sábado, 25 de setembro de 2021

NENHUM MISTÉRIO - VII


Chega um momento em que as mãos

já não querem cumprir ordens.

Não pegam mais, não apertam,

e sim mordem.


Os olhos se cansam da luz,

os pés desprezam os pisos,

a mente rejeita todo e

qualquer juízo.


E o rosto — este velho disfarce

velhaco, por trás do qual

não há outra coisa senão

uma máscara igual,


o rosto nem mesmo se esforça

pra parecer que não é outro.

(Já, já não será mais preciso

fingir-se de morto.)


Paulo Henriques Britto

Caetano Veloso - Anjos Tronchos (Clipe Oficial)

NEURÔNIOS AFLITOS

A relação psiquiatra-paciente está marcada pela história do poder psiquiátrico  consolidado  no século XX. Nos dias que correm, são muitas as suas  máscaras, muitos os seus disfarces. Existe, por exemplo, a psiquiatria oficial com expressão mercadológica (publicitária, midiática) obtida através das associações da categoria (há muitos sites à respeito), a psiquiatria biológica em sua versão humanista ou a psiquiatria universitária operando pesquisas duplo-cego sob o manto epistemológico apaziguador da ciência "neutra". Essas e outras formações institucionais se nivelam numa crença comum: o paciente é um organismo individual (físico-químico) avariado. Resta ao psiquiatra prescrever remédios à mão cheia. E "consertá-lo". Isso garante ao profissional do "cérebro-mente" uma estabilidade existencial, para não dizer material, um status, um território de poder e uma respeitabilidade científica (?!). Antes da terapêutica adotada, invariavelmente psicofarmacológica, um cientificismo oculto lhe confere a fármaco-verdade. Por isso o ato de medicar se reveste de nuances quase sempre desconhecidas e é aceito, em geral, como benefício inquestionável.


A.M. 

NOVA DIPLOMACIA


 

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Perplexidades órfãs – VIII


Depois de uma breve conversa (no caps) com um colega, saquei algo muito simples. Não queremos acolher porque não sabemos escutar. Técnicos sem técnica.

Setembro amarelo chegando ao fim. Mas os ipês continuam. 

A cada hora chegam rumores de Brasília. Você  ouve vozes? Não se assuste. Os canalhas passarão.

O vulcão das ilhas Canárias, sua belíssima cor sanguinolenta e a lava escorrendo. Parece uma mulher que se insi-nua.

O contra-cheque mensal ou a servidão ao capital como prato de comida (bóia). Esta é a oferenda macabra à sobrevivência. Agradeça, bicho.

Há muitos delírios na praça. Na escala e na escola dos horrores, o fascista é o da nota dez. Um crânio.

O pesadelo da humanidade nunca foi pior que o dos tempos internéticos. Tudo é uma questão de método. Intoxicados pela informação, corpos-zumbis, mentes suicidárias, lá vamos nós, contemporâneos do apocalipse.

Os fascistas não poupam sequer os autistas. Nem os adolescentes. Cuidado: por vezes se disfarçam de médicos ou educadores.

Não existe a criança como um ser puro. Existe a velocidade-criança em cada um. Os poderes estabelecidos sabem disso. E mandam porrada.

Amanhã vai dar praia, mesmo não tendo praia.


A.M.


INCERTEZAS


como deleuze pensa o mundo a partir da lógica da mudança, do devir? 


em deleuze é difícil encontrar uma visão do mundo. o mundo é um cruzamento, é um ovo. ora, no mundo você tem as estruturas duras, você tem sistemas fortes, um capital financeiro dominante… mas há pulsações, há uma variabilidade permanente. é essa complexidade que impede que você impinja a ela uma visão de mundo que seja ou catastrófica ou conservadora, seja lá o que for. deleuze tem o mundo como uma indagação permanente a ser levada a cabo a cada encontro. é preciso, apesar de tudo, ter fé para que isso seja possível. essa crença deleuziana é um dos tópicos mais difíceis de se desvendar, pois não é uma crença simplesmente caudatária das crenças religiosas, é uma crença que leva você a perguntar pelas próprias razões e ainda ser possível acreditar no mundo, tendo sempre a mesma consciência que ele tinha quando desenvolveu as análises a respeito da obra de akira kurosawa – o mundo é uma problemática que vale a pena ser cuidada.

