sábado, 23 de janeiro de 2021

Caçador, nos barrancos, de rãs entardecidas,

Sombra-Boa entardece. Caminha sobre estratos

de um mar extinto. Caminha sobre as conchas

dos caracóis da terra. Certa vez encontrou uma

voz sem boca. Era uma voz pequena e azul. Não

tinha boca mesmo. “Sonora voz de uma concha”,

ele disse. Sombra-Boa ainda ouve nestes lugares

conversamentos de gaivotas. E passam navios

caranguejeiros por ele, carregados de lodo.

Sombra-Boa tem hora que entra em pura

decomposição lírica: “Aromas de tomilhos dementam

cigarras.” Conversava em Guató, em Português, e em

Pássaro.

Me disse em Língua-pássaro: “Anhumas premunem

mulheres grávidas, 3 dias antes do inturgescer”.

Sombra-Boa ainda fala de suas descobertas:

“Borboletas de franjas amarelas são fascinadas

por dejectos.” Foi sempre um ente abençoado a

garças. Nascera engrandecido de nadezas.


Manoel de Barros 

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