sábado, 31 de outubro de 2015

estou sem fósforos.
as molas de meu sofá
estouraram.
roubaram minha maleta.
roubaram minha tela a óleo de
dois olhos rosados.
meu carro quebrou.
lesmas escalam as paredes de meu banheiro.
meu coração está partido.
mas as ações tiveram um dia de alta
no mercado.

Charles Bukowski
297,7 MILHÕES


Responsável por detectar operações financeiras suspeitas, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão do Ministério da Fazenda, concluiu no último dia 23 de outubro um documento explosivo. Chama-se ‘Relatório de Inteligência Financeira 18.340.’ Tem 32 páginas. O conteúdo foi exposto pelo repórter Thiago Bronzatto em notícia veiculada na mais recente edição de Época.

O relatório do Coaf revela transações com indícios de irregularidades de pessoas e empresas que se encontram sob investigação nas operações policiais que eletrificam a República: Lava Jato, Zelotes e Acrônimo. Entre elas Lula e três ex-ministros petistas: Antonio Palocci (Fazenda e Casa Civil), Fernando Pimentel (Desenvolvimento) e Erenice Guerra (Casa Civil). Juntas essas pessoas e suas logomarcas registraram movimentação de notáveis R$ 297,7 milhões.

Lula, Palocci, Pimentel e Erenice integram uma lista de 103 pessoas e 188 empresas varejadas pelo Coaf. Juntas, movimentaram quase meio bilhão de reais em operações que, por atípicas, foram informadas pelo Coaf ao Ministério Público Federal, à Polícia Federal e à Receita Federal. Enviou-se uma cópia do levantamento também para a CPI do BNDES.

As informações colecionadas pelo Coaf foram repassadas pelos bancos e corretoras. Essas instituições são obrigadas a informar ao órgão da Fazenda sobre transações que, por fugirem dos padrões, podem ocultar crimes como pagamento de propinas e lavagem de dinheiro.

Em relação a Lula, o Coaf farejou uma movimentação de R$ 52,3 milhões nos últimos quatro anos. A empresa de palestras do ex-presidente petista recebeu R$ 27 milhões e transferiu R$ 25,3 milhões. Para o Coaf, trata-se de “movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, a atividade econômica ou ocupação profissional e a capacidade financeira do cliente.” Procurada, a assessoria de Lula preferiu não se manifestar objetivamente sobre o relatório.

No seu item de número 8, o documento do Coaf anotou que “Luiz Inácio Lula da Silva foi objeto de três comunicações de operações suspeitas efetuadas por empresas atuantes no mercado segurador”. Essas comunicações ocorreram porque Lula adquiriu planos de previdência privada ou título de capitalização com valores superiores a R$ 1 milhão.

Em transação efetivada no dia 29 de maio de 2014, Lula pagou R$ 1,2 milhão à Brasilprev Seguros e Previdência S.A.. Em 6 de junho de 2014, a empresa que leva as iniciais de Lula em sua logomarca —LILS Palestras, Eventos e Publicações Ltda.— contratou por R$ 5 milhões um plano de previdência na BB Corretora de Seguros e Administradora de Bens S.A.. No mesmo dia 6 de junho de 2014, repassaram-se mais R$ 5 milhões à Brasilprev.

Sobre Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda de Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, o relatório do Coaf menciona a movimentação nas contas da empresa dele, a consultoria Projeto. Coisa de R$ 216 milhões entre entradas e saídas, desde junho de 2011.

Eis o que anotou o Coaf sobre Palocci: “Contas que não demonstram ser resultado de atividade ou negócios normais, visto que utilizadas para recebimento ou pagamento de quantias significativas sem indicação clara de finalidade ou relação com o titular da conta ou seu negócio.”

A certa altura, o Coaf resume os informes que recebeu da rede bancária: “A empresa Projeto, Consultoria Empresarial e Financeira Ltda, com sede fiscal na cidade de São Paulo, composta societariamente por Antonio Palocci Filho (98%), André da Silva Palocci (1%) e James Adrian Ortega (1%), foi objeto de comunicações de operações financeiras […] com valor associado de R$ 216.245.708,00, reportados no período de 2008 a 2015, dos quais R$ 185.234.908,00 foram registrados em suas contas correntes e o restante em contas de terceiros…”

Numa das transações, a empresa de Palocci recebeu R$ 5.396.375 da montadora de automóveis Caoa, investigada sob a suspeita de ter comprado uma medida provisória. O advogado de Palocci, José Roberto Batochio, declarou que “não há relação alguma entre o serviço prestado pela Projeto para a Caoa e a aprovação de medidas provisórias.”

Quanto ao ex-ministro Fernando Pimentel, hoje governador de Minas Gerais, a movimentação financeira registrada no relatório do Coaf atingiu o montante de R$ 3,1 milhões. O órgão recebeu três informes do sistema bancário sobre Pimentel. Um cita saque em dinheiro vivo feito pelo agora governador dois meses após a eleição de 2014. Outros dois tratam de operações com empresas das quais Pimentel foi sócio. “As comunicações, além de envolverem saques em espécie de alto valor, foram registradas porque Pimentel apresentou resistência na apresentação de informações”, escreveu o Coaf em seu documento.

Diz o Coaf sobre o governador petista de Minas: “Fernando Damata Pimentel, com domicílio fiscal em Belo Horizonte, foi objeto de comunicações efetuadas por empresas atuantes no mercado segurador com valor associado total de R$ 676.588,00 e recebidas no período de 2009 a 2014.”

“Parte dessas comunicações foi reportada porque o titular apresentou resistência na apresentação de informações, ou fornecimento de informações incorretas relativas à identificação ou à operação”, acrescentou o Coaf.

Ainda de acordo com o Coaf, Pimentel “foi objeto de comunicações automáticas por ter efetuado duas operações de movimentação em espécie no montante de R$ 300 mil, sendo uma de provisionamento para saque, em 18/12/2014, no valor de R$ 150 mil, e outra de saque do mesmo valor em 19/12/2014. Tais operações foram registradas na conta corrente número 4075218, da agencia/CNPJ número 5645, do Banco do Brasil, na cidade de Belo Horizonte.”

O Coaf acrescentou: “A primeira comunicação [sobre Pimentel] reportou movimentação financeira da empresa Belorizonte Couros Ltda. No montante de R$ 2.262.064, no período de 01/12/2009 a 31/05/2010, sendo R$ 979.020,00 a crédito e R$ 1.283.044,00 a débito, registrado na conta corrente número 094368, da agência/CNPJ número 0557, do Banco Itaú SA, na cidade de Regente Feijó/SP.”