(...)

luis orlandi, entrevista a fernanda bellei em 19/01/2009 (extraido do site instituto cpfl/cultura)

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

TULIPAS ETERNAS


 

Nem tudo que tentei perdi. Restou 

a intenção de ser alguém ou algo

que não se pode ser, mas só ter sido;

restou a tentação do nada, nunca

tão forte que vencesse esse meu medo

que é a coisa mais honesta que há em mim.

Sobrou também o hábito vadio

de me virar do avesso e esmiuçar

as emoções como quem espreme espinhas.

Mas nada disso dói; a dor é um ácido

que ao mesmo tempo que corrói consola,

é uma coceira que vem lá de dentro

e me destrói sem dignidade alguma.


Paulo Henriques Britto

GONZAGUINHA - "PALAVRAS"

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Perplexidades órfãs - VII

O ministro da Saúde, Marcelo Quiroga, mostrou o dedo do meio ( com as duas mãos) para uma multidão de manifestantes contra Bolsonaro em Nova York. Teria sido mais elegante se ele mostrasse o dedo polegar, aquele que empurra o êmbolo da vacina anti-covid no braço dos brasileiros.

A verdade costuma ser produzida pelo poder já que o poder é mantido por forças. Assim, a mentira mais deslavada pode se tornar uma verdade. O discurso do presidente na ONU foi uma repetição do cercadinho de Brasília. 

Os tempos políticos, em terras brasílicas, devem piorar. Trovões à caminho movimentam corações fascistas. A versão brasileira do fascismo é a pior de todas, desde 1922. Tem o nosso jeitinho. 

O grande olho imaginário-delirante da presidência criou um uiniverso social paralelo para valores de rebanho.

No lugar de Deus, Belzebu costura sua linha silenciosa, traiçoeira, violenta e fake.

Saímos da política, entramos na política.  Eternamente em berço esplêndido, ó pátria amada.


A.M


Burn! Official Trailer #1 - Marlon Brando Movie (1969) HD

sábado, 18 de setembro de 2021

Perplexidades órfãs – VI


O caso Sashira: a monstruosidade humana a cru.

Setembro amarelou nos ipês da cidade.

No cotidiano de um Caps fluxos de loucura jamais adotam um rosto fixo. Circulam livres.

O sentido das depressões é não ter sentido.

O tempo tem passado tão rápido... cada vez mais, mais, mais. A hora da delicadeza não chega.

Existe a psiquiatria oficial, manicomial, comercial, normativa, acadêmica. Delícia traí-la. 

O fascismo à brasileira prossegue sua volúpia pela morte. Sonhos adolescentes resistem.

Atenção: quando um paciente fala são mil vozes que falam. Elas vêm de outras terras, planetas desconhecidos, buracos do mundo.

Não existe o amor. Existe o amar.

O caso Sashira: é isso, um homem?


A.M.



 

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

O SENTIDO DAS DEPRESSÕES

As depressões atuais se espalham num amplo espectro de acontecimentos, onde a etiologia (causa) e o quadro clínico (sintomas) são múltiplos. Desse modo, é essencial para uma clínica da diferença em psiquiatria ( um paradoxo!) não considerar as depressões no sentido biomédico. Dupla traição: trair a psiquiatria como especialidade médica e à psiquiatria como instituição (forma social). As depressões não são, pois, uma doença do cérebro, mesmo que este se mostre alterado em seu funcionamento. Ora, qualquer afeto produz efeitos sobre o cérebro, mesmo e principalmente  um "bom" afeto, por exemplo, a alegria. Ela embriaga. Assim, na análise semiológica do Encontro com o paciente, as perguntas devem partir do Mundo para o eu, e não o contrário. De onde você veio, onde você vive, com quem vive, como vive, trabalha, como trabalha, em que acredita, amores, quais seus amores, etc. São linhas existenciais que mapeiam singularidades. Sim, talvez haja necessidade de um anti-depressivo...e se houver, será na contextualização de um tempo desejante. Ou seja, tudo pelo gosto de viver. Pena que as cronificações depressivas ( no Caps são tantas...) circulem e se mostrem cada vez mais explícitas. No entanto, como poderia ser diferente se a própria psiquiatria anda deprimida? Sinapses esgotadas...  neurônios aflitos... angústia... A alma em colapso.


