VERDADE DA MENTIRA
É necessário dizer quem consideramos nossos adversários: os teólogos e tudo que tem sangue teológico
correndo em suas veias – essa é toda a nossa filosofia... É necessário ter visto essa ameaça de perto,
melhor ainda, é preciso tê-la vivido e quase sucumbido por ela, para compreender que isso não é qualquer
brincadeira (– o alegado livre-pensamento de nossos naturalistas e fisiologistas me parece uma
brincadeira – não possuem a paixão nessas coisas; não sofreram –). Este envenenamento vai muito mais
longe do que a maioria imagina: encontro o arrogante hábito de teólogo entre todos aqueles que se
consideram “idealistas”, entre todos que, em virtude uma origem superior, reivindicam o direito de se
colocarem acima da realidade, e olhá-la com suspeita... O idealista, assim como o eclesiástico, carrega
todos os grandes conceitos em sua mão (– e não apenas em sua mão!); os lança com um benevolente
desprezo contra o “entendimento”, os “sentidos”, a “honra”, o “bem viver”, a “ciência”; vê tais coisas
abaixo de si, como forças perniciosas e sedutoras, sobre as quais “o espírito” plana como a coisa pura em
si – como se a humildade, a castidade, a pobreza, em uma palavra, a santidade, não tivessem causado
muito mais dano à vida que quaisquer outros horrores e vícios... O puro espírito é a pura mentira...
Enquanto o padre, esse negador, caluniador e envenenador da vida por profissão for aceito como uma
variedade de homem superior, não poderá haver resposta à pergunta: Que é a verdade? A verdade já foi
posta de cabeça para baixo quando o advogado do nada foi confundido com o representante da verdade.
(...)
F. Nietzsche in O anticristo
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