro lado do paraíso, a personagem Nádia (Eliane Giardini) expulsa a empregada Raquel (Erika Januza) por namorar seu filho. Não admite que ele se case com uma negra. Quando escrevi as cenas, houve quem dissesse que eram fortes demais. Que até o movimento negro rejeitaria. Insisti. Foram ao ar exatamente dois dias depois do escândalo que aniquilou o apresentador William Waack. Exatamente por dizer, sem notar que era gravado, palavras semelhantes às de Nádia. Foi uma coincidência, as cenas foram gravadas meses antes. Mas a ficção espelha a sociedade. Sinceramente. Jamais esperaria que alguém como o apresentador, de tanta respeitabilidade, expressasse o preconceito tão fortemente. A Rede Globo foi ágil. Simplesmente o retirou do telejornal.
(...)
Walcyr Carrasco, Época, 21/11/2017, 11:00 hs
Entre os gritos de dor física e os cantos do sofrimento metafísico, como traçar seu estreito caminho estoico, que consiste em ser digno do que acontece, em extrair alguma coisa alegre e apaixonante no que acontece, um clarão, um encontro, um acontecimento, uma velocidade, um devir?"
(...)
Gilles Deleuze
Solução melhor é não enlouquecer mais do que já enlouquecemos, não tanto por virtude, mas por cálculo. Controlar essa loucura razoável: se formos razoavelmente loucos não precisaremos desses sanatórios porque é sabido que os saudáveis não entendem muito de loucura. O jeito é se virar em casa mesmo, sem testemunhas estranhas. Sem despesas.
(...)
Lygia Fagundes Telles
HISTERIA, HOJE
A histeria, patologia que "deu origem" à psicanálise no final do século XIX, se expressa hoje, mais que nunca, numa espécie de cipoal da clínica psicopatológica. Suas formas de expressão mudaram. Não se pode,pois, dizer que ainda exista uma entidade chamada histeria, ao modo de Freud. O que, então, existe? Uma profusão de linhas-sintomas disseminadas pelo corpo, constituindo-o: são as clássicas "somatizações conversivas" e/ou as "dissociações da consciência". Na prática, os quadros psiquiátricos ditos graves (psicoses de variados matizes, transtornos do humor - mania ou depressão, transtornos da personalidade, etc) costumam substituir a hipótese diagnóstica de uma histeria, e preencher o vazio nosológico. Suscitam o emprego de mais e mais remédios químicos, mais e mais controle social, mais e mais preconceito moral, até que os pacientes deixem de incomodar a ordem da razão e as instituições que lhe são correlatas, bem como sejam “aliviados” dos sintomas incapacitantes para a vida autônoma. Fora da especialidade psiquiátrica, a histeria se expressa em fibromialgias, enxaquecas, algias múltiplas, parestesias, vastas extensões de pele, músculos e ossos em organismos codificados por universos virtuais. A autoflagelação pode, então, ser vista como a busca de certezas “de que estou vivo”. Na esteira de tais sintomas, não é de admirar que a ideação suicida “evolua” ao ato suicida. A experiência de sete anos de Caps nos mostra isso. Em suma, enquanto forma de ações-no-mundo ( organismo) e fluxo de imagens (consciência), a histeria pode “simular” rigorosamente qualquer transtorno mental, desconcertando a avaliação psiquiátrica, ainda mais em tempos de declínio da pesquisa psicopatológica. A psiquiatria acadêmica, (neurobiológica e canônica) costuma substituir sua monumental ignorância dos processos subjetivos de singularização existencial por condutas de imbecilização dos pacientes.
A.M.
P.S. - Texto republicado
MORTE E RESSURREIÇÃO
No Rio de Janeiro, como em Brasília, quando alguém fala em corrupção numa roda de conversa é impossível mudar de assunto. Pode-se mudar, no máximo, de corrupto. O que diferencia uma cidade da outra é que, no Rio, ficou mais fácil de circunscrever o debate. Com a chegada de Garotinho e Rosinha à cadeia, onde já estão Cabral e Picciani, o poder político que desgoverna o Rio por mais de duas décadas foi passado na tranca. Não se sabe por quanto tempo. Vivo, Vinicius de Moraes talvez dissesse: “Que seja eterno enquanto dure.”