A.M.

Belchior - Coração Selvagem

terça-feira, 14 de setembro de 2021

A  ELITE  REPUGNANTE

Viralizou nas redes um vídeo em que o humorista André Marinho imita Jair Bolsonaro em um jantar de homenagem a Michel Temer nesta segunda (13). A gravação chama a atenção por trazer, além de uma boa imitação, um pacote simbólico do que representa o poder no Brasil. Incluindo os erros desse poder frente à realidade.

1) O local do rega-bofe, que juntou parte da nata da sociedade, é a residência do investidor Naji Nahas, um antigo conhecido da polícia e amigo de Temer. Foi preso pela Polícia Federal em meio à operação Satiagraha, em uma investigação de corrupção e lavagem de dinheiro em 2008. Não era figurinha nova: quase 20 anos antes, em 1989, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro despencava por conta de golpes que ele aplicou no sistema financeiro. Também foi apontado como interessado no trágico despejo dos moradores do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), que ficou conhecido pela violência contra os sem-teto.

2) Todos os sentados à mesa são homens, brancos e ricos, uma fotografia do poder tradicional. Dentre as 18 pessoas, não há uma mulher ou pessoa negra, apesar de ambos os grupos serem maioria no país. A imagem é de 2021, mas poderia muito bem ter sido usada para representar a "Convenção de Itu de 1873" no lugar da famosa pintura de Jonas de Barros, que representava os republicanos no Império ainda escravagista.

No jantar, estavam políticos, como Gilberto Kassab, presidente do PSD; empresários, como Paulo Marinho, ex-amigo de Jair Bolsonaro e pai do humorista, e Johnny Saad, proprietário do Grupo Bandeirantes; jornalistas como Antonio Carlos Pereira, ex-editorialista do jornal O Estado de S. Paulo, e Roberto d'Ávila, apresentador e diretor da GloboNews; médicos como Raul Cutait, cirurgião do hospital Sírio-Libanês; advogados, como José Yunes, próximo a Temer. Com algumas variações, lembra o pequenino círculo do poder da Sucupira, de Dias Gomes.

3) Os presentes trataram Bolsonaro como fanfarrão. Temer e os demais riram efusivamente da imitação, mostrando que uma parte da elite brasileira considera o presidente como uma piada e não como um agente de corrosão da democracia. Os risos ajudam a explicar a razão do impeachment estar longe da agenda de uma parte do PIB.

4) Tortura com pau de arara foi recebida com risos. Em determinado trecho da imitação de Bolsonaro por André Marinho, ele diz a Temer sobre a carta que o ex-presidente o ajudou a escrever: "Cadê a parte que eu combinei de botar o pau de arara na Praça dos Três Poderes e dar de chicote no lombo de Alexandre de Moraes?" Por mais que esteja ridicularizando um presidente que instalaria, de fato, um pelourinho público se pudesse, os risos diante do equipamento usado na ditadura para abrir o bico de críticos ao regime geraram azia e má digestão.

5) Os presentes, principalmente Michel Temer, acharam graça que, na imitação, ele aparece como salvador de Bolsonaro. De fato, o ex-presidente desempenhou um papel útil, emprestando sua credibilidade junto ao centrão para acalmar os ânimos no Congresso Nacional após as micaretas golpistas. Mas isso não é parte do plano de Temer, mas da estratégia de Bolsonaro que, desde que assumiu o governo, realiza aproximações sucessivas em direção a um golpe de Estado, atacando e recuando. O recuo tático desta vez foi maior porque o avanço do dia 7 de setembro também havia sido. Temer prestou um favor ao ajudar a baixar a fervura até a próxima investida.

6) O vídeo não vazou por descuido, como muitos dizem. O registro foi feito pelo marqueteiro do ex-presidente Temer, Elsinho Mouco, que vem trabalhando para fortalecer a imagem de seu cliente nas redes sociais, e foi divulgado por ele e por Paulo Marinho, antigo apoiador de Bolsonaro que se tornou inimigo ao ser abandonado por ele. Sabiam que chegaria no presidente, e talvez fosse essa a intenção. Contudo, o vídeo pode sair pela culatra, sendo útil ao capitão. Por que um grupo da elite tradicional, ou seja, do sistema, rindo de Bolsonaro em um jantar chique, pode fortalecer a imagem do presidente junto ao seu público mais radical - que anda criticando bastante o "mito", frustrado com a arregada tática que ele deu.

