domingo, 30 de agosto de 2020

O desespero eu aguento.
O que me apavora é essa esperança.

Millôr Fernandes

Da Servidão Moderna (Legendado PT-BR) 01/05

10 ANOS DE CAPS: RELATOS DO TEMPO - 4
26 de julho de 2010


Com o nome ruidoso de "equipe técnica multidisciplinar" a proposta do Caps adentrava à vivência subjetiva do novo psiquiatra. Contudo, percebi que se não havia admissão (acolhimento) de novos pacientes, também não havia ação técnica integrada da equipe nem tampouco perspectiva de alta para os cadastrados no serviço.  O antigo manicômio, sem dúvida, ali havia freado a prática dos seus horrores, mas a alternativa de produção de outras clínicas de cuidado ao paciente (ou usuário) não constituia a ordem do dia, ou sequer uma agenda de projetos institucionais inovadores. Encontrei o Caps burocratizado em torno de um ideário abstrato que escondia o modelo biomédico, ainda vigente e tóxico. A reverência à psiquiatria como "visão de mundo" marcava a descrição dos comportamentos ditos patológicos. Tal funcionamento clínico talvez haja criado condições para futuras cronificações, não só de muitos pacientes, mas do serviço como um todo. Ao meu redor, a cordialidade dos colegas não evitava que eu entrasse numa solidão clínica aparentemente incurável.

A.M.  


RECEITA DO PODER

RIO - Obras e política social. A receita, tão conhecida na política brasileira, foi adotada pelo presidente Jair Bolsonaro nas viagens que tem feito pelo país. Para surfar a onda da popularidade trazida pelo auxílio emergencial, cujo efeito rendeu sua maior aprovação em um ano e meio de governo, segundo o Datafolha, o presidente intensificou visitas em cidades do Norte e Nordeste, numa agenda que incluiu inauguração de obras feitas por antecessores.

Desde abril, Bolsonaro tem priorizado locais onde o benefício de R$ 600 tem mais peso. Dos 23 municípios visitados desde abril, dez estão no Norte e Nordeste — sete viagens foram feitas de junho até agora. No Nordeste, especialmente, pesquisas apontam que o presidente tem avançado sobre a base lulista. No roteiro presidencial, pelo menos um em cada três habitantes está recebendo o auxílio. Em alguns casos, chega à metade da população.

Além do benefício, Bolsonaro vem aproveitando a conclusão de obras iniciadas em gestões anteriores — o aporte financeiro e o avanço nas intervenções em seu mandato foi mínimo. A estratégia é fazer do pacote assistencial e da entrega de empreendimentos uma marca do governo. Uma das obras inauguradas foi o Eixo Norte do projeto de Transposição do Rio São Francisco, iniciado em 2007. Depois de Lula, Dilma e Temer, foi a vez de o atual presidente deixar seu nome na placa, mesmo tendo avançado apenas 1% na execução do projeto, hoje em 97,49%, e pago R$ 675 milhões dos mais de R$ 10 bilhões investidos.
(...)

Pedro Capetti, G1, 30/08/2020, 04:30 hs

sábado, 29 de agosto de 2020

LOUI JOVER


10 ANOS DE CAPS: RELATOS DO TEMPO - 3
5 de maio de 2010

Com três semanas de trabalho fiz uma proposta à gerência: apresentar em reunião de equipe um texto da minha autoria sob o título: "Afetos esquizofrênicos". A proposta foi aceita de imediato. Era um escrito de página e meia. Eu gostava dele. Providenciei cópias para todo o grupo. Um método: ele consistia em distribuir (no momento da reunião) cópias para leitura prévia. Buscava usar o conteúdo para afetar o grupo e deflagar uma discussão coletiva. Afinal, se eu estava "chegando" no serviço, sentia a necessidade de saber como os colegas pensavam (e sentiam) o problema das psicoses, em especial, da esquizofrenia."Processos fisico-químicos não contém o significado da realidade, muito menos o sentido (...) (...) A psiquiatria desconhece o esquizofrênico (...)" Eis um fragmento do artigo. A apresentação se deu numa quarta-feira cinzenta e fria (inverno chegando...) mas nada houve de discussão. Houve sim um silêncio constrangedor inundando a sala e os rostos. E quem dissesse que o texto era muito teórico e por isso difícil. Mas a surpresa maior chegou após a reunião quando uma colega psiquiatra me falou à boca pequena: "concordo com tudo que você escreveu". Pensei cá pra mim: por que ela não falou para o grupo?

A.M.

sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora

calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa


Paulo Leminski

10 ANOS DE CAPS:  RELATOS DO TEMPO - 2
12 de abril de 2010

A geografia do Caps II era composta por um corredor em "L"que fazia parte de uma antiga enfermaria (desativada) do Hospital Estadual Crescêncio Silveira. Ao longo do corredor estavam a recepção, a sala de espera dos pacientes, a sala da coordenação, a sala do médico, dos psicólogos, das assistentes sociais, da farmacêutica, salas maiores destinadas a oficinas terapêuticas (entre as quais, talvez pelo maior número de pacientes, a oficina de arte era destaque) e por fim, no desvio à direita, a sala da enfermagem e a copa-cozinha. Do lado de fora, à direita, uma área verde, não utilizada em atividades do Caps, permanecia como paisagem. Tal descrição é necessária porque o espaço interno restringia os pacientes à deambulação (ir e vir) num corredor único, o que fazia, óbvio, por lembrar um hospital. Mas o número de pacientes em nada congestionava a circulação, ao contrário. Logo fiquei sabendo que, por razões administrativas estavam suspensas as admissões (acolhimentos). Assim, pelo menos no início, um ar institucional, digamos, estagnado, preenchia o cotidiano dos atendimentos e das oficinas disponíveis. 