A reunião da Facção Molequinha com o Primeiro Comando do PMDB no xadrez revela que, na política fluminense, a honestidade tornou-se uma grande solidão. Mas é preciso ver o lado bom das coisas, mesmo que seja preciso procurar um pouco. A morte da ética no Rio de Janeiro pode ser um grande despertar. Está entendido que os maus se fingiam de bons. Agora, basta que o eleitor se convença de que a coisa só vai melhorar quando os bons tiverem suficiente maldade para impor sua bondade por meio do voto.
A política do Rio de Janeiro morreu e, suprema desgraça, não foi para o céu. Entretanto, dependendo da reação dos eleitores, a morte pode representar um enorme despertar.
Do Blog do Josias de Souza, 22/11/2017, 16:37 hs
La ecología social deberá trabajar en la reconstrucción de las relaciones humanas a todos los niveles del socius. Jamás deberá perder de vista que el poder capitalista se ha deslocalizado, desterritorializado, a la vez en extensión, al extender su empresa al conjunto de la vida social, económica y cultural del planeta, y en "intensión", al infiltrarse en el seno de los estratos subjetivos más inconscientes.
(...)
Félix Guattari
terça-feira, 21 de novembro de 2017
DE VOLTA À CADEIA
Em decisão unânime —5 votos a 0—, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região restabeleceu a ordem de prisão contra três caciques do PMDB do Rio de Janeiro: Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi. Com essa decisão, os desembargadores do TRF-2 deram uma lição ao Supremo Tribunal Federal. Ensinaram o seguinte: quando a Justiça não faz da roubalheira uma oportunidade para impor a lei, os tribunais viram uma oportunidade que os larápios aproveitam.
Presos na semana passada, os três xamãs do PMDB fluminense foram libertados por decisão da Assembleia Legislativa do Rio. Abriram-se as celas sem que ao menos o TRF-2 fosse comunicado sobre a revogação de sua decisão. Nesta terça-feira, ao discorrer sobre a encrenca, um dos desembargadores do tribunal, Paulo Espírito Santo, disse ter enxergado as imagens dos deputados deixando o presídio de carro, sem ordem judicial, como “um resgate de filme de faroeste.”
O doutor resumiu assim a cena: “Acabo de ver, na sexta-feira passada, algo que nunca imaginei ver na vida. Nunca vi uma coisa dessas. Não há democracia sem Poder Judiciário. Quando vi aquele episódio, que a Casa Legislativa deliberou de forma absolutamente ilegítima, e soltou as pessoas que tinham sido presas por uma Corte federal, pensei: o que o povo do Brasil vai pensar disso? Pra quê juiz? Pra quê Ministério Público? Pra quê advogado? Se isso continuar a ocorrer, ninguém mais acreditará no Judiciário. O que aconteceu foi estarrecedor. Que país é esse?”
O desembargador Espírito Santo não disse, talvez por cautela, mas o Brasil virou um país em que a Suprema Corte às vezes fica de cócoras quando o Poder Legislativo faz cara feia. Assim procedeu ao lavar as mãos no caso do tucano Aécio Neves, autorizando o Senado a anular sanções cautelares como a suspensão do mandato e o recolhimento domiciliar noturno. Conforme já noticiado aqui, o STF tinha a exata noção de que abria um precedente que não passaria em branco nos Estados.
O debate sobre as prerrogativas dos legislativos para revogar prisões e sanções impostas a parlamentares federais e estaduais ainda vai dar muito pano para a manga. No Rio, a maioria cúmplice da Assembleia não há de ficar inerte. Farejando o cheiro de queimado, outro desembargador, Abel Gomes, mencionou inclusive a hipótese de o TRF-2 requerer ao STF intervenção federal na Assembleia fluminense.
A confusão certamente chegará ao Supremo, oferecendo aos ministros a oportunidade de se reposicionar em cena. Sob pena de desmoralização do Judiciário. Na antessala das urnas de 2018, não restará ao brasileiro senão a alternativa de praguejar na cabine de votação: ''Livrai-me da Justiça, que dos corruptos me livro eu.'
