PATADA PELUDA
(Cena: dois trens da central do brasil carregados de operários acabaram de se engavetar mais uma vez. há pedaços de gente pra todo lado. O 1º homem conversa com o 2º homem, ambos presos nas ferragens).
1º Homem: você está com um ar tão misterioso.
2º Homem: é que perdi a perna esquerda.
1º Homem: deus é sábio, restou a direita.
2º Homem: é, mas ninguém acredita em saci.
1º Homem: esquece. você gosta de mulher?
2º Homem: principalmente depois de um scotch duplo.
1º Homem: (em vários tons de voz) e trutas? e champignons? e roquefort?
2º Homem: adoro bumbum de neném frito
1º Homem: é um caso sério a falta de primavera.
2º Homem: aqui as formigas adoram sangue. veja só como elas sobem pela sua garganta.
1º Homem: não são formigas. são os verbos incandescentes da primavera inexistente.
2º Homem: cuma é?
1º Homem: (esforçando-se para tirar um papel do bolso) puta merda. como poesia é difícil.
2º Homem: não blasfeme. afinal os relógios são todos repolhos.
e a distribuição da fome é perfeita.
1º Homem: escute lá o inatingível cristal de teu silêncio mortal.
o que restou da sombra em teus cabelos. o futuro do mito
bebo na morte.
2º homem: puta que pariu. como dói.
1º Homem: vou morrer. (morre)
Anjo esfarrapado: (surgindo em meio a um esporro total)
vá tomar no cu a morte e a mãe dela. mais um na ratoeira.
2º Homem: os anjos andam muito duros. no hemisfério sul
são meio caolhos. até aqui tudo bem.
(Pano exageradamente devagar)
Afonso Henriques Neto
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