A.M.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

VICENTE DO REGO MONTEIRO


A vocês, eu deixo o sono.
O sonho, não!
Este eu mesmo carrego!

Paulo Leminski
10 ANOS DE CAPS: RELATOS DO TEMPO
5 de abril de 2010

No dia 31 de março de 2010, uma quarta-feira, eu chegava de Salvador. De antemão convidado pela Secretaria de Saúde da Prefeitura de Vitoria da Conquista, fui designado para trabalhar no Caps II (4 turnos) e no Caps AD (1 turno). Na segunda-feira seguinte, 5 de abril, iniciava no Caps II uma história de trabalho no qual eu não tinha (ainda) experiência, exceto por leituras e informações variadas. A recepção no Caps II foi muito boa, sendo apresentado a toda a equipe numa reunião técnica. Cheguei bastante motivado para vivenciar a prática desse serviço tão importante no processo da luta antimanicomial. Egresso de posições teóricas, políticas e clínicas a favor de uma proposta (e aposta) capsiana, a expectativa dessa nova experiência me trouxe uma alegria rara, ainda mais se tratando (em termos pessoais) de uma nova vida numa nova cidade, tudo novo. Assim, a chegada ao Caps II foi prenhe de um desejo de produzir algo que se conectasse às minhas crenças e valores, e que somasse a intensidade da clínica psicopatológica à função de um psiquiatra que eu conhecia bem: eu mesmo.

A.M.

AINDA SE FAZ?

ECT

O RIO DE JANEIRO CONTINUA LINDO

CLÁUDIO CASTRO ASSUME O RIO, MAS TAMBÉM É ALVO DE OPERAÇÂO


Cláudio Castro, vice-governador do Rio de Janeiro, assume o estado após a decisão do ministro Benedito Gonçalves (STJ) afastar Wilson Witzel do cargo.

Mas Castro também é alvo da operação.

O ministro Benedito também autorizou um mandado de busca e apreensão na casa de Castro.

Athos Moura, blog do Lauro Jardim, 28/08/2020, 07:34 hs

quinta-feira, 27 de agosto de 2020


ISSO NÃO PÁRA

Brasil já tem mais de 118.000 mortos por covid-19 e 3,76 milhões de infectados
Os números atualizados nesta quinta-feira pelo Ministério da Saúde acresceram 984 mortes (415 nos últimos três dias) à lista de óbitos do coronavírus no país, que chegou a 118.649. Já os 44.235 novos casos de covid-19 confirmados elevaram para 3.761.391 o total de registros desde o início da pandemia. De acordo com o Governo federal, 2.947.250 pessoas já se recuperaram da doença, 78,4% de todos os que a contraíram.
(...)
El País, São Paulo/Brasília, 27/08/2020,19:07 hs
ela tem os olhos azuis
mais verdes que vi
a poesia arrebenta
em suas praias de carne


A.M.

A MORTE DE DEUS, SEGUNDO NIETZSCHE - E AGORA? COM VIVIANE MOSÉ

O SISTEMA DO DELÍRIO

(...)
O delírio crônico é uma forma clínica  em que a organização subjetiva se mantém sem déficit cognitivo. São os casos, antes discutidos pela psiquiatria  francesa,  chamados  de  “delírios  passionais ou de reivindicação” e “delírios de interpretação”. Funcionam como um território existencial de sentido.Na CID-10 compõem o item “transtornos delirantes persistentes”, capítulo da esquizofrenia.A ideação delirante se desenvolve ao longo de meses ou  anos, e até por uma vida  inteira. A gravidade psicopatológica  varia com as contextualização histórico-vital  de cada caso.Por exemplo, há pacientes  cuja integração social ainda é possível enquanto  outros apresentam dificuldades. Isolam-se. De todo modo, a manutenção da capacidade cognitiva faz por colocar esses pacientes  em situações peculiares, insólitas, constrangedoras no dia-a-dia,  já que,  conforme o senso  comum, à primeira vista "parecem que  não são  loucos mas o são”. Não aceitam tratamento porque não se sentem doentes e/ou com necessidade de ajuda.Essa é uma marca semiológica distintiva em relação aos quadros esquizofrênicos, cujos pacientes acabam por não produzir socialmente, mesmo sem sentimento de doença. 
(...)

A.M. in Trair a psiquiatria

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

ela só me chega
sem imagem
sem rosto
sem nada
e ao mesmo tempo
tão dentro de tudo
tão dentro de mim

A.M.


