O POETA DA MADEIRA
Sob o silêncio das mortes tranquilas, tombou na quarta-feira o artista irremovível, que viveu para gritar, em poemas de madeira, contra a destruição da floresta brasileira. Frans Krajcberg não morreu em vida antes de extinguir-se aos 96 anos; não permitiu que seu espírito apodrecesse sob o pesticida dos cinismos confortáveis. Viveu até o fim uma vida plena de amor e arte, de comunhão criativa com a natureza de sua terra em Nova Viçosa, no sul da Bahia. Sua obra – pinturas, fotografias, esculturas – fincou raízes definitivas na arte contemporânea. Os brasileiros, e o mundo, não precisavam dela para conhecer a devastação da Amazônia e nossa agressão incessante ao planeta. Esses fatos são notórios há muito tempo. Por meio de sua arte, Krajcberg nos ofereceu algo mais raro, precioso: sua dor – a dor humana – diante dessa tragédia. Ofereceu-nos a sempre estranha possibilidade de empatia com outros organismos vivos. Pelo engenho e pela sensibilidade de Krajcberg, uma árvore calcinada deixava de ser somente mais um pedaço de madeira retorcido, abandonada à irrelevância dos grandes cinzeiros amazônicos. A árvore calcinada ganhava, em morte, a vida que tivera antes de ser assassinada pelo homem. Krajcberg era um artista tão soberano de sua técnica que extraía de restos de madeira, a um só tempo, afeto, beleza e sofrimento. Algo de sublime atravessa todos os troncos que esculpiu. Graças à arte de Krajcberg, o Brasil e o mundo puderam não apenas ver, mas sentir o lento e seguro assassinar de tudo que é verde no país. Ainda que o desmatamento das florestas e o desprezo dos homens pelo meio ambiente persistam, hoje ambos são seguramente menores do que eram antes de Krajcberg.
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Diego Escosteguy, Época, 17/11/2017, 22:11 hs
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