terça-feira, 23 de junho de 2015

TRAIR

Há muitas pessoas que sonham ser traidores. Elas acreditam nisso, acreditam ser isso. Não passam, no entanto, de pequenos trapaceiros. O caso patético de Maurice Sachs, na literatura francesa. Que trapaceiro não se diz: ah, enfim sou um verdadeiro traidor! Mas também que traidor não se diz à noite: no final das contas, eu era apenas um trapaceiro. É que trair é difícil, é criar. É preciso perder sua identidade, seu rosto. É preciso desaparecer, tornar-se desconhecido. O fim, a finalidade de escrever? Para além ainda de um devir-mulher, de um devir-negro, animal etc., para além de um devir-minoritário, há o empreendimento final de devir-imperceptível. Não, um escritor não pode desejar ser "conhecido", reconhecido. O imperceptível, caráter comum da maior velocidade e da maior lentidão. Perder o rosto, ultrapassar ou furar o muro, limá-lo pacientemente, escrever não tem outro fim.
(...)
G. Deleuze  e C. Parnet in Diálogos

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