Ouvidos, os advogados de Pimentel afirmaram que o “governador apresentará todos os esclarecimentos assim que as informações mencionadas forem disponibilizadas nos autos do inquérito e que a defesa desconhece a origem e o conteúdo dos documentos.”

No trecho dedicado a Erenice Guerra, ex-braço direito de Dilma, o Coaf informa que ela movimentou a impressionante cifra de R$ 26,3 milhões entre 2006 e 2015. Parte dessa movimentação fluiu por meio de contas de terceiros.

O Coaf escreveu: “Movimentação de recursos de alto valor, de forma contumaz, em benefício de terceiro e também incompatível com a capacidade financeira da cliente”.

“Erenice Alves Guerra, com domicílio fiscal em Brasília, foi objeto de comunicações de operações financeiras […] com valor associado de R$ 26.308.821, no período de 2008 a 2015, dos quais R$ 2.822.486,00 foi registrado em suas contas correntes e o restante em contas de terceiros.”

O relatório prossegue: “A empresa Guerra Advogados Associados, com sede em Brasília, composta societariamente por Erenice Alves Guerra (98%) e Antonio Eudacy Alves Carvalho (2%), foi objeto de comunicação de operações financeiras […] por ter movimentado o montante de R$ 23.323.398,00 no período de 08/08/2011 a 10/04/2015, sendo R$ 12.056.507,00 a crédito e R$ 11.266.891,00 a débito, registrado na conta corrente número 104000, da agência/CNPJ número 5746 – Península Sul, Brasília, do Banco Bradesco SA, na cidade de Brasília.”

O coaf acrescentou: “A empresa Capital Assessoria e Consultoria Empresarial Ltda., com sede no Condomínio RK, em Sobradinho/DF, com status de ‘cancelada’ na Receita Federal, composta societariamente por Saulo Dourado Guerra (60% – filho de Erenice Alves Guerra) e Sônia Elizabeth de Oliveria Castro (40%), foi objeto de comunicação de operações financeiras […] por ter movimentado a crédito o montante de R$ 209.649,83, no período de dezembro de 2009 a setembro de 2010, regitrado na conta corrente número 225.800-5, da agencia/CNPJ número 3147 – Asa Sul, do Banco do Brasil SA, na cidade de Brasília.” Procurada, Erenice não quis se pronunciar.

Do Blog do Josias de Souza,21/102015, 05:27 hs

IRENE SHERI


sexta-feira, 30 de outubro de 2015

TRAIR

Há muitas pessoas que sonham ser traidores. Elas acreditam nisso, acreditam ser isso. Não passam, no entanto, de pequenos trapaceiros. O caso patético de Maurice Sachs, na literatura francesa. Que trapaceiro não se diz: ah, enfim sou um verdadeiro traidor! Mas também que traidor não se diz à noite: no final das contas, eu era apenas um trapaceiro. É que trair é difícil, é criar. É preciso perder sua identidade, seu rosto. É preciso desaparecer, tornar-se desconhecido. O fim, a finalidade de escrever? Para além ainda de um devir-mulher, de um devir-negro, animal etc., para além de um devir-minoritário, há o empreendimento final de devir-imperceptível. Não, um escritor não pode desejar ser "conhecido", reconhecido. O imperceptível, caráter comum da maior velocidade e da maior lentidão. Perder o rosto, ultrapassar ou furar o muro, limá-lo pacientemente, escrever não tem outro fim.
(...)
G. Deleuze  e C. Parnet in Diálogos
O sentido normal das palavras não faz bem ao poema.
Há que se dar um gosto incasto aos termos.
Haver com eles um relacionamento voluptuoso.
Talvez corrompê-los até a quimera.
Escurecer as relações entre os termos em vez de aclará-los.
Não existir mais reis nem regências.
Uma certa liberdade com a luxúria convém.

Manoel de Barros

O HORROR


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Desemprego fica em 8,7% nos três meses até agosto
É a maior taxa da série, iniciada em 2012, segundo o IBGE.

A taxa de desemprego ficou em 8,7% nos três meses até agosto, segundo dados divulgados nesta quinta-feira (29) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É a maior taxa da série, iniciada em 2012. No trimestre anterior, de março a maio, o índice havia atingido 8,1%.
(...)
Anay Cury e Cristiane Caoli, do G1, em São Paulo e no Rio, 29/10/2015, 10:54 hs

ESCREVER

Pensava que escrevia por timidez, por não saber falar, pelas dificuldades de encarar a verdade enquanto ardia, arvorava, arfava. Há muitos que ainda acreditam que começaram a escrever pela covardia de abrir a boca. Nas cartas de amor, por exemplo, eu me declarava para quem gostava pelo papel, e não pela pele, ainda que o caderno seja pele de um figo. O figo, assim como a literatura, é descascado com as unhas, dispensando facas e canivetes. Não sei descascar laranjas e olhos com as unhas, e sim com os dentes. Com as mãos, sei descascar a boca do figo e o figo da boca, mais nada. Acreditei mesmo que escrever era uma fuga, pedra ignorada, silêncio espalhado, um subterfúgio, que não estava assumindo uma atitude e buscava me esconder, me retrair, me diminuir. Mas não. Escrever é queimar o papel de qualquer forma. Desde o princípio, foi a maior coragem, nunca uma desistência, nunca um recuo, e sim avanço e aceitação. Deixar de falar de si para falar como se fosse o outro. Deixar a solidão da voz para fazer letra acompanhada, emendada, uma dependendo da próxima garfada para alongar a respiração. Baixa-se o rosto para levantar o verbo. É necessário mais coragem para escrever do que falar, porque a escrita não depende só de ti. Nasce no momento em que será lida.
(...)
Fabrício Carpinejar

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

CLÍNICAS OUTRAS

O objeto da psiquiatria é a subjetividade. Pelo menos, deveria ser. Isso implica em considerar múltiplos fatores na produção de universos de sentido, ou seja, em trabalhar com uma psicopatologia em movimento incessante. Tomemos o caso das depressões: alguém está deprimido. As causas (etiologia) são as multiplicidades (o real coletivo) que se tocam em agenciamentos concretos, quer dizer, numa clínica. O paciente não fala, sente-se muito desanimado, não sai à rua, só pensa em se matar, etc. As multiplicidades constituem o real das linhas da existência. A família, a profissão, a sexualidade, o dinheiro, o organismo, a religião, o corpo, a política, a escola e tantas outras linhas, expressam uma diferença. A assim chamada terapêutica utilizará, pois, recursos diversos, a depender da singularidade do caso. O uso de psicofármacos, opção do senso comum, torna-se secundário à análise dos afetos em jogo, já que são estes que produzem o sentido, mesmo o sem sentido.