7) Houve outras imitações, inclusive a do próprio Temer, mas nenhuma provocou tanto riso quanto a de Bolsonaro. O PIB prefere humilhá-lo entre quatro paredes do que permitir que seja substituído por tudo o que já fez. A cena ganhou dimensão na internet porque contou com Temer logo após as micaretas golpistas, mas situações iguais se repetem em outras residências dos Jardins, do Leblon, do Lago Sul. A questão é que, enquanto isso, o Brasil real produziu quase 600 mil mortes, 14,4 milhões de desempregados, 19 milhões de famintos e deve viver apagões de energia elétrica até dezembro. O que pensa de tudo isso o garçom, que aparece no vídeo, o único usando máscara? Será que ele pode rir de Bolsonaro como os demais em torno da mesa?


Leonardo Sakamoto, UOL, 14/09/2021, 15:04 hs




segunda-feira, 13 de setembro de 2021

DESIMPORTANTE

Primeiro levaram os negros, mas não me importei com isso. Eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários, mas não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis, mas não me importei com isso, porque eu não sou miserável. Agora estão me levando, mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo.


Bertolt Brecht

ORQUÍDEAS ETERNAS


 

sábado, 11 de setembro de 2021

Perplexidades órfãs – V


O capitão brochou.

Seus seguidores delirantes também.

No entanto, contra a falta de sentido da existência, vale tudo.

Até o Zé Trovão.

Andei lendo sites delirantes. Gnomos da floresta no pedaço.

Por toda a parte, vozes imperativas: Antonio, reaja.

A história não pára. Nós paramos.

Sinto que preciso reler Freud. Ele me anima.

Tantos autores, tanta gente, tantas ideias. Isso esbarrou numa ferida sem cura.

Uma psicopatologia na carne do coração invade o tempo.


A.M.


aumente o volume

do teu grito


Nicolas Behr

terça-feira, 7 de setembro de 2021

 vai ver que o apocalipse

   já aconteceu

   e a gente nem percebeu



Nicolas Behr

domingo, 5 de setembro de 2021

MEDICALIZAÇÃO: A MAIS-VALIA DA DOR


O conceito de medicalização da sociedade é tributário do capitalismo industrial avançado. Possui um alcance planetário, na medida em que a tecnologia médica, sustentada pela idéia de progresso, avança como oferta de produtos a serem consumidos em meio ao estilo de vida contemporâneo. Tal estilo tem como base a produção subjetiva correlata à produção econômica. Ou seja, cada vez mais inexistem divisões entre os vários setores da vida social, fazendo desta uma mera extensão dos processos do capital (sempre mais lucro), no caso médico uma semiologia do organismo doente adaptada às necessidades de controle propedêutico via equipamentos de saúde. Daí as soluções de problemas sociais se afiguram através o uso da terapêutica médica precedida pelo diagnóstico cada vez mais estabelecido por imagens (exemplo da ultra-sonografia). A medicalização não é, pois, um fenômeno médico, pelo menos na sua origem, mas um produto do funcionamento científico das relações capitalísticas, totalizadas na figura subjetiva do consumidor-padrão. A medicina segue e “obedece” ao processo histórico-social porque ela mesma é uma forma social no sentido de uma instituição poderosa que emplaca um discurso humanitário às custas da produção-consumo de pacientes. Medicalizar é, pois, um ato político antes de ser técnico.


A.M.

Kika Hamaoui | Quando Vier a Primavera | Fernando Pessoa

sábado, 4 de setembro de 2021

TODO MORALISMO É BURRO

Se o presidente Bolsonaro é corno e/ou gay, isso não tem a menor importância para uma avaliação politica do seu governo. Há um fundo de preconceito que se instala nas imagens sobre imagens. As mídias sociais deliciam-se com a utilização de um moralismo secular enraizado em subjetividades abrutalhadas. Elas operam de ponta a ponta num vasto leque ideológico chamado esquerda/direita. Sua produção discursiva atual desvia o assunto politico (e tudo que lhe diz respeito) em prol de uma monte de asneiras sobre a sexualidade.  É cansativo.