SAÚDE MENTAL E RESIDÊNCIA TERAPÊUTICA

Como foi dito, a descrição do  conceito de saúde mental se dá a partir de vários ítens. Um deles é o da "residência terapêutica". Trata-se de um serviço para pacientes que sofreram os efeitos de internações prolongadas (anos) em manicômios. Eles se corporificam no chamado "hospitalismo" . É uma condição institucional que segue e constitui a psiquiatria desde o século XIX, produzindo uma espécie de "segunda natureza" psíquica no paciente,  doença sobreposta a outra doença. Não a forma-pessoa e sim a forma-doença, eis o cenário que predomina. Tal percurso histórico do horror ético tornou-se naturalizado, normatizado, gerando as "rostidades" por demais conhecidas do paciente crônico, morto-vivo vagando nas enfermarias, estado residual, morador dos hospícios, seres desumanizados em nome da razão científica. Essa é uma longa (e trágica) discussão que foge aos objetivos desse breve artigo. O que queremos sinalizar é simples:  a função da residência terapêutica, inserida na história dos manicômios, é o lugar da desinstitucionalização do cuidado, se é que antes havia cuidado. Isso remete ao trabalho atual com o paciente na busca de sentidos existenciais implícitos ( o que é viver? para que viver? por que viver? como viver? etc) levando-o a situações práticas, concretas, cotidianas. Um aprendizado. Assim, a residência é bem mais que um espaço físico, e sim um espaço vivencial onde conta o imprevisível e o novo. Há, portanto, uma linha importante de experimentação técnica da equipe de saúde mental. Ela vai (ou deve ir) para além dos códigos psiquiátricos obsoletos. Um desafio.

A.M.

domingo, 23 de agosto de 2020

DMITRY SPIROS


Se for dizer a verdade aos outros, faça-os rir, do contrário eles o matarão.

Oscar Wilde
BUROCRACIA DO GOL

O fascínio que milhões de pessoas têm pelo futebol ...ah, por que será? porque ele é um jogo próximo da vida, da vida enquanto imprevisibilidade. Daí o mistério. Qual o nosso futuro? Qual será o resultado do jogo? Zebras. Cem mil fatores atravessam um jogo e talvez um único fator (sorte/azar por ex.) decida tudo, resolva tudo e conduza o time à vitória. Ou à derrota. O futebol, antes de técnica, é magia e arte. Traz o signo das intensidades do acaso ("por que aquela bola não entrou?") e cria, inventa a condição operacional para a técnica. A capacidade do craque é um dom. A técnica vem depois e fica por conta do treinador, do massagista, do médico,do fisioterapeuta, do professor de educação física e até do psicólogo (se houver). Um treinamento, portanto. O futebol, assim como a vida, não é justo. A mídia costuma recitar a frase banal: "nem sempre ganha o melhor". Ora, aí está a essência do futebol como surpresa,(alegria/tristeza) sem culpa ou julgamento mas celebração profana. Gooooooooll!!! Certo dia, como máquina intrusa, chegou o VAR para interromper/esfriar os fluxos de prazer da torcida (coito interruptus?) e assassinar a estética do erro.Tempos modernos.

A.M.

Metrópolis (Fritz Lang; música: Michael Nyman, Time Lapse)

A metodologia das neurociências
é impecável
aí mora o perigo

A.M.
Convenientemente aplicada a qualquer situação, o amor vence sempre. É um fato que se verifica empiricamente. O amor é a melhor política. A melhor não só para os que são amados, mas também para quem ama. Pois o amor é um potencial de energia.

Aldous Huxley

sábado, 22 de agosto de 2020

CAPITALISMO E ESQUIZOFRENIA - 3

Sob as condições do capitalismo, a potência dos afetos é reduzida a estágios vizinhos do zero. Basta citar, entre muitos exemplos, os grandes desníveis sócio-econômicos mundiais, a servidão voluntária e a violência naturalizada. Sob as condições da esquizofrenia, a potência dos afetos é reduzida também a estágios vizinhos do zero. Basta verificar os clássicos "estados residuais esquizofrênicos", a apatia profunda.  O que o delírio tem a ver com essas "duas" realidades? Vejamos: os afetos (desejos) são o que movem o delírio, e por extensão, a realidade (do capital e da clínica). Se esses afetos estão despotencializados, a realidade, apesar de parecer forte, natural e imutável, também está. É preciso defender os fortes dos fracos, como diria Nietzsche. Expresso concretamente em consumidores apassivados (cidadãos e/ou pacientes), e à serviço das estruturas conservadoras (instituições de toda ordem, o Estado incluído), o delírio e sua produtividade desejante rodopia em torno de si mesmo. O desejo sofre por ser interrompido. Seja na luta política ou na pratica clínica, as rupturas para o Novo só acontecem quando o desejo funciona como processo e não como forma estável (o diagnóstico psiquiátrico?). Desejar é, então, delirar. Tal concepção foge aos dualismos identitários normal/anormal, racional/irracional, subjetivo/objetivo, homem/mulher, etc, em prol de um funcionamento construtivista do desejo. Pois este não é algo natural e sim construído, maquinado, agenciado conforme as circunstâncias das forças em relação. O desejo é processo. Revoluções (de qualquer tipo) são produções desejantes, mesmo que traídas.No campo da psicopatologia clínica, o delírio do paciente (se houver) será avaliado ao início segundo coordenadas ético-políticas, antes que técnicas. Estas são importantes, claro, mas deverão estar à serviço do desejo-produção e não o contrário. Estão aí alguns conceitos básicos para o trabalho de uma psiquiatria materialista, ou seja, a que põe o desejo na produção e a produção no desejo, ao dizer de Deleuze-Guattari nas páginas luminosas do Anti-édipo.

A.M.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

A realidade é dura, mas ainda é o único lugar onde se pode comer um bom bife...

