NADA DE NOVO SOB O SOL
(...) Mesmo deixando de lado a experiência histórica, que nos demonstra que
nunca uma classe privilegiada despojou-se, total ou parcialmente, de seus
privilégios e que nunca um governo abandonou o poder sem ser obrigado a fazê-
lo pela força, os fatos contemporâneos bastam para convencer quem quer que
seja de que os governos e os burgueses procuram usar a força material para sua
defesa, não somente contra a expropriação total, mas contra as mínimas
reivindicações populares, e estão sempre prontos a recorrer às perseguições mais
atrozes, aos massacres mais sangrentos.
Ao povo que quer se emancipar, só resta uma saída: opor violência a violência.
Disso resulta que devemos trabalhar para despertar nos oprimidos o vivo
desejo de uma transformação radical da sociedade, e persuadi-los de que, unindo-se possuem a força de vencer. Devemos propagar nosso ideal e preparar as
forças morais e materiais necessárias para vencer as forças inimigas e organizar a
nova sociedade. Quando tivermos força suficiente, deveremos, aproveitando as
circunstâncias favoráveis que se produzirão, ou que nós mesmos provocaremos,
fazer a revolução social: derrubar pela força o governo, expropriar pela força os
proprietários, tornar comuns os meios de subsistência e de produção, e impedir
que novos governantes venham impor sua vontade e opor-se à reorganização
social, feita diretamente pelos interessados.
Tudo isso é, entretanto, menos simples do que parece à primeira vista.
Relacionamo-nos com os homens tais como são na sociedade atual, em
condições morais e materiais muito desfavoráveis; e nos enganaríamos ao pensar
que a propaganda é suficiente para elevá-los ao nível de desenvolvimento
intelectual e moral necessário à realização de nosso ideal.
Entre o homem e a ambiência social há uma ação recíproca. Os homens
fazem a sociedade tal como é, e a sociedade faz os homens tais como são,
resultando disso um tipo de círculo vicioso: para transformar a sociedade é preciso
transformar os homens, e para transformar os homens é preciso transformar a
sociedade.
A miséria embrutece o homem e, para destruir a miséria, é preciso que os
homens possuam a consciência e a vontade. A escravidão ensina os homens a
serem servis, e para se libertar da escravidão é preciso homens que aspirem à
liberdade. A ignorância faz com que os homens não conheçam as causas de seus
males e não saibam remediar esta situação; para destruir a ignorância, seria
necessário que os homens tivessem tempo e meios de se instruírem.
O governo habitua as pessoas a sofrerem a lei e a crerem que ela é necessária
à sociedade; para abolir o governo é preciso que os homens estejam persuadidos
da inutilidade e da nocividade dele.
Como sair deste impasse?
(...)
Errico Malatesta in Escritos Revolucionários - programa anarquista, 1903
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