Do Blog do Josias de Souza,21/11/2017, 16: 26 hs
SURPRESA CHILENA
A organizada política chilena foi virada de cabeça para baixo após um surpreendente resultado eleitoral. O Chile está a caminho de um segundo turno disputado em 17 de dezembro depois de, contra todas as expectativas, Sebastián Piñera ter conseguido uma vitória apertada, com 36% dos votos. As análises do dia seguinte indicam que Alejandro Guillier, de centro-esquerda, que obteve 22%, poderia unir todos os votos contra Piñera e vencer as eleições, algo que parecia impossível até o domingo. A grande surpresa veio com a Frente Ampla, de linha semelhante à do partido espanhol Podemos, que alcançou o surpreendente resultado de 20% dos votos e se tornou uma peça-chave da política.
(...)
Carlos E. Cué, Rocio Montes, El País, Santiago,20/110217, 19:32 hs
Defesa dos lobos contra os cordeiros
Querem que o abutre coma miosótis?
O que exigem do chacal,
do lobo, que mude de pele? Querem
que ele mesmo extraia seus dentes?
O que é que não apreciam
nos comissários políticos e nos papas,
por que olham, feito burros,
o vídeo mentiroso?
Quem costura a faixa de sangue
nas calças do general? Quem
trincha, diante do agiota, o capão?
Quem pendura orgulhoso, a cruz de lata
sobre o umbigo que ronca de fome? Quem
aceita a propina, a moeda de prata,
o centavo para calar-se? Há
muitos roubados, poucos ladrões; quem
os aplaude, quem
lhes põe insígnias no peito, quem
é sequioso de mentiras?
Olhem-se no espelho: covardes,
temendo a fadiga da verdade,
sem vontade de aprender, entregando
o pensar aos lobos
um anel no nariz como adorno preferido
nenhuma ilusão burra o bastante, nenhum consolo
barato o suficiente, cada chantagem
ainda é clemente demais para vocês.
Ó cordeiros, irmãs
são as gralhas comparadas a vocês:
vocês se arrancam os olhos uns aos outros.
Fraternidade reina
entre os lobos:
andam em alcatéias.
Louvados sejam os salteadores: vocês
convidam para o estupro
deitando-se no leito preguiçoso
da obediência. Mesmo gemendo
vocês mentem. Querem
ser devorados. Vocês
não mudam o mundo.
Hans Magnus Enzensberg
segunda-feira, 20 de novembro de 2017
PROGRAMADOS
Ela entendeu tudo quando entrevistou os estupradores: “Não são monstros, estão programados”. A cineasta e educadora britânica Leslee Udwin lançou em 2015 o documentário sobre um estupro coletivo que provocou comoção mundial e levou às ruas milhares de pessoas na Índia. Uma estudante de fisioterapia de 23 anos, Jyoti Singh, foi estuprada por cinco homens num ônibus de transporte público que continuou seu percurso pelas ruas de Nova Déli enquanto ela era atacada. Um deles lhe arrancou as vísceras. Ela morreu no hospital dias depois.
Pelo documentário, A Filha da Índia (título original India’s Daughter) —no qual falam os pais da vítima, familiares dos condenados, advogados, autoridades policiais e judiciárias e um dos condenados— Udwin ganhou diversos prêmios, como o Peabody Award, norte-americano, e o Anna Lindh de Direitos Humanos no Parlamento sueco. Foi escolhida pelos leitores do jornal The New York Times como a segunda mulher mais impactante de 2015, atrás de Hillary Clinton. E recebeu o apoio de estrelas de Hollywood como Meryl Streep e Sean Penn. Para ela foi uma epifania constatar que aqueles condenados à prisão perpétua não eram os selvagens que ela esperava encontrar. E parou de gravar filmes. Trocou a carreira cinematográfica por outra em que derrama toda a paixão que mostra ao falar: a educação.
(...)
Pilar Alvárez, El País,Doar, 19/110217, 17:17 hs
domingo, 19 de novembro de 2017
sábado, 18 de novembro de 2017
Os críticos podem dizer que determinado poema, longamente ritmado, não quer, afinal, dizer senão que o dia está bom. Mas dizer que o dia está bom é difícil, e o dia bom, ele mesmo, passa. Temos pois que conservar o dia bom em memória florida e prolixa, e assim constelar de novas flores ou de novos astros os campos ou os céus da exterioridade vazia e passageira.