A.M.  

JOÃO BOSCO - Amigos Novos e Antigos (de Bosco e Aldir)


Nenhum pássaro voa olhando pra suas asas.

Fabrício Carpinejar
OBJETO-SIGNO

Cada objeto costuma transformar-se, em nós, segundo as imagens que evoca e reúne, por assim dizer, em seu redor. É claro que um objecto também pode agradar por si mesmo, pela diversidade das sensações agradáveis que suscita em nós numa percepção harmoniosa; mas bem mais frequentemente, o prazer que um objeto nos dá não se encontra no objecto em si mesmo. A fantasia embeleza-o, cingindo-o e quase projetando nele imagens que nos são queridas. Nem nós o percepcionamos já tal qual como ele é, mas quase animado pelas imagens que suscita em nós ou que os nossos hábitos lhe associam. No objeto, em suma, nós amamos aquilo que nele projetamos de nosso, o acordo, a harmonia que estabelecemos entre nós e ele, a alma que ele adquire só para nós e que é formada pelas nossas recordações.
(...)
Luigi Pirandello

EMIL NOLDE


Triste não é mudar de ideia. Triste é não ter ideias para mudar.

Francis Bacon
O GÊNIO DA LÂMPADA

Suponha que você se chama Dilma Rousseff e preside um país chamado, digamos, Brasil. Você é uma pessoa bem-intencionada. Governa para todos os brasileiros, mas se vangloria de dar prioridade aos mais pobres. Assumiu o seu segundo mandato há menos de dez meses. Embora você se ache a melhor gestora que você já viu, admite que a coisa está feia. Porém, dispõe de três anos, dois meses e três dias para mudar tudo.

Suponha que você está pedalando sua bicicleta nas imediações do Palácio da Alvorada e atropela uma lâmpada mágica. De dentro da lâmpada sai um gênio. Ele diz que quer ajudar você a honrar os compromissos que o João Santana assumiu com povo na campanha passada. O gênio pergunta quais são as quatro prioridades da sua gestão. Ele não costuma atender a mais de três pedidos por pessoa. Mas foi com a sua cara. E decidiu conceder-lhe um bônus.

Você responde rapidamente: “Engavetar o pedido de impeachment, aprovar a meta de fechar as contas de 2015 com um rombo de algo entre R$ 51,8 bilhões e R$ 103 bilhões, além de destravar na Câmara as votações da DRU e da CPMF. O gênio se irrita. Faz cara de nojo. E volta para o interior da lâmpada resmungando: “Você não precisa de mim. Tente o Eduardo Cunha.”

A esse ponto chegou Dilma Rousseff. Tornou-se 'cunhodependente'. E o gênio da Câmara condiciona a felicidade do governo à preservação do seu mandato.

Do Blog do Josias de Souza,18/10/2014,03:50 hs

terça-feira, 27 de outubro de 2015

GILLES DELEUZE - O Abecedário - "R" de Resistência


MINÚSCULA TERRA

O Dia das Bruxas, data bastante popular nos países de língua inglesa, está chegando. E, a exemplo dessa celebração em que crianças se disfarçam para pedir doces, se aproxima também o momento da visita da "Grande Abóbora".

Não se trata, porém, de mais um personagem dessa festa pagã de origem celta, mas sim de um asteroide gigantesco que, segundo a Nasa (agência espacial americana) descobriu recentemente, passará relativamente perto da Terra às 19:05 (horário de Brasília) de 31 de outubro.

Conhecido tecnicamente como TB145, esse objeto tem uma largura aproximada de 400 metros. Isso faz com que ele seja 20 vezes maior que o meteorito que explodiu sobre o céu de Chelyabinsk, na Rússia, em 2013, destruindo centenas de janelas e deixando mais de mil feridos por causa de seus detritos.

Sua velocidade também é maior: enquanto o meteorito entrou na atmosfera a uma velocidade de 19 km por segundo, a "Grande Abóbora" se movimenta a 35 km/s.

No entanto, o asteroide felizmente passará a uma distância que, se é bem próxima em termos espaciais, é considerada segura para o nosso planeta.

Quando estiver mais perto, o TB145 estará a 480 mil quilômetros da Terra. Isso representa 1,3 vez a distância entre a Lua e a Terra.

O asteroide não será visto facilmente. "Será preciso ao menos um pequeno telescópio para vê-lo", afirmou Paul Chodas, diretor do Centro para Estudo dos Objetos Próximos da Terra do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa.

Para a agência espacial americana, essa será uma excelente oportunidade para estudar o asteroide. A próxima vez em que um objeto tão grande passará tão perto do nosso planeta deve ser apenas em agosto de 2027.

A Nasa planeja obter imagens de radar para analisar sua superfície e para detectar se ele está ou não acompanhado de uma lua, o que pode apontar pistas sobre sua massa e densidade.

"A influência gravitacional do TB145 é tão pequena que não terá efeitos detectáveis na Lua, nas placas tectônicas ou nas marés da Terra", explicou a Nasa em um comunicado

Felizmente, a "Grande Abóbora" passará rapidamente pelo céu, cumprindo sua órbita.

No entanto, não haveria tempo hábil para evitar uma colisão se a Terra estivesse em seu caminho. "Um asteroide deste tamanho é muito difícil de desviar com um alerta de apenas 20 dias", afirmou Chodas à revista Popular Science.

Em caso de um choque com a Terra, um pedaço gigante de rocha ou gelo como o TB145 poderia causar uma devastação catastrófica, avaliou o pesquisador.

Cientistas estão trabalhando atualmente em planos para desviar e destruir esse tipo de objeto - nosso planeta é alvo do impacto de asteroides medianos a cada 100 mil anos, em média.

A Nasa assegura que não temos com o que nos preocupar. Ao menos desta vez.

