quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

UMA CONVERSA: PARA QUE SERVE?

A filosofia está penetrada pelo projeto de tornar-se a língua oficial de um puro Estado. O exercício do pensamento se conforma, assim, com os objetivos do Estado real, com significações dominantes como com as exigências da ordem estabelecida. Nietzsche disse tudo sobre esse ponto em Schopenhauer educador. O que é esmagado e denunciado como nocivo é tudo o que pertence a um pensamento sem imagem, o nomadismo, a máquina de guerra, os devires, as núpcias contra natureza, as capturas e os roubos, os entre-dois-reinos, as línguas menores ou as gagueiras na língua etc. Certamente, outras disciplinas que não a filosofia e sua história podem desempenhar esse papel de repressor do pensamento. Pode-se até mesmo dizer, hoje, que a história da filosofia fracassou, e que "o Estado não precisa mais da sanção da filosofia". Amargos concorrentes, porém, já tomaram o lugar. A epistemologia substituiu a história da filosofia. O marxismo braniu um julgamento da história ou até mesmo um tribunal do povo que são, antes de tudo, mais inquietantes que os outros. A psicanálise ocupa-se cada vez mais da função "pensamento", e não é à toa que se casa com a lingüística. São os novos aparelhos de poder no próprio pensamento, e Marx, Freud, Saussure compõem um curioso Repressor de três cabeças, uma língua dominante maior. Interpretar, transformar, enunciar são as novas formas de idéias "justas". Até mesmo o marcador sintático de Chomsky é, antes, um marcador de poder. A lingüística triunfou ao mesmo tempo que a informação se desenvolvia como poder, e impunha sua imagem da língua e do pensamento, conforme à transmissão das palavras de ordem e à organização das redundâncias. Não tem realmente muito sentido se perguntar se a filosofia está morta, quando muitas outras disciplinas retomam sua função. Não reclamamos direito algum à loucura, tanto a loucura passa pela psicanálise e pela lingüística reunidas, quanto está penetrada por idéias justas, por uma forte cultura ou por uma história sem devir, quanto ela tem seus palhaços, seus professores e seus pequenos chefes.
(...)
G. Deleuze e C. Parnet in Diálogos

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