A.M.

 


sexta-feira, 3 de setembro de 2021

O QUE SERÁ

Há qualquer coisa no ar. Impossível saber do que se trata. Nem mesmo cogitar se é uma coisa palpável para pelo menos organizar as percepções. O fato é que são estranhas sensações. Percorrem o corpo em brasa. Há qualquer coisa, sentimos, não identificável, fugidia, inefável, talvez mesmo invisível. Atravessa espaços e chega às colinas verdes de um pensamento sem imagem, sem sonhos. Fala de anjos, forças cósmicas, deuses, musas, seres errantes da floresta, estados dionisíacos. Talvez uma música ao longe se aproxime e estabeleça um ritmo de dança para entender o que se passa. É preciso, no entanto, escutar vozes para conseguir dizer: há qualquer coisa no ar dos pulmões do tempo tecendo um brilho nos olhos. E se os dias seguem irreversíveis, a cada segundo intuímos na carne dos sonhos um presente: sim, existe alguma coisa sem nome embriagando a existência. Ele (ou ela) fabrica o sol e envia signos de alegria .Meu coração anda parado, à espera.

A.M. 

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

ESTUDOS SOBRE O SUICÍDIO - II

O Centro de Valorização da Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) criaram em 2015 a campanha de prevenção ao suicídio chamada "Setembro Amarelo". A ação buscava prevenir atos suicidas através o método de informar/comunicar a população sobre o tema. Tais entidades civis, a priori, consideram que sabem mais sobre o suicídio do que a sociedade em geral. Tudo bem. Estão "autorizadas" (cada uma a seu modo e do seu lugar social) a orientar pessoas e em consequência evitar que se matem. Assim, a campanha se instalou sobre a linha empírica do problema, a do ato suicida concreto. Tenta evitá-lo e para isso recorre à conscientização da gente. Atitude positiva. No entanto, sem entrar no mérito de "por que alguém quer se matar?", pode-se objetar: fazer uma campanha anti-suicídio não acaba paradoxalmente incitando a vontade de se matar? Em tempos tecnológicos atuais, os fluxos de imagens (internet, TV, celulares, etc) fabricam a subjetividade. Informar/comunicar é o seu método. Embutidas em imagens, palavras-de-ordem anti-suicidas abastecem neurônios e a todos nós, consumidores passivos. Mensagens tocam a ambiguidade da mente. Corria o ano de 2018. Era setembro. De manhã, ao chegar ao Caps, um paciente me perguntou: "esse é o mês do suicídio?"


A.M.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

HENRY ASENCIO


 

DEZ PONTOS PARA IDENTIFICAR UM FASCISTA


O fascista sabe apenas usar um método que é o do fascismo. Este método tem como principal característica um grito: " Viva a morte".


Para funcionar na prática, o fascismo necessita estar "dentro" das pessoas, dentro de nós. Daí, todo fascismo é um microfascismo


Apesar da origem histórica situá-lo na direita, hoje (usando-se lentes de aumento) não há mais fascista de direita ou de esquerda. Existe só o fascista e seus cânticos de destruição.


Ele se aproxima do paranóico: conspirações por toda parte. No entanto, enquanto o paranóico acaba no manicômio, o fascista continua solto. Opera ao ar livre, destila e propaga seu delírio com orgulho (sou brasileiro!) e talvez como salvador da humanidade.


Anseia por uma verdade pronta, reta, visível e simplória. Vive de certezas absolutas. Isso o alimenta sem cessar. Sofre de uma espécie de bulimia ideológica. 


Gosta de raciocinar por dualismos; bem/mal, esquerda/direita, homem/mulher, rico/pobre, louco/normal, bonito/feio. Seu cérebro mente. 


As regras do jogo democrático lhe são quase insuportáveis. No caso brasileiro, o fascista costuma pregar o golpe e a intervenção militar.


O diálogo com ele é muito difícil. É que se expressa com um pensamento único. Nazistas e estalinistas, velhos amigos, trocam ideias e figurinhas.


Os sentimentos fascistas podem conviver sob harmonias bizarras. Hitler amava a sua cadela Blondie.


Por fim, mas não menos importante, o fascista costuma atirar pra matar em tudo que se move: a vida.


A.M.




E se o erro, a fabulação, o engano revelarem-se tão essenciais quanto a verdade?


