UMA NOVA IMAGEM DO PENSAMENTO
Todos os homens são capazes de sonhar, supõe-se. Se acaso houver uma exceção, trata-se de um caso patológico, ou pelo menos de uma originalidade. Todos os homens são capazes de amar e de sofrer. Se acaso houver uma exceção, trata-se de um caso patológico, ou pelo menos de uma estranha originalidade. Quanto ao pensamento, não é tão certo, não é tão evidente, que todos os homens sejam capazes de pensar. Se acaso houver aqueles incapazes para o pensamento, não poderemos considerar uma exceção ou mesmo uma originalidade. Do mesmo modo, quase todos os homens são capazes de falar, e daqueles que não o conseguem, sabemos, – temos certeza -, trata-se de uma questão neurológica ou de uma questão histérica. Mas falar e pensar não são sinônimos; não são equivalentes, porque o ato de fala tem a função explícita de materializar as nossas opiniões. E, entre a opinião e o pensamento, a diferença é tão grande quanto o infinito. As opiniões, as nossas opiniões, associam-se às nossas percepções e às nossas afecções, e estas, percepções e afecções, são reguladas pelos nossos interesses e pelos nossos hábitos. Acrescentando-se, de imediato, que o pensamento não expressa hábitos ou interesses; e, até mais do que isto, o pensamento não é manifestação de sentimentos pessoais, de estados vividos; ou seja, nada tem a ver com a personalidade de cada um. O pensamento é como uma potência, uma força, no âmago de cada sujeito, de cada ser humano: mas inteiramente independente das propriedades do sujeito, do eu pessoal. É como se fosse possível dizer que o pensamento é uma terra estranha, um bosque, um pântano, numa geografia que nos constitui. Quando se fala de pensamento, distingue-se – é preciso distingui-lo -, de outras faculdades do sujeito humano, como o sonho, a percepção, o sentimento. O pensamento é impessoal, e, por ser impessoal, independe da vontade do pensador. Isto é: não começamos a pensar a partir da solicitação da nossa vontade; ou melhor, o ato de pensar não implica uma solicitação pessoal; mas implica a presença de forças de fora; forças que não pertencem ao próprio pensamento, forças que não pertencem ao pensador; forças externas, que forçam o pensamento a pensar. Estranha figura esta, que pressupõe alguma coisa que faz o pensamento pensar.
(...)
Claudio Ulpiano, extraído do site "Centro de Estudos Claudio Ulpiano"
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