Woody Allen

JOHN GRIMSHAW


SIMPLES E OBJETIVO

Quatro e meia da manhã,
acordo com o som do celular.
É a décima mensagem
que me manda nas últimas horas.
Ainda não consegui
responder a nenhuma delas.
“O convívio em sociedade virou um show de horrores.
O ser humano é o animal mais cruel que existe.
Por onde olho, vejo dor e sofrimento.
Sei que tenho incomodado, mas em breve isso vai parar.”
Sem acender a luz,
caminho até a cozinha
e bebo um copo d'água.
Volto para o quarto tentando
formular uma resposta.
Algo simples e objetivo.
Amanhã tenho reunião às nove.

Bruno Brum

Bella Figura - Jiří Kylián (NDT 1 | Sometimes, I wonder)

CONCEITO DE SAÚDE MENTAL

O conceito de "saúde mental"  constitui a essência da prática de um caps. Mesmo que não esteja explícito e/ou não operacionalizado, é o que move (ou deveria mover) o trabalho técnico. Vamos tentar descrevê-lo em dez ítens (poderiam ser mil, cem mil...). 1-"Saúde mental" se refere a um bem estar subjetivo inserido no conjunto das circunstâncias (condições) que chamamos de mundo; "mental" não é "cerebral", ainda que o cérebro seja um órgão, digamos, nobre. 2- O mundo é composto de instituições (família, escola, religião, estado, casamento, etc) e daí a saúde mental é avaliada junto ao funcionamento das instituições presentes em cada caso. É um conceito singular e mutável. 3-A saúde mental inclui, engloba a saúde do organismo (sistema de órgãos) do qual a medicina se ocupa (rins, fígado, coração e demais). Este organismo é essencial, mas não não é o objeto da pesquisa e da clínica em saúde mental. 4- Como a psiquiatria é uma especialidade médica, é importante descolar o conceito de saúde da psiquiatria (bom funcionamento do cérebro e adequação aos códigos sociais) do conceito de saúde mental (produtividade social, laboral e autonomia existencial). Dito de outro modo, separar a "saúde do cérebro" da "saúde da mente". 5- O cérebro, óbvio, é um órgão visível, palpável, mensurável. A mente é invisível, impalpável e não mensurável. Quem disser que já "viu, palpou ou mediu" a mente pode estar sofrendo de algum transtorno. 6- A técnica em saúde mental é regida por princípios éticos que valorizam a potência de viver uma clínica das singularidades de cada caso. Dai o uso do diagnóstico como função terapêutica e não como essência cadastrada (CID-10). 7- A posição antimanicomial é apenas um linha de combate que inspira e compõe as práticas em saúde mental. Há outras que não dizem respeito aos muros do manicômio. São linhas invisíveis que constituem o hospício-em-nós. 8 - A saúde mental é uma saúde da alma no sentido de lidar com o sem-forma. Ou seja, trabalha sem crenças a priori (preconceitos) de quem é o paciente. Retira o conceito de exame e põe no lugar o de "Encontro" não só com a pessoa do paciente, mas com tudo que lhe rodeia, o determina e o coage. 9- Saúde mental é um conceito que opera situações essencialmente práticas interferindo numa vida e mais que isso, produzindo uma vida. Daí floresce numa ética do cuidado em oposição às redes institucionais envelhecidas ( corações manicomiais são apenas um exemplo banal). 10 - Concluindo, promover a saúde mental é promover a auto-saúde mental. A implicação numa clínica psicopatológica aberta ás determinações (causas) múltiplas do sofrimento mental é a base para o trabalho (duro) do dia-a-dia num caps.

A.M.
"N" SEXOS

"Como eu não sinto a menor vontade de me relacionar amorosa ou sexualmente com ninguém, ao contrário das minhas amigas, comecei a me perguntar se tinha alguma coisa errada comigo. Pesquisei na internet, e me identifiquei com as pessoas que se dizem assexuadas e arromânticas." Em depoimento ao podcast Sexoterapia, a estudante Ana Kelly, 23, do Rio de Janeiro, contou como está sendo descobrir que o que ela achava ser um problema, na verdade faz parte de sua orientação sexual. Estima-se que cerca de 1% da população mundial seja assexual (ou Ace como se denominam). 
(...)

De Universa, 22/06/2020, 04:00 hs

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

EMIL NOLDE


ELSIMAR COUTINHO E O CORPO DAS MULHERES NEGRAS

O médico e professor da Universidade Federal da Bahia, Elsimar Coutinho, branco, falecido nesta segunda-feira (18) aos 90 anos, vítima da covid-19, foi o responsável pela criação do Centro de Pesquisa e Assistência em Reprodução Humana (CEPARH), em 1986. A militância do cientista pela esterilização ostensiva das mulheres pobres gerou críticas da própria classe médica, da Igreja e dos movimentos sociais. Coutinho defendia que o controle de natalidade que o CEPARH promoveu na Bahia ajudou a diminuir os índices de violência no estado.
(...)

André Santana, UOL, 20/08/2020,04:04 hs
O COVID E AS CRIANÇAS

Pesquisadores da Universidade de Harvard, nos EUA, descobriram que as crianças carregam uma carga viral do Sars-CoV-2 (novo coronavírus) muito mais alta do que se pensava, principalmente nos primeiros dois dias de infecção.