RESUMO O autor analisa o atual fenômeno de relativização da verdade à luz de conceitos como o perspectivismo nietzschiano. Ele sustenta que, num cenário de produção e consumo ininterruptos de informação, a ambiguidade do conteúdo difundido parece ser pré-requisito para despertar o interesse do público e fidelizá-lo.*


Integram o cortejo dos espectros que rondam Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, certas noções vagas como “pós-verdade” e “cultura pós-factual”, as quais, a despeito de sua fluidez, aparecem no debate público como se fossem conceitos filosóficos.Ambas designam a poluição da mídia por notícias falsas, ou “fake news”, e geram uma transformação nas relações entre verdade e mentira. Já não se pergunta simplesmente se uma notícia é falsa ou verdadeira, mas em que consiste a noção de verdade de uma informação. Ou seja, a própria ideia de verdade surge como um problema.Declarações ambíguas, enviesadas, enganosas ou derivadas de enganos são na prática equiparadas a mentiras inventadas deliberadamente pelos mais diversos motivos: ganhar dinheiro de anunciantes, alcançar resultados eleitorais específicos, formar e influenciar correntes de opinião, induzir metas de políticas públicas e reforçar vínculos de identificação coletiva, formatando maneiras de pensar e sentir em determinados segmentos sociais.Avulta entre essas figuras a “disinformatzya”: o objetivo aqui não é defender uma bandeira particular ou atacar um adversário determinado, mas causar desinformação. Inundam-se os suportes de difusão de mensagens com afirmações falaciosas e distorções sensacionalistas no intuito de minar as bases de confiança tanto dos veículos tradicionais de comunicação quanto das diferentes redes informáticas que se aninham na internet.Trata-se, portanto, de solapar o crédito de informações que se pretendem objetivas, como se não houvesse um critério para diferenciar a notícia falsa da verdadeira. O leitor, largado num meio sabidamente repleto de mentiras, pode nivelar por baixo e duvidar de todos os conteúdos publicados, ou pode agarrar-se àqueles que lhe pareçam mais apropriados.Que importa se, objetivamente, era possível medir o tamanho do público presente à cerimônia de posse de Trump? O governo americano sentiu-se à vontade para mencionar um número maior, iniciativa que depois uma assessora do presidente definiu como a apresentação de “fatos alternativos”.Não existe nesse tipo de atitude nada que se confunda com a postura filosófica do perspectivismo, segundo o qual o ponto de vista de cada um interfere no modo de conhecer e apreender a verdade (que existe). Na era da “pós-verdade”, tudo se passa como se a verdade simplesmente não existisse e todos os pontos de vista tivessem valor idêntico -como se a suposta “verdade” divulgada pelo governo americano não fosse pior do que a “verdade” factual apurada pelos jornais tradicionais.Ora, se todas as “verdades” são igualmente válidas, se cada cidadão pode escolher o ponto de vista de seu agrado, qual o sentido de um debate público que busque o esclarecimento? Em outras palavras, está em jogo o emprego sistemático de técnicas de propaganda para obliterar e entorpecer a capacidade de pensar criticamente.O filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), falsamente identificado como precursor desse relativismo ambientado na penumbra em que todos os gatos são pardos, foi, em vez disso, o pensador que antecipou um conflito eventual que pode nos ajudar a compreender as agruras do momento problemático que atravessamos.É conhecida sua formulação: e se o erro, a falsidade, o engano revelarem-se, tanto quanto a verdade, essenciais como meios úteis para a conservação da vida? Essa pergunta incomoda o pensamento filosófico desde que Nietzsche teve a ousadia de colocá-la em toda sua extensão e profundidade.Ora, os fenômenos que nos confrontam hoje podem ser interpretados na chave hermenêutica que Nietzsche generosamente nos colocou nas mãos. Vivenciamos um conflito entre verdade e condições de existência. De que existência, porém, se trata aqui? Daquela que, como pensava Nietzsche, sempre se produz em termos de relações de poder, de jogos de força em que encontram apoio e expressão interesses vitais, desejos, temores, expectativas de reconhecimento, aspirações de domínio e estratégias de resistência.Identifiquemos, então, algumas das variáveis no debate atual sobre a definição e as consequências das “fake news” para os rumos da