ALIANÇAS
(...) Os feiticeiros sempre tiveram a posição anômala, na fronteira dos
campos ou dos bosques. Eles assombram as fronteiras. Eles se encontram na
borda do vilarejo, ou entre dois vilarejos. O importante é sua afinidade com
a aliança, com o pacto, que lhes dá um estatuto oposto ao da filiação. Com o
anômalo, a relação é de aliança. O feiticeiro está numa relação de aliança
com o demônio como potência do anômalo. Os antigos teólogos
distinguiram claramente duas espécies de maldição que se exerciam sobre a
sexualidade. A primeira concerne a sexualidade como processo de filiação
através do qual ela transmite o pecado original. Mas a segunda a concerne
como potência de aliança, e inspira uniões ilícitas ou amores abomináveis:
ela difere da primeira mais ainda visto que tende a impedir a procriação, e
visto que o demônio não tendo ele próprio o poder de procriar, deve passar
por meios indiretos (assim, ser o súcubo fêmea de um homem para tornar-se
o incubo macho de uma mulher à qual ele transmite o sêmen do primeiro). É
verdade que a aliança e a filiação entram em relações reguladas pelas leis de
casamento, mas mesmo então a aliança guarda uma potência perigosa e
contagiosa. Leach pode mostrar que, apesar de todas as exceções que
parecem desmentir essa regra, o feiticeiro pertence primeiro a um grupo que
é unido só por aliança àquele sobre o qual ele exerce sua eficácia: assim,
num grupo matrilinear, é do lado do pai que o feiticeiro ou a feiticeira devem
ser procurados. E há toda uma evolução da feitiçaria dependendo de a
relação de aliança adquirir uma permanência ou tomar um valor político.
Não basta parecer um lobo ou viver como um lobo para produzir lobisomens
em sua própria família: é preciso que o pacto com o diabo se acompanhe de
uma aliança com uma outra família, e é o retorno dessa aliança na primeira
família, a reação dessa aliança sobre a primeira família, que produz os
lobisomens como por efeito de feed-back.
(...)
Gilles Deleuze e Félix Guattari in Mil Platôs, vol 4
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