As crianças infectadas mostraram um nível significativamente mais alto do vírus em suas vias aéreas do que adultos hospitalizados em UTIs para tratamento com covid-19, de acordo com o Massachusetts General Hospital (MGH), instituição afiliada à Harvard, e o hospital infantil Mass General (MGHfC). O estudo foi publicado hoje no Journal of Pediatrics.
(...)

De VivaBem, São Paulo, 20/08/2020, 08:25 hs

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Não é segredo. Somos feitos de pó, vaidade e muito medo.

Millôr Fernandes
A CHINESA

Na corrida global para desenvolver uma vacina contra a Covid-19, a China está na liderança e cada vez mais perto de alcançar a meta. Depois de as autoridades do país concederem na segunda-feira a primeira patente para o projeto que avança mais rápido, nesta terça foram divulgados novos detalhes sobre outra promissora linha de pesquisa. A vacina experimental em que trabalha o Grupo Farmacêutico Nacional Chinês (Sinopharm), poderia estar pronta para ser comercializada antes do final do ano, “provavelmente em dezembro”, segundo seu presidente, Liu Jingzhen.
(...)

Jaime Santirso, El País, Pequim, 18/08/2020, 20:29 hs

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Você - Maria Luiza & Roberto Menescal (CD Jazz in Bossa - Bossa in Jazz)

O QUE SERÁ?


Há qualquer coisa no ar dos tempos. Impossível saber do que se trata. Nem mesmo importa  cogitar se é uma coisa palpável para organizar a mente. Controlar? Não, não há controle. Apenas o fato de que são estranhas sensações. Elas percorrem o corpo dos poros abertos... À flor da pele, à flor do tempo, alguma coisa, sentimos, não identificável, fugidia, errática, invisível, surge das ventanias. Percorre espaços e chega às colinas azuis de um pensamento sem imagem e sem definição. Fala de anjos, forças cósmicas, deuses oceânicos, musas na floresta, seres inefáveis, estados dionisíacos, poemas de amor.O que será? Talvez uma canção ao longe se aproxime num dom de magia para se entender o que não é para entender. Tudo é mistério. É imprescindível escutar vozes que dizem: há um fluxo vital tecendo a manhã. E se o dia afinal chega (como agora), segue sem volta. Isso faz com que cada segundo intua e eternize a carne dos sonhos: sim, existe alguma coisa sem nome embriagando a existência. Ela inventa a luz e faz escorrer signos da natureza para brincadeiras (inocentes) do que é dançar...  sob o ritmo dos corações da Terra imensa. 

A.M

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Os caramujos-flores

Os caramujos-flores são um ramo de caramujos que
só saem de noite para passear
De preferência procuram paredes sujas onde se
pregam e se pastam
Não sabemos ao certo, aliás, se pastam eles
essas paredes ou se são por elas pastados
Provavelmente se compensem
Paredes e caramujos se entendem por devaneios
Difícil imaginar uma devoração mútua
Antes diria que usam de uma transubstanciação:
paredes emprestam seu musgo aos caramujos-flores
e os caramujos-flores às paredes sua gosma
Assim desabrocham como os bestegos


Manoel de Barros

Nelson Freire plays Bachianas Brasileiras nº 4 Prelude (Villa-Lobos)

A DIREITA NO PODER

A direita, desde os avoengos, existia quando alguém (não uma pessoa, mas um coletivo) sentia a necessidade de argumentar (ou sofria o pavor) em face dos processos do afeto ou seja, dos devires: o inconsciente, não dentro do cérebro mas como campo social. Esse fato tem um alcance histórico-social que compõe a "evolução" da humanidade, sem dúvida, um pesadelo que não acaba nunca. Assim, a direita começa desde sempre como aquilo que freia os devires. Usamos esse conceito no plural porque não existe um devir único, universal para todos. Pensar assim é contrariar a natureza dos devires, toda ela grávida de criação ilimitada num tempo irreversível. Os devires constituem então o real em si mesmo, compondo mil territórios, cem mil, milhões de funcionamentos da subjetividade em qualquer região do planeta. Ora, já que é impossível, numa análise dos signos do real (as linguagens) abarcar toda a amplitude desses tempos irreversíveis, resta operar um peneira no caos da existência e estabelecer alguma verdade potencial, atuante, fragmentária e alegre.Tais pressupostos filosóficos não são abstratos, e sim ferramentas que fraturam os aparelhos de tortura da direita, por exemplo, no campo psiquiátrico. Aí, neste campo complexo e essencialmente ético-político, a ideação tosca da clínica psicopatológica da psiquiatria atual se expõe servilmente ao funcionamento do capital (mais, mais lucro, mais poder, mais controle...), gerando monstruosidades éticas em nome de um conceito espúrio de saúde mental. De volta ao início desse breve texto, a direita traça a linha performática das boas intensões administrativas na esteira de um cientificismo à la Comte. O discurso da saúde coletiva (e do SUS, óbvio) é escorraçado como delírio incurável.

A.M.