cultura e da política nas democracias contemporâneas.VERIFICAÇÃOCom a explosão dos novos meios de comunicação no ambiente digital, distribuídos pela malha includente da sociedade global em arranjos de alta capilaridade (rizomáticos, a rigor) e se reproduzindo em milhares de centros virtuais dificilmente localizáveis e responsabilizáveis (nos sentidos ético e jurídico), torna-se instável a possibilidade de verificação isenta de fatos, bem como muito mais dinâmica e inventiva a produção e a circulação de mensagens, seja qual for o seu teor.Em sociedades lastreadas na troca de informações e na comunicação sustentada por tecnologias de ponta, que se autorreplicam e formatam todos os setores da vida -economia, política, educação, cultura etc.-, os interesses estratégicos e as condições de existência estão estreitamente vinculados às possibilidades, tecnologicamente facilitadas, de “tornar-comum” o conteúdo veiculado, ou seja, de difundi-lo a um universo amplo de pessoas e de reduzi-lo a sua dimensão mais simplória, num movimento que cria oportunidades para o vulgar e o sensacionalista.Com isso, torna-se possível inserir nessas redes tudo o que for capaz de abastecê-las com eficiência, passando, então, a fazer parte da “nutrição cotidiana” de cada um. Não importa tanto se o conteúdo é “verdadeiro”; importa acompanhar “como a coisa rola”. A ambiguidade das mensagens é condição necessária para manter acesa a avidez por “novidades”, a reiteração da expectativa curiosa em espiral infinita.Informações transformaram-se em mercadorias intercambiáveis num arranjo cujos agentes são reduzidos ao denominador comum de consumidores e cuja lógica operante é a da produção e da circulação mercantil.Razão pela qual importa menos a pretensão de validade do que a expectativa de realização de desejo que a informação venha a satisfazer. Por isso adquire plausibilidade o pseudoargumento: afinal, o que é a verdade, já que temos bons motivos para descrer de toda verificação factual?A imputação de falsidade por parte de um opositor funciona como seu contrário. Reforça convicções previamente firmadas, preconceitos arraigados e impermeáveis a razões, mas dóceis às moções afetivas de autoidentificação.Daí por que notícias inventadas na esteira do sensacionalismo midiático não são desqualificadas, mas, ao contrário, reafirmadas e até estimuladas pelos melhores esforços para desmascará-las; pois o que importa para os atores e as organizações sociais interessados na proliferação desse tipo de comunicação é manter acesa a chama da curiosidade que elas atiçam e alimentar o falatório até suas derradeiras possibilidades de rendimento.Uma explicação para isso encontra-se na lógica interna de tais processos, infensos ao escrutínio crítico, já que o único critério que conta são os acessos, ou indicadores quantitativos de consumo. Desenvolve-se uma simbiose perfeita entre a comprovada demanda crescente dos clientes e o rendimento auferido graças à divulgação de material publicitário.Dado que os indicadores de acesso substituem os antigos critérios de verificação, embute-se o risco de esse novo parâmetro gerar um círculo vicioso: a quantidade de acessos quase sempre está em relação com o potencial de atração contido na distorção da mensagem. Isso significa que o horizonte de avaliação é o do impacto causado.Para manter vivo o interesse pela informação vale tudo, inclusive induzir e filtrar seletivamente as escolhas preferenciais do leitor por meio de algoritmos que “adivinham” sites mais consentâneos com suas tendências. As possibilidades e limites da apropriação político-ideológica dos conteúdos, bem como aquelas de seu controle responsável, são virtualmente indetermináveis, e isso a despeito de todas as catastróficas consequências que esse desregramento pode causar, dentre as quais o estímulo ao cinismo irresponsável, o desfecho eleitoral pernicioso e a destruição sistemática de reputações.A capacidade de pensar por si e de assumir responsabilidades por opiniões e ações passa pela antiga e saudável desconfiança e pelo esforço de nos distanciarmos do que se nos pretende impingir como última novidade, como sinal dos tempos da “pós-verdade”.É possível que se oculte aí apenas um velho fetiche, uma manobra diversionista para desviar a atenção e dispensar da reflexão, reforçando o isolamento narcísico que parece estar vinculado à inclusão aparente e à conexão em redes de comunicação com alcance planetário.


Oswaldo Giacoia Junior