UOL Notícias, 26/10/2015, 15:53 hs

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

INGLÓRIA

Era o relógio de meu avô, e quando o ganhei de meu pai ele disse Estou lhe dando o mausoléu de toda a esperança e todo desejo; é extremamente provável que você o use para lograr o reducto absurdum de toda a experiência humana, que será tão pouco adaptado às suas necessidades individuais quanto foi às dele e às do pai dele. Dou-lhe este relógio não para que você se lembre do tempo, mas para que você possa esquecê-lo por um momento de vez em quando e não gaste todo seu fôlego tentando conquistá-lo. Porque jamais se ganha batalha alguma, ele disse. Nenhum batalha sequer é lutada. O campo revela ao homem apenas sua própria loucura e desespero, e a vitória é uma ilusão dos filósofos e néscios.
(...)
William Faulkner

WILL CALHOUN w/MARC CARY & CHARNETT MOFFETT - Afro Blue


domingo, 25 de outubro de 2015

QUEM DRIBLA?

O chamado"futebol-arte"estaria em declínio? Sem saudosismos românticos, dizemos que sim; isto decorre de vários fatores.  Alguns: 1-a formatação do atleta, iniciada mui precocemente rumo ao profissionalismo da bola e ao mercado milionário que lhe "sorri".  2-o avanço irreversível dos saberes e tecnologias, como a medicina esportiva, a traumato-ortopedia, a fisioterapia, a educação física, etc; 3-conforme o ítem anterior, a consequente diminuição do espaço físico do campo, ou seja, o crescimento da velocidade como inversamente proporcional ao do espaço, o qual "encolhe" - isso, claro, obedecendo a um principio elementar da física; 4-a decadência do futebol brasileiro- histórica referência de estilo, arte, técnica e conquistas -constatada pelos resultados recentes e com várias explicações; por que a canarinho não é mais A canarinho? São quatro fatores que contribuem para a progressiva extinção do DRIBLE, jogada por excelência de criação, invenção, portanto, ARTE. Daí, tornou-se cansativo assistir jogos quase SEM DRIBLES, conduzidos por jogadores iguaizinhos, padronizados, serializados. Todos bons, todos com o domínio da técnica, porém, onde estão os artistas? 

A.M.


SEREIA A SÉRIO

o cruel era que por mais bela
por mais que os rasgos ostentassem
fidelíssimas genéticas aristocráticas
e as mãos fossem hábeis
no manejo de bordados e frangos assados
e os cabelos atestassem
pentes de tartaruga e grande cuidado

a perplexidade seria sempre
com o rabo da sereia

não quero contar a história
depois de andersen & co.
todos conhecem as agruras
primeiro o desejo impossível
pelo príncipe (boneco em traje de gala)
depois a consciência
de uma macumba poderosa

em troca deixa-se algo
a voz, o hímen elástico
a carteira de sócia do méditerranée

são duros os procedimentos

bípedes femininas se enganam
imputando a saltos altos
a dor mais acertada à altivez
pois
a sereia pisa em facas quando usa os pés

e quem a leva a sério?
melhor seria um final
em que voltasse ao rabo original
e jamais se depilasse

em vez do elefante dançando no cérebro
quando ela encontra o príncipe
e dos 36 dedos
que brotam quando ela estende a mão


Angélica Freitas

FRANCISCO COCULILO


A DECADÊNCIA
Nelson Rodrigues dizia que a morte é anterior a si mesma. Começa antes, muito antes da emissão do atestado de óbito. É todo um lento, suave, maravilhoso processo. O sujeito já começou a morrer e não sabe. Deu-se algo parecido com a retórica de Lula. O morubixaba do PT ainda não se deu conta, mas sua retórica já morreu e, suprema desgraça, não foi para o céu. No momento, exerce a prerrogativa de escolher seu próprio caminho para o inferno.
Não foi uma morte natural. Ironicamente, a oratória de Lula foi assassinada pelo mito gerencial que ajudou a colocar no Palácio do Planalto. Matou-a, num processo lento e cruel, a ineficácia crônica de Dilma. Sem assunto, Lula perambula pelo país esgrimindo um discurso desconexo, que ofende a inteligência de quem ouve.
Lula já não dispõe da alternativa de atacar a herança maldita de FHC. Graças ao poder longevo, o PT agora lida com seu próprio legado. Enquanto conseguiu maquiar a gastança, Dilma manteve as aparências. Mas agora a irresponsabilidade fiscal apresenta a conta. Potencializada pelas 'pedaladas', a irresponsabilidade foi levada às fronteiras do paroxismo. Até o TCU notou.
(...)
Blog do Josias de Souza,25/10/2015, 05:37 hs
Os homens nascem ignorantes, não estúpidos. Eles se tornam estúpidos pela educação.

Bertrand Russell
A ARTE E O TEMPO

Quem são os meus companheiros? - pergunta-se Juan Gelman.
Juan diz que às vezes encontra homens que têm cheiro de medo, em Buenos Aires, em Paris ou em qualquer lugar, e sente que estes homens não são seus contemporâneos. Mas existe um chinês que há milhares de anos escreveu um poema, sobre um pastor de cabras que está longe, muito longe da mulher amada e mesmo assim pode escutar, no meio da noite, no meio da neve, o rumor do pente em seus cabelos; e lendo esse poema remoto, Juan comprova que sim, que eles sim: que esse poeta, esse pastor e essa mulher são seus contemporâneos.

Eduardo Galeano

GRANDES ESCRITOS


sábado, 24 de outubro de 2015

Todo mundo chama de violento a um rio turbulento, mas ninguém se lembra de chamar de violentas as margens que o aprisionam.

Bertolt Brecht
dobro a aposta

jogo a poesia

no vermelho



Aristides Klafke

ANA CAÑAS - Esconderijo


FAZER RIZOMA

(...) Diferente é o rizoma, mapa e não decalque. Fazer o mapa, não o decalque. A orquídea não reproduz o decalque da vespa, ela compõe um mapa com a vespa no seio de um rizoma. Se o mapa se opõe ao decalque é por estar inteiramente voltado para uma experimentação ancorada no real. O mapa não reproduz um inconsciente fechado sobre ele mesmo, ele o constrói. Ele contribui para a conexão dos campos, para o desbloqueio dos corpos sem órgãos, para sua abertura máxima sobre um plano de consistência. Ele faz parte do rizoma. O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede, concebê-lo como obra de arte, construí-lo como uma ação política ou como uma meditação. Uma das características mais importantes do rizoma talvez seja a de ter sempre múltiplas entradas; a toca, neste sentido, é um rizoma animal, e comporta às vezes uma nítida distinção entre linha de fuga como corredor de deslocamento e os estratos de reserva ou de habitação (cf. por exemplo, a lontra). Um mapa tem múltiplas entradas contrariamente ao decalque que volta sempre "ao mesmo". Um mapa é uma questão de performance, enquanto que o decalque remete sempre a uma presumida "competência". Ao contrário da psicanálise, da competência psicanalítica, que achata cada desejo e enunciado sobre um eixo genético ou uma estrutura sobrecodificante e que produz ao infinito monótonos decalques dos estágios sobre este eixo ou dos constituintes nesta estrutura, a esquizoanálise recusa toda idéia de fatalidade decalcada, seja qual for o nome que se lhe dê, divina, anagógica, histórica, econômica, estrutural, hereditária ou sintagmática.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil Platôs, vol 1
É preciso ter asas, quando se ama o abismo.