Novos rumos para as Políticas de Saúde Mental no Brasil

sábado, 15 de agosto de 2020

o mundo de ponta cabeça
a gente de pernas pro ar
se desistir me enfraqueço
se resistir quebro a cara

eu vou do quarto pra sala
eu volto da sala pro quarto
o corredor me espiona
parado no meio da casa

preciso ter paciência
fazer desfazer remendar
já sei – a vida tem preço
e a hora do verso
é no caos


líria porto

FÉLIX GUATTARI

O pensador da esquizofrenia

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

ÉTICA E CLÍNICA EM PSIQUIATRIA

Em psiquiatria, a ética é indissociável da clínica. Não como uma ética idealista, ou seja, não como reflexão teórica sobre a moral. Trata-se de outra coisa, outro conceito. Ele está encravado na prática. A ética como aumento ou como redução da força de viver. Potência dos corpos. A clínica em psicopatologia é assim a própria ética, ela em si mesma, a ética crua. Impossível não haver uma escolha. A psiquiatria manicomial, por vezes disfarçada de neurobiológica, também é ética, ainda que possa ser uma ética de destruição e/ou amordaçamento do desejo. É que no ato clínico, a ética passa por linhas singulares da existência que solicitam escolhas finas. Não é fácil. Não há uma chave universal para resolver os dilemas éticos. Não há modelo, exceto o dos hospícios. Então a ética terá que ser inventada a cada momento e num contexto sócio-institucional dado. Como diria um antigo professor: "depois de tudo que vi, escutei, estudei e aprendi, chegou a hora". Diante do paciente, o que fazer?

A.M. 

POR QUE?

Datafolha: Bolsonaro tem a melhor avaliação desde o início do mandato

Presidente chegou a 37% de aprovação, número que estava em 32% há dois meses. Já a sua rejeição teve queda de dez pontos no período, de 44% para 34%. Maior crescimento relativo foi no Nordeste.
(...)
O Globo,14/08/2020 - 00:01 / Atualizado em 14/08/2020 - 11:10 hs

Esquizoanálise: Pragmatismo Pulsional e Novos Povoamentos - João Perci S...

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

TEMAS EM PSICOPATOLOGIA CLÍNICA - 3

Os delírios em psicopatologia costumam ser percebidos conforme o ideário positivista da ciência (psiquiatria biológica) ou do humanismo crônico das ciências humanas (psicologia e afins). Deste modo, a medicina psiquiátrica quer deletar o sintoma e a psicologia clínica quer compreendê-lo. Nem uma coisa nem outra são possíveis. Trata-se de uma falácia epistemológica disfarçada de boas intenções. Os delírios assombram as consciências vigis e vigilantes. É que eles se referem a modos de subjetivação secretados pelo mundo e ultrapassam a divisão bem/mal em prol da construção de territórios de verdade. "Um pouco de verdade senão eu sufoco!" Assim, é possível "sentir-se vivo" mesmo que tudo em volta esteja em decomposição. Os delírios são, portanto, "verdades verdadeiras" mesmo que não sejam. Isso não importa, pelo menos a nível da escuta do paciente. A sua função social está inscrita nas entranhas de um "inconsciente órfão, ateu, anarquista" (Deleuze-Guattari, 1972) à flor da pele, à flor do tempo, à flor do desejo, à flor do socius e coextensivo a todas as expressões humanas. Então o eu se volatiza e o delírio o substitui. Se todos deliram (e deliram!) não significa que todos estão loucos, mas que correm e se debatem numa megaloucura insubornável, assim como como contra a morte. Os tempos atuais estão revelando, mormente em comunicações/informações midiáticas, essa verdade: o mundo torna-se, em velocidades aceleradas, um hospício planetário de portas abertas.

A.M.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Nós estamos piorando cada vez mais e eu considero o ser humano um caso perdido. E falo isto com a mágoa de quem queria ser um santo. O único ideal que eu teria na vida, se fosse possível realizá-lo, era ser um santo. Eu queria ser um sujeito bom. A única coisa que eu admiro é o bom, fora disto não admiro mais nada.

Nelson Rodrigues

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

JEREMY MANN


LINHAS PARA O MÉTODO DA DIFERENÇA EM PSIQUIATRIA CLÍNICA

É possível estabelecer algumas linhas (práticoteóricas) para o método da diferença em psiquiatria clínica. São elas. 1-Contextualizar o encontro com o paciente: onde? quando? com quem? por que? para que? 2- Considerar os afetos em jogo, incluindo os do paciente e do técnico. Não como algo mau-em-si ou bom-em-si, mas como uma positividade, o que move as condutas. Trata-se do desejo. 3- Estabelecer hipóteses diagnósticas conforme a chave semiológica "função versus essência". Fazer prevalecer a função terapêutica. 4- Adotar uma atitude expectante (ao modo fenomenológico) expandindo-a como percepção do imperceptível: a espreita. 5-Percutir os sintomas a partir da vivência que o paciente traz do sintoma. Ou seja, retirar o sintoma da grade biomédica (uma doença) e tratá-lo como modo de existência: "eu sou meu delírio".6-Tentar, na medida do possível, inverter com o paciente para além da empatia. Não sentir o que o outro sente (isso é impossível) mas sentir com o outro. Trata-se de um cuidado, mesmo nas situações mais adversas e estranhas. 7- Evitar a auto-identificação em papéis sociais contrários à expressão da diferença, e que estão contíguos ao de psiquiatra biológico. Não ser, pois, juiz, policial ou sacerdote, entre outros. 8-Conectando com o ítem 1, avaliar que forças institucionais fazem o paciente falar uma verdade que não é a dele. Criar condições para ele falar em seu próprio nome. 9- Usar o poder psiquiátrico como um contra-poder a favor da expressão do corpo singular. Um exemplo é o do paciente impregnado devido a prescrição errada de psicofármacos. A correção deve ser acompanhada de uma orientação técnica ao próprio paciente ou a familiares. 10- A subjetividade precede os sintomas ou os diagnósticos à la CID - 10. Ou seja, ninguém é bipolar mas é produzido bipolar. Tudo é produção, inclusive de doenças. 