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Fernando Pessoa
SEM FORMOL
Legiões de psiquiatrizados de toda parte ajoelham-se no altar dos psicofármacos e dos cérebros conservados em formol. Tudo conspira a favor do consumo de pacotes cientificamente autorizados para ações lucrativas.No entanto, mesmo desbotada e segregada nos grilhões macios da ciência positivista, a diferença resiste. A ética da potência de viver afirma-se nos versos de poetas itinerantes.O discurso e a prática da diferença exploram o avesso da ordem do Estado capitalista e de suas instituições congêneres. Quem se interessa em criar, fazer nascer? Pergunta insana, na medida em que os poderes investem na repetição do Mesmo e no rigor mortis do pensamento. Por isso, uma clínica da diferença considera as determinações sócio-políticas como a superfície da ação mais concreta. Em suas pesquisas não encontra respostas exatas,mas problemáticas instigantes. Se a loucura é a experiência que atravessa a subjetividade, (mesmo que não estejamos loucos, entramos num devir-loucura), tudo muda na percepção fina da realidade do mundo. Um novo universo se desvela.
A.M.
O POETA DA MADEIRA
Sob o silêncio das mortes tranquilas, tombou na quarta-feira o artista irremovível, que viveu para gritar, em poemas de madeira, contra a destruição da floresta brasileira. Frans Krajcberg não morreu em vida antes de extinguir-se aos 96 anos; não permitiu que seu espírito apodrecesse sob o pesticida dos cinismos confortáveis. Viveu até o fim uma vida plena de amor e arte, de comunhão criativa com a natureza de sua terra em Nova Viçosa, no sul da Bahia. Sua obra – pinturas, fotografias, esculturas – fincou raízes definitivas na arte contemporânea. Os brasileiros, e o mundo, não precisavam dela para conhecer a devastação da Amazônia e nossa agressão incessante ao planeta. Esses fatos são notórios há muito tempo. Por meio de sua arte, Krajcberg nos ofereceu algo mais raro, precioso: sua dor – a dor humana – diante dessa tragédia. Ofereceu-nos a sempre estranha possibilidade de empatia com outros organismos vivos. Pelo engenho e pela sensibilidade de Krajcberg, uma árvore calcinada deixava de ser somente mais um pedaço de madeira retorcido, abandonada à irrelevância dos grandes cinzeiros amazônicos. A árvore calcinada ganhava, em morte, a vida que tivera antes de ser assassinada pelo homem. Krajcberg era um artista tão soberano de sua técnica que extraía de restos de madeira, a um só tempo, afeto, beleza e sofrimento. Algo de sublime atravessa todos os troncos que esculpiu. Graças à arte de Krajcberg, o Brasil e o mundo puderam não apenas ver, mas sentir o lento e seguro assassinar de tudo que é verde no país. Ainda que o desmatamento das florestas e o desprezo dos homens pelo meio ambiente persistam, hoje ambos são seguramente menores do que eram antes de Krajcberg.
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Diego Escosteguy, Época, 17/11/2017, 22:11 hs
A PAIXÃO TRAÍDA
O cronista Nelson Rodrigues, há mais de 50 anos, já constatou: “o pior cego é o que só vê a bola”. Numa corte de Nova Iorque, nesta semana, é um senhor frágil, de cabelo e tez branca que se depara diante da juíza federal Pamela Chen. O julgamento contra José Maria Marin, entretanto, não é apenas contra um dirigente que comandou a CBF. Trata-se, na realidade, de um processo sobre o próprio futebol nacional, sobre seus cúmplices e suas entranhas do poder. Um processo contra aqueles que promoveram uma cegueira quase generalizada.
Conforme a data do julgamento se aproximava, não foram poucos os dirigentes da Fifa e da CBF que me admitiam que estavam preocupados sobre o que poderia surgir do processo. Hoje, depois de pouco mais de dez dias de audiências, tudo o que essas entidades temiam se transformou em realidade. Acusados e testemunhas passaram a usar a corte como um palco privilegiado para revelar um lado obscuro do esporte. O futebol como ele é.
