TRAIR
Há muitas pessoas que sonham ser traidores. Elas acreditam nisso,
acreditam ser isso. Não passam, no entanto, de pequenos trapaceiros. O
caso patético de Maurice Sachs, na literatura francesa. Que trapaceiro não
se diz: ah, enfim sou um verdadeiro traidor! Mas também que traidor não
se diz à noite: no final das contas, eu era apenas um trapaceiro. É que trair é
difícil, é criar. É preciso perder sua identidade, seu rosto. É preciso
desaparecer, tornar-se desconhecido.
O fim, a finalidade de escrever? Para além ainda de um devir-mulher,
de um devir-negro, animal etc., para além de um devir-minoritário, há o
empreendimento final de devir-imperceptível. Não, um escritor não pode
desejar ser "conhecido", reconhecido. O imperceptível, caráter comum da
maior velocidade e da maior lentidão. Perder o rosto, ultrapassar ou furar o
muro, limá-lo pacientemente, escrever não tem outro fim.
(...)
G. Deleuze e C. Parnet in Diálogos
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