Friedrich Nietzsche
Tenho dificuldade de entrar numa sala cheia de gente e dizer qualquer coisa. Não gosto. Não gosto de fazer conferência. Não gosto de discurso, não tenho a empostação de voz necessária, não tenho a presença de espírito. Geralmente, tenho respostas muito boas em 24 horas depois.
(...)
Carlos Drummond de Andrade

UM CORPO QUE CAI, direção de A. Hitchcock, música de B. Herrmann, 1958


A DOENÇA DO PODER - II

Seguindo M. Foucault, dizemos que o poder é uma relação entre forças. Não é pois, uma coisa, ou uma substância. No entanto, ele comumente "adoece", adentrando ao universo da representação, onde a Identidade (a tirania do Ser) prevalece. O pensamento ocidental, tendo Platão e Hegel como referências pontuais à Consciência, estabeleceu condições teóricas para tal estado de coisas. Entre as múltiplas formas de funcionamento social, o campo da Religião é prolífico ao poder e seu correlato mórbido, a paranóia. A figura de Deus é exemplar. Os olhos de Deus te vigiam; tal enunciado atravessa doutrinas de variados matizes, às vezes como pressuposto implícito, outras vezes como comando terrorífico. De um modo ou de outro, a Religião se estabeleceu como resposta transcendente, e portanto, conservadora, ao mistério da existência.

A.M.

PAUL KLEE


FIGURAS DO RESSENTIMENTO

Se alguém nota e sente uma grande superioridade intelectual naquele com quem fala, então conclui tacitamente e sem consciência clara que este, em igual medida, notará e sentirá a sua inferioridade e a sua limitação. Essa conclusão desperta o ódio, o rancor e a raiva mais amarga.
(...)
Arthur Schopenhauer

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O QUE É O COMUNISMO?

O comunismo não é para nós um estado que deve ser estabelecido, um ideal para o qual a realidade terá de se dirigir. Denominamos o comunismo o movimento real que supera o estado de coisas atual. As condições desse movimento resultam de pressupostos existentes. (grifos nossos)
(...)
Karl Marx

ORQUÍDEAS ETERNAS


Mas o que quer dizer este poema? - perguntou-me alarmada a boa senhora.
E o que quer dizer uma nuvem? - respondi triunfante.
Uma nuvem - disse ela - umas vezes quer dizer chuva, outras vezes bom tempo...

Mario Quintana

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O JOGO

O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: procurar e reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.
(...)
Italo Calvino

JOÃO GILBERTO - Lá Vem a Baiana


A  DOENÇA  DO  PODER

Usando Elias Canneti no livro “Massa e Poder, 1960”, é possível identificar a “doença” do poder: a paranóia. Há sempre, de fato, na medida e no fulcro das correlações de forças, uma circulação de desconfiança a priori, um incentivo ao medo, à fobia, uma expectativa angustiante, um pânico frente à desordem, enfim, a grande suspeita contida numa peça sem autoria e, daí, sem sujeito. Quem é o poder? A paranóia não é individual, e sim coletiva, mesmo que surja em alguém isolado. Há regimes significantes eternizados como suplícios dos dominados. Esta parece ser a regra que a História timbrou, ou finge que. Pode ser o rei, o presidente, o príncipe,o  governador, o chefe de estado, o prefeito, figuras de autoridade, talvez, pior, Deus, o poderoso... O que importa é que eles se inserem em modos de subjetivação como verdades dadas e contabilizadas, a depender, claro, dos rumos da política. Qualquer um pode ser qualquer um, todos são todos, desde que o poder funcione como maquinaria produtora  de um gosto por viver e que se nutra de linhas institucionais cambiantes. Desconfia-se de todos e vice-versa; instala-se o clima necessário para dizer e sentir “eu posso tudo”. “Aguirre, a Cólera dos Deuses, 1972”, o filme de  W.Herzog, ilustra bem o liame poder-paranóia como delírio do infinito: a sequência final é emblemática. Assim, é possível “roubar” da psiquiatria o sistema da paranóia como lógica persecutória que funciona no território movediço dos afetos políticos. O poder produz isso, alimenta-se de mil produções subjetivas, delira, delira. A contrapartida à tal vivência persecutória seria, pois, a traição à ordem instituída:  expressões novas e múltiplas da passagem do tempo. A irreversibilidade em ato.

A.M.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

PORNOPOLÍTICA

Confrontado com o raciocínio de Dilma segundo o qual “o governo não está envolvido em nenhum escândalo de Corrupção”, Eduardo 'Contas Secretas na Suíça' Cunha serviu-se da ironia: “Ué, não sabia que a Petrobras não era do governo!” Mantido o diapasão do bate-boca entre Dilma e Cunha, o brasileiro logo, logo se convencerá de que não vive numa democracia. O que há é uma surubocracia anarco-propinada.

Do blog do Josias de Souza, 20/10/2015, 19:40 hs

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

PINA BAUSCH - Vollmond - parte 1


Dane-se a esperança.

George Carlin
LAVAGEM

Assim como lavamos o corpo deveríamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de roupa — não para salvar a vida, como comemos e dormimos, mas por aquele respeito alheio por nós mesmos, a que propriamente chamamos asseio.
(...)
Fernando Pessoa

domingo, 18 de outubro de 2015

PARTIR

Quando partiu, levava as mãos no bolso, a cabeça erguida. Não olhava para trás, porque olhar para trás era uma maneira de ficar num pedaço qualquer para partir incompleto, ficado em meio para trás. Não olhava, pois, e, pois não ficava. Completo, partiu.
(...)
Caio Fernando Abreu

CHARLES BUKOWSKI (BUK)

Encontre o que você ama e deixe isso matá-lo.