Para se defender das acusações de corrupção, os advogados de Marin usaram um fato que qualquer um envolvido na CBF sempre via: ele jamais a governou sozinho. Seu braço direito, vice-presidente e homem que o acompanhava a todas as reuniões era Marco Polo Del Nero, o atual comandante do futebol brasileiro desde 2015. Para a defesa de Marin, quem “tomava as decisões” era o seu vice.
Ainda que seja uma estratégia dos advogados para reduzir a responsabilidade de seu cliente, a realidade é que a tática surpreendeu a muitos dentro da CBF e Del Nero foi jogado para o centro do debate.
Nos dias que se seguiram, coube ao argentino Alejandro Burzaco, ex-executivo que comprava direitos de TV de torneios sul-americanos, admitir que a corrupção era a regra do jogo. Na qualidade de testemunha, seu relato confirmou os pagamentos a Marin. Mas também indicou que o próprio Del Nero o procurou em 2014 para negociar um aumento da propina. O entendimento com o futuro chefe do futebol brasileiro ainda vinha com um pedido: adiar o pagamento do suborno para 2015, quando Marin não seria mais presidente da CBF. Assim, Del Nero não teria mais de dividir a propina com seu “amigo”.
As audiências ainda jogaram ao centro da arena Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF entre 1989 e 2012. Ele teria recebido, desde 2006, US$ 600 mil por ano em propinas para ceder contratos de transmissão da Copa Libertadores e da Copa Sulamericana.
Não escaparam nem mesmo grandes grupos de imprensa do Brasil e América Latina, citados pela única testemunha ouvida até agora como parte de um esquema de corrupção. No caso da TV Globo, ela foi mencionada como tendo destinado supostas propinas para ficar com o direito de transmissão das Copas de 2026 e 2030, algo que a empresa nega de forma veemente.
O processo também atinge em cheio as pretensões do Catar de sobreviver como sede da Copa até 2022. O ex-dirigente argentino, Julio Grondona, morto em 2014, foi apontado nesta semana como receptor de US$ 1 milhão em troca de seu voto aos árabes para que pudessem sediar o Mundial. Ele era o presidente do Comitê de Finanças da Fifa e, em outras palavras, era o dono da chave do cofre da entidade.
Ao relatar o caso, Burzaco revelou como Grondona o contou bastidores do dia da votação. Nas primeiras rodadas, o então presidente da Conmebol, Nicolas Leoz, teria votado pelo Japão e Coreia do Sul. Num dos intervalos, Grondona e Teixeira chegaram até o paraguaio e o “chacoalharam”. “O que você está fazendo?”. Quando o processo eleitoral foi retomado, Leoz mudou de comportamento e votou pelo Catar.
O tsunami das declarações chegou ainda até a Argentina. Na noite de terça-feira, Jorge Alejandro Delhon, um dos executivos denunciados, teria se matado. As audiências ainda tiveram cenas de dramalhões latino-americanos, com Burzaco chorando diante do que poderia ser um ato de intimidação de um dos acusados, o ex-presidente da Federação Peruana de Futebol, Manuel Burga. O peruano o teria feito um sinal de cortar o pescoço, em plena audiência.
Horas depois, a testemunha não conseguiria segurar as lágrimas quando lembrou que fora avisada de que a polícia argentina o mataria se retornasse ao país.
Entre supostas ameaças, choros, mortes, relatos extraordinários e contas milionárias, não deixa de chamar a atenção o fato de que o processo está apenas em sua segunda semana. Por mais um mês, como num cenário de um jogo de Copa descrito pelo cronista, o mundo da cartolagem e seus cúmplices viverão “uma suspensão temporária da vida e da morte”.
Todos os citados, por enquanto, negam qualquer tipo de responsabilidade. Mas o que o processo começa a revelar é que, de fato, uma paixão nacional foi tomada por um grupo com um único objetivo: o enriquecimento próprio. De forma infesta, sequestraram uma das poucas coisas que é legítimo em um torcedor: sua emoção. A cada partida assistida em campo ou na televisão, em cada camisa comprada, em cada item adquirido, o torcedor aparentemente não financiou o futebol nacional. Mas seus donos, em contas secretas em Andorra, Suíça e paraísos fiscais.