A.M.

domingo, 9 de agosto de 2020


abri a porta
saí voando

não era sonho
estava amando


Nildão
Há bastante deslealdade, ódio, violência, absurdo no ser humano comum para suprir qualquer exército em qualquer dia. E o melhor no assassinato são aqueles que pregam contra ele. E o melhor no ódio são aqueles que pregam amor, e o melhor na guerra, são aqueles que pregam a paz. Aqueles que pregam Deus precisam de Deus, aqueles que pregam paz não têm paz, aqueles que pregam amor não têm amor. Cuidado com os pregadores, cuidado com os sabedores. Cuidado com aqueles que estão sempre lendo livros. Cuidado com aqueles que detestam pobreza ou que são orgulhosos dela. Cuidado com aqueles que elogiam fácil, porque eles precisam de elogios de volta. Cuidado com aqueles que censuram fácil, eles têm medo daquilo que não conhecem. Cuidado com aqueles que procuram constantes multidões, eles não são nada sozinhos. Cuidado com o homem comum, com a mulher comum, cuidado com o amor deles. O amor deles é comum, procura o comum, mas há genialidade em seu ódio, há bastante genialidade em seu ódio para matar você, para matar qualquer um. Sem esperar solidão, sem entender solidão eles tentarão destruir qualquer coisa que seja diferente deles mesmos.

Charles Bukowski
A maquiagem criou no rosto dos manifestantes uma expressão que é misto de cobrança e interrogação de quem não entende e não aceita a postura daqueles que permitem o alastramento da covid-19 entre índígenas brasileiros
Solução melhor é não enlouquecer mais do que já enlouquecemos, não tanto por virtude, mas por cálculo. Controlar essa loucura razoável: se formos razoavelmente loucos não precisaremos desses sanatórios porque é sabido que os saudáveis não entendem muito de loucura. O jeito é se virar em casa mesmo, sem testemunhas estranhas. Sem despesas.
(...)
Lygia Fagundes Telles

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

INVENTAR O CORPO

O corpo-sem-órgãos (CsO) é um anticonceito, limite intransponível da experiência. Processo esquizofrênico. No caso da entidade clínica é prática de vida que aparentemente fracassou.  Mesmo assim permanece ativo enquanto coleção de linhas existenciais sem contorno, fluxos  nômades, gritos. São as máquinas do desejo.A subjetivação é, pois, uma dessubjetivação  incessante. Somos todos esquizos. Considere o seu próprio corpo. Ele é invenção de mundos.    Não o corpo do qual a medicina,  papai-mamãe  e a escola gostam. É outra coisa,  uma  política. 
(...)
A.M.
Você pode desconfiar de uma admiração, mas não de um ódio. O ódio é sempre sincero.

Millôr Fernandes

ANDRE KOHN


prenhez

estava grávida
naquela foto

o filho
não chegou
a nascer

a foto
nos mantém
à sua espera


Ana Elisa Ribeiro

Rehearsal 'The Statement' - Crystal Pite (NDT 1 | Parade)

SOLIDÃO POVOADA 

O psiquiatra viaja em mundos  distantes. Arrisca saltos no abismo em patologias vistas de bem perto. Depois mete-se no tempo das noites loucas do Santa Mônica. Tão longe estão que se apresentam intactas e livres. Hoje há um tempo a fazer, a se fazer. O psiquiatra lembra  que  não é para  lembrar, não é bom  lembrar e diz  que não há mais  tempo para não se tornar. Ele  flui e se esgueira sob as franjas da violência cotidiana. As palavras lhe soam bobas. Situações  pesadas são ocas de sentido. Fazer o que? O psiquiatra se desloca pelos campos verdes do pensamento, aspira blocos de manhãs. Elas insistem em nascer. Ele passeia entre vultos certamente desconhecidos, embora  com eles  privasse da  intimidade dos  deuses da loucura e da arte. Beira a idade dos sem tempo para mais nada que não seja o tempo cortante, sangrando a carne do espírito. Sai o almoço? Que  importa? O dia avança sem motivo, sem sentido, no rumo  da  curva dos olhos  da menina que sorri de dentro da mania. Sem alegria e sem charme. Chame o doutor. Não há  doutor. Um cara chega sem rosto e aquieta a enfermaria  lotada na noite  dos fogos  de artifício. Tudo vai, tudo volta. O círculo das águas,  o riso dos pacientes, o nó que  não desata, a catatonia do sem voz. A hora é intensa e quente. Ele andou pelos pátios  escuros e desérticos da madrugada de domingo no Santa. A ordem andava em plena desordem. Estaria de saída? Quem viria? O psiquiatra faz de suas próprias veias uma paixão inegociável. Tantos anos depois, tantos séculos se passaram, que quatro  criaturas levam-no à  procura de Kadath antes que chegue a primeira aurora da  eternidade do desejo. Das  quatro uma está tocada pelo rumores das novas vidas e sonhos diurnos nas  dobras  do mundo. A outra já salta e solta  entre continentes o grito dos corpos que se levantam para dizer que vivem apenas a alegria. Uma outra tem a percepção fina do que acontece e quer saber  onde está  a  resposta, mesmo sabendo que  não  há. Por  fim, a última, mas  não menos ligada, não menos bela, não menos apaixonante, espalha humor e espontaneidade na superfície da escrita, tornando-a doce e profunda. O psiquiatra, leitor do mundo e de si mesmo, revira-se na cadeira e não consegue esconder o reflexo nos seus olhos miúdos do universo olhando para  ele.  