À PROCURA  DA  DIFERENÇA

Em “saúde mental”, conceito que remete ao Fora, ou seja, ao funcionamento produtivo e múltiplo das sociedades e ao pensamento sem imagem (não representativo), a diferença se faz e se tece por linhas invisíveis. Por isso, e para isso segue um percurso tortuoso e arriscado onde a poesia se torna a expressão mais intensa do seu corpo supliciado e sempre alegre. Não é possível, pois, identificá-la ("veja, a diferença!") nem assimilá-la a formas sociais estáveis, a consciências bem intencionadas ou à percepções grosseiras da realidade em torno. Ora, ela não tem identidade, organização visível, rosto único, mas conteúdos formigando por toda parte, multiplicidades. Isso contraria e assusta os guardas perfilados da razão sapiente, os moralistas de plantão locupletados em escaninhos institucionais: escola, universidade, família, religião, estado, eu, tantas linhas sedentárias... Falamos de outras coisas, outros universos, sensibilidades desconhecidas e inomináveis. Assim, para além da saúde mental e da educação que lhe são correlatas enquanto experiências coletivas, a diferença só pode ser encontrada no mundo do abstrato, mundo sem forma e real, movido por devires incontroláveis. Aqui mesmo na Terra.

A.M.

Obs.: texto revisto e modificado.
REINO DO ACASO

O acaso tem seus sortilégios, a necessidade não. Para que um amor seja inesquecível, é preciso que os acasos se encontrem nele desde o primeiro instante como os pássaros nos ombros de São Francisco
(...)
Milan Kundera

ALEXEY SHALAEV


CÍRCULO

E no final, a verdade, irmão,
É que as mulheres
A cada dia que passa
Mais e mais estão
Presas à libertação.


Millôr Fernandes
O HOMEM

Agora pergunto-lhe: o que podemos esperar do homem enquanto criatura dotada de tão estranhas qualidades? Faça chover sobre ele todos os tipos de bênçãos terrenas; submerja-o em felicidade até acima da cabeça, de modo que só pequenas bolhas apareçam na superfície dessa felicidade, como se em água; dê a ele uma prosperidade econômica tamanha que nada mais lhe reste para ser feito, exceto dormir, comer pão-de-ló e preocupar-se com a continuação da história mundial — mesmo assim, por pura ingratidão, por exclusiva perversidade, ele vai cometer algum ato repulsivo. Ele até mesmo arriscará perder o seu pão-de-ló e desejará intencionalmente o mais depravado lodo, o mais antieconômico absurdo, simplesmente a fim de injetar o seu fantástico e pernicioso elemento no âmago de toda essa racionalidade positiva.
(...)
Fiódor Dostoiévski

MARISA MONTE e OS NOVOS BAIANOS - A Menina Dança


sábado, 17 de outubro de 2015

LEMBRANÇAS DE UM FEITICEIRO - II

(...) Não se deve atribuir aos devires animais uma importância exclusiva. Seriam antes segmentos ocupando uma região mediana. Aquém deles encontramos devires-mulher, devires-criança (talvez o devir-mulher possua sobre todos os outros um particular poder de introdução, e é menos a mulher que é feiticeira e mais a feitiçaria é que passa por esse devir-mulher). Para além deles, ainda, encontramos devires elementares, celulares, moleculares, e até devires-imperceptíveis. Em direção a que nada a vassoura das feiticeiras os arrastam? E para onde Moby Dick arrasta Ahab tão silenciosamente? Lovecraft faz com que seu herói atravesse estranhos animais, mas enfim penetre nas últimas regiões de um Continuum habitado por ondas inomináveis e partículas inencontráveis. A ficção científica tem toda uma evolução que a faz passar de devires animais, vegetais ou minerais, a devires de bactérias, de vírus, de moléculas e de imperceptíveis. O conteúdo propriamente musical da música é percorrido por devires-mulher, devires-criança, devires-animal, mas, sob toda espécie de influências que concernem também os instrumentos, ele tende cada vez mais a devir molecular, numa espécie de marulho cósmico onde o inaudível se faz ouvir, o imperceptível aparece como tal: não mais o pássaro cantor, mas a molécula sonora. Se a experimentação de droga marcou todo mundo, até os não-drogados, é por ter mudado as coordenadas perceptivas do espaço-tempo, fazendo-nos entrar num universo de micropercepções onde os devires moleculares vêm substituir os devires animais. Os livros de Castañeda mostram bem essa evolução, ou antes essa involução, onde os afectos de um devir-cachorro, por exemplo, são substituídos por aqueles de um devir-molecular, micropercepções da água, do ar, etc. Aparece um homem cambaleando de uma porta a outra e desaparecendo no ar: "tudo o que eu posso te dizer, é que nós somos fluidos, seres luminosos feitos de fibras". Todas as viagens ditas iniciáticas comportam esses limiares e essas portas onde há um devir do próprio devir, e onde muda-se de devir, segundo as "horas" do mundo, os círculos de um inferno ou as etapas de uma viagem que fazem variar as escalas, as formas e os gritos. Dos uivos animais até os vagidos dos elementos e das partículas.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil Platôs, vol 4 
José Simão sobre a praça dos três poderes: 

1. Se gradear, vira zoológico. 
2. Se murar, vira presídio. 
3. Se cobrir com lona, vira circo. 
4. Se botar luz vermelha, vira puteiro. 
5. Se der a descarga, não sobra ninguém.

A LUTA

Costurar as feridas e amar o inimigo que odiar faz mal ao fígado, isso sem falar no perigo da úlcera, lumbago, pé frio. Amar no geral e no particular e quem sabe nos lances desse xadrez-chinês imprevisível. Ousar o risco. Sem chorar, aprendi bem cedo os versos exemplares. Não chores que a vida é luta renhida.
(...)
Lygia Fagundes Telles
IMPRESSOS INÚTEIS

Não sei por que os guardo
nessa gaveta íntima.
O certificado de reservista.
O diploma de pós-graduação.
O mapa esperto pra uma festa chata
que rolou uns três meses atrás.
Felizmente não compareci.