Desde criança, foi vendida a história a todos nós de que aquele time de amarelo nos representa. Quando ganha, é o presidente da República quem os recebe, como heróis nacionais numa conquista “do país”. Quando é humilhado em campo, é uma nação que flerta com a depressão.
Em Nova Iorque, enquanto a cegueira começa a se dissipar, estamos vendo que esse futebol “nacional” tem dono. E não é o torcedor.
Jamil Chade, El País, 17/11/2017, 22:22 hs
sexta-feira, 17 de novembro de 2017
NÃO SEREMOS SALVOS
(...)
Não importa tanto se um grande líder vai emergir dos escombros. Mesmo se aparecer, não será um anjo. Não elegeremos anjos em 2018. Nunca o faremos, creio eu.
A fronteira do pessimismo não nos deve desesperar. Há algumas instituições funcionando, há grupos trabalhando na busca da transparência, há a possibilidade real de que todos os que querem mudança encontrem pontos de contato, um denominador comum.
Como o poeta que fabrica um elefante de seus poucos recursos, a sociedade brasileira terá de construir seu sistema de defesa. Alguns móveis velhos, algodão, cola, a busca de amigos num mundo enfastiado que duvida de tudo – o elefante de Drummond é inspirador.
Quem sabe, como em Portugal, conseguiremos construir nossa própria geringonça? Prefiro essa visão modesta e realista a esperar dom Sebastião. Curado de sua megalomania, talvez o Brasil aceite, finalmente, tornar-se um grande Portugal.
Fernando Gabeira, 17/11/2017
OH LULA
O maior problema político de Lula não é o fato de ele ter ficado parecido com os políticos que atacava. Seu principal drama é a evidência de que Lula ficou muito diferente do que diz ser. Num instante em que Lula percorre o país como defensor dos pobres, a Procuradoria pede, em Brasília, o sequestro de seus bens e de seu filho Luís Cláudio no montante de R$ 24 milhões. A defesa de Lula contestou o pedido. Sustentou não haver provas contra ele na Operação Zelotes. Mas não disse nenhuma palavra sobre o valor requerido pelo Ministério Público Federal.
Lula atravessou ileso o escândalo do mensalão. Sobreviveu à ruína produzida por sua criatura Dilma Rousseff. Alvo de diversos inquéritos e ações penais, mantém a pose de perseguido. Condenado a 9 anos e meio de cadeia, conserva-se no topo das pesquisas. Mas deve tornar-se inelegível. E já perdeu aquela aura de político imbatível. Seu prestígio diminuiu na proporção direta do aumento do seu patrimônio.
Este não foi o primeiro pedido de bloqueio de bens. Sérgio Moro mandara sequestrar R$ 10 milhões em julho. Quando o Banco Central achou R$ 600 mil numa conta corrente de Lula, o PT disse em nota que seu líder supremo morreria de fome. No dia seguinte, descobriram-se mais de R$ 9 milhões em planos de previdência privada. Lula dizia ser um palestreante de sucesso. Mas delatores da Odebrecht informaram que as palestras eram mero truque para bancar com dinheiro sujo os confortos de um benfeitor. A fortuna de Lula não combina com os valores morais que ele acha que representa.
Do Blog do Josias de Souza, 17/11/2017, 00:48 hs
Desde Sempre em Mim
Contente. Contente do instante
Da ressurreição, das insônias heroicas
Contente da assombrada canção
Que no meu peito agora se entrelaça.
Sabes? O fogo iluminou a casa.
E sobre a claridade do capim
Um expandir-se de asa, um trinado
Uma garganta aguda, vitoriosa.
Desde sempre em mim. Desde
Sempre estiveste. Nas arcadas do Tempo
Nas ermas biografias, neste adro solar
No meu mudo momento
Desde sempre, amor, redescoberto em mim.