A.M.

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Hiroshima Mon Amour, de Alain Resnais

Não, meu bem, não adianta bancar o distante: lá vem o amor nos dilacerar de novo...

Caio Fernando Abreu
A DOENÇA DO PODER - II

Seguindo M. Foucault, dizemos que o poder é uma relação entre forças. Não é pois, uma coisa, ou uma substância. No entanto, ele comumente "adoece", adentrando ao universo da representação, onde a Identidade (a tirania do Ser) prevalece. O pensamento ocidental, tendo Platão e Hegel como referências pontuais à Consciência, estabeleceu condições teóricas para tal estado de coisas. Entre as múltiplas formas de funcionamento social, o campo da Religião é prolífico ao poder e seu correlato mórbido, a paranóia. A figura de Deus é exemplar. Os olhos de Deus te vigiam; tal enunciado atravessa doutrinas de variados matizes, às vezes como pressuposto implícito, outras vezes como comando terrorífico. De um modo ou de outro, a Religião se estabeleceu como resposta transcendente, e portanto, conservadora, ao mistério da existência.

A.M.
Faço análise há trinta anos e a única frase inteligente que já ouvi do meu analista é a de que preciso de tratamento.

Woody Allen

TOM JOBIM - Ana Luiza

Antonio Carlos Jobim - Luiza

O TERROR DO ESTADO

Há exatamente 75 anos os Estados Unidos se tornaram o primeiro e único país do mundo a atacar um inimigo com uma arma nuclear, com o bombardeio da cidade japonesa de Hiroshima, durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje, o tabuleiro geopolítico mudou significativamente, mas permanecem as tensões e incertezas sobre como garantir que nenhum país volte a usar novamente as armas atômicas. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirma que ele e seu colega russo, Vladimir Putin, trabalham juntos para reduzir a ameaça de uma guerra nuclear, mas a verdade é que ambos passaram pelo menos os últimos três anos e meio desenvolvendo armas nucleares e destruindo tratados destinados ao seu controle. Embora a o governo norte-americano reconheça que considerou retomar os testes nucleares interrompidos há quase três décadas, ninguém descarta uma nova corrida armamentista com a Rússia e, agora, com a China.
(...)

Pablo Guimón e María R. Sahuquillo,El País, Washington/Moscou, 06/08/2020, 09:54 hs

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

MATÉRIA DA POESIA

1
Todas as coisas cujos valores podem ser
disputados no cuspe à distância
servem para poesia

O homem que possui um pente
e uma árvore
serve para poesia
(...)

O que é bom para o lixo é bom para a poesia

Importante sobremaneira é a palavra repositório;
a palavra repositório eu conheço bem:
tem muitas repercussões
como um algibe entupido de silêncio
sabe a destroços

As coisas jogadas fora
têm grande importância
— como um homem jogado fora

Aliás é também objeto de poesia
saber qual o período médio
que um homem jogado fora
pode permanecer na terra sem nascerem
em sua boca as raízes da escória

As coisas sem importância são bens de poesia

Pois é assim que um chevrolé gosmento chega
ao poema, e as andorinhas de junho.


Manoel de Barros

terça-feira, 4 de agosto de 2020


A EXPERIÊNCIA POÉTICA

Quem sonda o verso escapa ao ser como certeza, reencontra os deuses ausentes, vive na intimidade dessa ausência, torna-se responsável por  ela, assume-lhe o risco e sustenta-lhe o favor. Quem sonda o verso deve renunciar a todo e qualquer ídolo, tem que romper com tudo, não ter a verdade por horizonte nem o futuro por morada, porquanto não tem direito algum `a esperança, deve, pelo contrário, desesperar. Quem sonda o verso morre, reencontra a sua morte como abismo.
(...)

Maurice Blanchot 
CASALDÁLIGA

“Informamos a todas e a todos os amigos e amigas de Pedro Casaldáliga que o bispo se encontra internado no hospital de São Félix do Araguaia devido a problemas respiratórios. Casaldáliga está muito debilitado pelo Parkinson que sofre há anos e sua idade avançada. O teste para a covid-19 deu negativo, mas sua situação de saúde é muito grave.” Com esta mensagem publicada em seu site, as entidades ANSA e Araguaia com o Bispo Casaldáliga informaram à população sobre o estado do religioso catalão de 92 anos, que desde 1968 trabalha no Brasil em prol dos direitos dos indígenas e dos camponeses sem-terra, situação que o levou a inúmeros conflitos com latifundiários e multinacionais. “Pedro está sempre acompanhado e bem cuidado”, acrescenta a notícia.
(...)

Felipe Betim, El País, São Paulo, 04/08/2020, 09:36 hs

domingo, 2 de agosto de 2020

inferioridade

era um homem pequenino
com intensa preferência
por mulheres grandes
:
nem olhava o caráter
a personalidade
bastava-lhe a altura
a largura
os peitos e a bunda
grandes

um dia
foi esmagado
pelo bico do sapato
de alguma madame


Líria Porto