POLÍTICAS VITAIS
(...) Há muitos doutores e eruditos que nos
convidam a um olhar científico asseptizado, verdadeiros loucos
também, paranóicos. É preciso resistir às duas armadilhas, a que nos
arma o espelho dos contágios e das identificações, a que nos indica o
olhar do entendimento. Nós só podemos agenciar entre os
agenciamentos. Só temos a simpatia para lutar, e para escrever, dizia
Lawrence. Mas a simpatia não é nada, é um corpo a corpo, odiar o que
ameaça e infecta a vida, amar lá onde ela prolifera (nada de posteridade
nem de descendência, mas uma proliferação...). Não, diz Lawrence, vocês
não são o pequeno esquimó que passa, amarelo e gorduroso, vocês não
têm que se tomar por ele. Mas talvez vocês tenham algo a ver com ele,
vocês têm algo para agenciar com ele, um devir-esquimó que não
consiste em se passar pelo esquimó, a imitar ou em se identificar, em
assumir o esquimó, mas em agenciar alguma coisa entre ele e vocês – pois
vocês só podem se tornar esquimó se o próprio esquimó se tornar outra
coisa. O mesmo acontece com os loucos, com os drogados, com os
alcoólatras. Há quem faça objeção: com sua miserável simpatia, você se
serve dos loucos, faz o elogio da loucura, e depois os deixa de lado,
permanece sobre a margem... Não é verdade. Tentamos extrair do amor
toda posse, toda identificação, para nos tornarmos capazes de amar.
Tentamos extrair da loucura a vida que ela contém, odiando, ao mesmo
tempo, os loucos que não param de fazer essa vida morrer, de voltá-la
contra si mesma. Tentamos extrair do álcool a vida que ele contém, sem
beber: a grande cena da embriaguez com água pura, em Henry Miller.
Abster-se do álcool, da droga, da loucura, é isso o devir, o devir-sóbrio para uma vida cada vez mais rica.
(...)
G.Deleuze e C. Parnet in Diálogos
Nenhum comentário:
Postar um comentário