Hilda Hilst
O FIM É O COMEÇO
Com o fim do diagnóstico psiquiátrico (enquanto instrumento terapêutico), restam os grandes conjuntos síndrômicos a balizarem a clínica. Eles surgem de um real atual atravessado pelo horror dos tempos. A morbidade psícossocial aniquila territórios subjetivos no cotidiano das velocidades caóticas. No caso brasileiro, uma opressão oficial sustentada pela democracia representativa traz à luz a sabotagem do desejo. Este sofre por ser interrompido, por não produzir produzindo e daí estancar em linhas patológicas a erosão crônica do Sentido. Em que acreditar? Nada mais resta exceto arcaísmos religiosos tanto quanto arcaísmos escolares, estatais, familiares, acadêmicos, jurídicos e tantos outros. Chamamos de arcaísmo a organização das transcendências (algo para além da vida, dores imaginárias, fantasmas, fetiches, idolatrias, etc) que, no caso da psiquiatria, substituem os verdadeiros problemas, espécie de mecanização tosca do pensamento. A entronização e a reificação do cérebro cumprem, pois, a função de imbecilizar modos de subjetivação (a figura do doutor, por ex.) através da fabricação de pseudo-diagnósticos neurológicos (alguém já viu um cérebro funcionando?) voltados à reparação de circuitos lesionados e à venda de códigos científicos como artigos de fé. Desse modo, o fim do diagnóstico é correlato ao começo de uma era onde tudo é tecnologia de controle ao gosto das populações consumidoras de ordens implícitas.
A.M.
DE BRASÍLIA
Um aluno de 8 anos desmaiou de fome, nesta semana, enquanto assistia à aula em uma escola do Cruzeiro, no Distrito Federal. A criança mora no Paranoá Parque, um empreendimento do Minha Casa, Minha Vida. Como não há colégio público no local, as 250 crianças do condomínio percorrem 30 quilômetros, todos os dias, para frequentar a escola.
"A gente chamou o Samu. Quando o Samu chegou e fez o atendimento, e viu que era fome, até o rapaz praticamente chorou", conta a professora Ana Carolina Costa, que dava aula para a criança que sofreu o desmaio.
(...)
Por G1 DF, 17/11/2017, 05:41 hs
quinta-feira, 16 de novembro de 2017
CURA GAY NA CHINA
“A homossexualidade é como qualquer outra doença mental, como a depressão, a ansiedade ou o transtorno bipolar. Pode ser curada… Confie em mim, deixe-o aqui, ficará em boas mãos”. Com essas palavras, o psiquiatra convenceu a mãe de Wen Qi (nome fictício) a deixar seu filho na clínica. Para esse jovem gay chinês começava um longo calvário de tratamentos destinados a “curá-lo” e transformá-lo em heterossexual.
A homossexualidade não é crime na China nem é oficialmente considerada uma doença. Em 2001, o Colégio de Psiquiatras a retirou da lista de problemas mentais. Duas pessoas que levaram a julgamento clínicas que ofereciam “tratamentos” para a suposta cura ganharam nos tribunais. Mas, como denuncia um novo relatório da organização não governamental Human Rights Watch, continuam sendo oferecidas no país as chamadas “terapias de conversão”, que procuram mudar a orientação sexual dos pacientes. Não é o único país em que são feitos esses pseudotratamentos, proibidos expressamente só em três países do mundo – Brasil, Equador e Malta. Mas, na China, são oferecidos também em hospitais públicos, além de estabelecimentos privados.
(...)Macarena Vidal Liy, El País,Pequim, 15/11/2017, 00:48 hs
quarta-feira, 15 de novembro de 2017
ÉTICA E CLÍNICA
Em psicopatologia, a clínica da diferença busca atuar em linhas existenciais desprezadas pela razão. Lida com o incurável, o imprestável, e com discursos submetidos às formações de poder. Requer um desejo não apoiado na realidade objetiva pois o desejo é a própria realidade objetiva. No universo sedutor-violento do capital, a aposta num trabalho com pacientes graves capta o ritmo das canções sem dono. Tudo é impessoal e coletivo. O Caps torna-se, então,a procura de saídas não cadastradas pela psiquiatria canônica. A ótica da diferença é o novo. Uma ética precede a técnica.
(...)
A.M.
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