Eudoro Augusto

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

NÃO PASSA

Qual Realidade? A nossa, com todo o peso das forças perfiladas em sentido único. É que há muito a trapaça rege e anima o anti-devir. O poder substantivo da mídia estratifica-se em linhas do cotidiano. Sempre as horas. Sem retorno, trafegam na densidade das moléculas perdidas. Não há aviso súbito ou plantão jornalístico. Estamos ligados por inteiro. A cada segundo, notícias rasgam brasília ou alguma ilhota perdida no centro de são paulo, tanto faz. É possível notar que o coração das ruas batuca ventríloquos loquazes. Um engodo se afirma como natural. Ao que consta, as ruas andam desertas. O silêncio é ensurdecedor. A pergunta, "qual Realidade essa a da muralha do significante?", responde-se: nenhum sentido à vista, exceto o do non sense como expressão da velocidade do tempo. A política do estado universal costura o seu tecido, sim, o tecido do tempo, enquanto o consumo dos mortos-vivos avança sobre o mercado das ações promissoras. Brasil, agora, em paz com a sua guerra crônica, respira agonias inauditas.

A.M.

IVAN KONSTANTINOVICH


A FALA DO BAIANO

Em depoimentos prestados à Polícia Federal e à Procuradoria-Geral da República na condição de delator premiado, Fernando Baiano, apontado como operador do PMDB nos desvios da Petrobras, complicou a situação de Eduardo Cunha e citou Lula. Os dados foram divulgados na noite desta quinta-feira pelo 'Jornal Nacional'.

Já se sabia que Cunha fora acusado de receber US$ 5 milhões de propina em contratos para a fabricação de navios-sonda da Petrobras. Baiano confirmou essa denúncia, feita por outro delator, o consultor Júlio Camargo. E detalhou como o pagamento foi feito. Contou que uma parte foi repassada a Cunha em dinheiro vivo.

Baiano contou que ele próprio se encarregou de levar entre R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão ao escritório de Cunha, no Rio. Deu-se em outubro de 2011. O dinheiro foi entregue a uma pessoa chamada Altair.

O delator disse também nos depoimentos que dispunha de um celular utilizado exclusivamente para conversar com determinadas pessoas sobre propinas. Entre essas pessoas estava Eduardo Cunha.

Segundo Baiano, o atual presidente da Câmara tratava diretamente com ele dos negócios ilícitos. Chegou mesmo a enviar e-mail com tabela especificando o que já havia sido pago e os valores pendentes. Baiano informou que apresentará provas.

Noutro depoimento, ocorrido no mês passado, Baiano citou Lula. Relatou que operava para que a empresa OSX participasse de negócios da Sete Brasil com a Petrobras. Os contratos tinham relação com a exploração do óleo do pré-sal.

Durante a negociação, disse Baiano aos investigadores, ele pediu ajuda ao advogado José Carlos Bumlai, amigo de Lula. Segundo Baiano, o próprio Lula participou de reuniões com a Sete Brasil, para defender que a OSX fosse incluída no negócio.

As negociações não prosperaram. Ainda assim, José Carlos Bumlai cobrou uma comissão. Coisa de R$ 3 milhões. Segundo Baiano, o amigo de Lula disse que o dinheiro seria repassado a uma nora de Lula, para que ela liquidasse uma dívida referente à parcela de um imóvel.

Baiano afirmou ter repassado a Bumlai R$ 2 milhões. Fez isso por meio de contratos frios de aluguel de equipamentos de uma empresa do amigo de Lula.

Procurado, Lula disse que jamais atuou como intermediário de emrpesas. E que nunca autorizou José Calros Bumlai a usar o seu nome em qualquer tipo de lobby. De resto, o ex-presidente declarou que nenhuma de suas quatro noras recebeu dinheiro de Fernando Baiano.

Ouvido, Cunha também negou as acusações de Baiano. Voltou a reclamar do que chama de “vazamento seletivo” de informações que deveriam ser mantidas em sigilo.

Do Blog do Josias de Souza, 15/10/2015.21:50 hs

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

O POETA E BRASÍLIA

PLANO PILATOS

duas asas partidas
dois eixos fora dos eixos
dois traços invisíveis
duas pistas falsas

Lúcio Costa fez o sinal
da cruz e disse: “Cruz Credo!”


Nicolas Behr

ABSTRATO, IMPESSOAL

Ser feiticeiro não significa praticar bruxarias, trabalhar para afetar as pessoas nem ser possuído por demônios.(...) Significa atingir um nível de consciência que faz com que aconteçam coisas inconcebíveis. O termo "feitiçaria" não é adequado para exprimir o que os feiticeiros fazem, o mesmo acontecendo com o termo "xamanismo". Os atos dos feiticeiros são exclusivamente o domínio do abstrato, do impessoal. (...) lutam para atingir um objetivo que nada tem a ver com as preocupações do homem comum. As aspirações do feiticeiro são atingir o infinito, e ter consciência desse fato.
(...)
Carlos Castãneda

MUITO TRISTE ISSO


terça-feira, 13 de outubro de 2015

OLHOS

— Juro! Deixe ver os olhos, Capitu.

Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada." Eu não sabia o que era obliqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira; eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas.

Machado de Assis

domingo, 11 de outubro de 2015

O SEGREDO

O que me impressionava como a prova mais maravilhosa da minha aptidão, ou inaptidão, para a época é o fato de nada do que as pessoas diziam ou escreviam ter tido qualquer verdadeiro interesse para mim. Só o objeto me perseguia, a coisa separada, destacada, insignificante. Podia ser uma parte do corpo humano ou uma escada numa casa de vaudeville, podia ser uma chaminé ou um botão achado na sarjeta. Fosse o que fosse, permitia-me desabafar, render-me, apor a minha assinatura. E não podia apor a minha assinatura à vida que me cercava, às pessoas que compunham o mundo que conhecia. Estava definitivamente fora do seu mundo, como um canibal está fora das fronteiras da sociedade civilizada. Estava cheio de um amor perverso pela coisa em si - não um apego filosófico, mas sim de uma fome apaixonada, desesperadamente apaixonada, como se na coisa abandonada, sem valor, ignorada por todos, estivesse contido o segredo da minha própria regeneração.
(...)
Henry Miller

JANGO - Documentário de Sílvio Tendler (trecho), 1984


Perguntas de um Operário Letrado

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas


Bertolt Brecht
Toda vez que você se encontrar do lado da maioria, é hora de parar e refletir.

Mark Twain
CUIDADO!

