A ARTE DO DELÍRIO
(...) (...) Assumindo a ótica de Artaud, distinguir entre categorias como normalidade e loucura, ou entre arte, sintoma e delírio, é uma falsa questão. É inevitável, ao discuti-lo, adotar a perspectiva e o tipo de epistemologia defendida por Michel Foucault na parte final de As Palavras e as Coisas, e, a meu ver, de modo mais consistente pelo surrealismo. Consiste em pensar o delírio, tanto quanto o sonho e a criação poética, como meios de conhecimento. Assim como a linguagem científica abre campos de conhecimento, a linguagem não-instrumental, não-discursiva, abre outros campos de experiência do real. Entender o inconsciente como consciência não-discursiva ajuda a esclarecer a modernidade de Hölderlin, Nerval, Lautréamont, Corbière, Germain Nouveau, Jarry e Artaud. Permitindo a intervenção do inconsciente, rompem com o discursivo e com a sociedade: rompem com o discurso da sociedade. Fazem arte revolucionária, pela radicalidade da rebelião individual, e por sua crítica à realidade: por isso falo em tomá-la como meio de conhecimento, e não apenas como algo a ser interpretado, como objeto do paradigma clínico ou de uma teoria literária. A inserção consciente de Artaud na tradição da ruptura acentua o caráter universal de sua contribuição, por mais que esta se tenha manifestado de modo particular, irredutível, que não permite uma escola ou doutrina de seguidores, apesar da sua influência em tantos campos da modernidade: teatro, poesia, contracultura, antipsiquiatria. É universal por expressar contradições fundamentais, entre o sujeito e o mundo que lhe é exterior, o imaginário e o real, o absoluto e o contingente, o poético e o prosaico.
(...)
Cláudio Willer
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