Estranho, sim. As pessoas ficam desconfiadas, ambíguas diante dos apaixonados. Aproximam-se deles, dizem coisas amáveis, mas guardam certa distância, não invadem o casulo imantado que envolve os amantes e que pode explodir como um terreno minado, muita cautela ao pisar nesse terreno. Com sua disciplina indisciplinada, os amantes são seres diferentes e o ser diferente é excluído porque vira desafio, ameaça.
Se o amor na sua doação absoluta os faz mais frágeis, ao mesmo tempo os protege como uma armadura. Os apaixonados voltaram ao Jardim do Paraíso, provaram da Árvore do Conhecimento e agora sabem.
(...)
Lygia Fagundes Telles

ELIS REGINA - Atrás da Porta


AS FONTES DA IRA


Por toda parte, queixas e lamúrias: arrasaram o Brasil, estamos quebrados, tudo fechando, alugando. É uma fase pela qual temos de passar. Quanta energia, troca de insultos, amizades desfeitas. Às vezes penso que a melhor forma de abordar o novo momento é apenas deixar que os fatos se imponham.

Muitas vezes afirmei que o dinheiro roubado da Petrobras foi para os cofres do PT e usado na campanha de Dilma Rousseff. Caríssima campanha, R$ 50 mil por mês só para o blogueiro torná-la um pouco engraçada.

O primeiro fato importante foi a delação premiada do empresário Ricardo Pessoa. Ele afirmou que deu quase R$ 10 milhões à campanha para não perder seus negócios na Petrobras. Logo depois surgiram suas anotações, estabelecendo um vínculo entre o dinheiro que destinou ao PT e os pagamentos que recebia da Petrobras. Verdade que a empresa estava nomeada apenas como PB. Claro que ainda podem dizer que esse PB quer dizer Paraíba, ou pequena burguesia. É um jogo cansativo.

Nem é tão necessário que a investigação defina novos vínculos entre o escândalo, o PT e a campanha de Dilma. Basta assumir as consequências do que já se descobriu. Se o tema vai ser neutralizado no Supremo, se o governo compra um punhado suficiente de deputados, tudo isso não altera minha convicção de que o escândalo desnudou um projeto político criminoso.

Ainda na semana passada o Estadão publicou reportagem sobre a Medida Provisória (MP) 471. Ao que tudo indica, foi comprada. Ela garante a isenção de R$ 1,3 bilhão em impostos. E rendeu R$ 36 milhões em propina.

Não estranho que tenha sido aprovada pela maioria. Eram estímulos para três regiões do país e as respectivas bancadas estavam satisfeitas com isso.

Também não havia, da parte das outras regiões, questionamentos sobre estímulos localizados. O único nó nesse campo, se me lembro bem, era a divisão dos royalties do petróleo.

Muito possivelmente, a emenda foi vendida com o preço da aprovação parlamentar embutido. De qualquer forma, a maioria no Congresso foi enganada e, com ela, todos os seus eleitores.

A empresa que negociou a medida provisória destinou R$ 2,4 milhões ao filho de Lula. Segundo a notícia, ele diz que o dinheiro foi pago por assessoria de marketing esportivo. O pai assina a MP, o filho recebe R$ 2,4 milhões da empresa de lobby. Se você não estabelece uma conexão entre as duas coisas, vão chamá-lo de ingênuo; se estabelece, é acusado de lançar suspeita sobre a reputação alheia.

A maioria das pessoas consegue processar fatos e documentos já divulgados e talvez nem se escandalize mais com a venda de uma MP: é o modo de governar de um projeto. É todo um sistema de dominação. É preciso ser um Jack estripador ou um ministro do Supremo para dizer: vamos por partes.

As conexões estão feitas na cabeça da maioria e nada de novo acontece. Neste momento pós-moderno, em que as narrativas contam, mas não as evidências, o conceito de batom na cueca também se tornou mais elástico. Não é bem uma marca de batom, mas algo vermelho que esbarrou pelo caminho, uma tinta, um morango maduro.

Enquanto se vive este faz de conta nacional, a situação vai se agravar. É muito grande o número de brasileiros que se sentem governados por uma quadrilha. Apesar de não estarem organizados, ou talvez por isso, alguns vão se desesperar, ultrapassando os limites democráticos. O tom do protesto individual está subindo. Dirigentes do PT são vaiados, figuras identificadas até a medula com o partido, como o ministro Lewandowski, também não escapam mais da rejeição popular.

O PT e os intelectuais que o apoiam falam de ódio. De fato, o amor é lindo, mas como ser simpático a um partido que arrasa o país, devasta a Petrobras e afirma que está sendo vítima de uma injustiça?

Não são apenas alguns intelectuais do PT que se recusam a ver a realidade. No passado, as denúncias de violência stalinista eram guardadas numa gaveta escura do cérebro. Era impossível aceitar que o modelo dos sonhos se apoiava numa carnificina. Agora também parece impossível admitir que o líder que os conduz tem como principal projeto tornar-se milionário. É como se admitissem ser humildes fiéis de uma religião cujo pastor acumula, secretamente, uma fortuna, enquanto teoriza sobre a futilidade dos bens materiais.

A sucessão de escândalos, demonstrando a delinquência do governo, não basta para convencer os mais letrados. E certamente não bastará para convencer os que ignoram a História e são pagos para torpedear o adversário nas redes.

Mas os fatos ainda têm grande força. Lutar contra eles, em certas circunstâncias, não é só um problema de estupidez, mas também de estreita margem de manobra.

Se o governo não pode aceitar que suas contas sejam recusadas por unanimidade no TCU, não resta outro caminho senão tentar melar o julgamento. Sabem que todos estão vendo sua jogada e talvez experimentem uma ligeira sensação de ridículo. Mas o que fazer?

A única saída decente seria renunciar. Mas, ao contrário, decidiram ficar e convencer os críticos de que estão cegos por causa de sua ideologia de direita, conservadora e elitista.

Isso radicaliza a tática de Paulo Maluf, que insiste em dizer que não tem conta na Suíça, que o dinheiro e a assinatura não são dele. Maluf apenas nega o que estamos vendo. O PT nos garante que há algo de errado com nossos olhos.

Pessoalmente, na cadeia e no Congresso, fui treinado a discordar, mas conviver com as pessoas, apesar de seus crimes. Nem todos os brasileiros pensam assim, na rua. Não é possível irritar as pessoas ao extremo e, quando reagem, classificá-las de intolerantes.

O momento é uma encruzilhada entre a ira popular e a enrolação institucional. Com todos os seus condenáveis excessos, a raiva nas ruas é que tem mais potencial transformador.

A esquerda sempre soube disso. Agora, com o traseiro na reta, o PT descobre o amor.


Fernando Gabeira - publicado no Estadão, 10/10/2015