UMA CONVERSA: PARA QUE SERVE?
A filosofia está penetrada pelo projeto de tornar-se a
língua oficial de um puro Estado. O exercício do pensamento se conforma,
assim, com os objetivos do Estado real, com significações dominantes como
com as exigências da ordem estabelecida. Nietzsche disse tudo sobre esse
ponto em Schopenhauer educador. O que é esmagado e denunciado como
nocivo é tudo o que pertence a um pensamento sem imagem, o
nomadismo, a máquina de guerra, os devires, as núpcias contra
natureza, as capturas e os roubos, os entre-dois-reinos, as línguas menores
ou as gagueiras na língua etc. Certamente, outras disciplinas que não a
filosofia e sua história podem desempenhar esse papel de repressor do
pensamento. Pode-se até mesmo dizer, hoje, que a história da filosofia
fracassou, e que "o Estado não precisa mais da sanção da filosofia".
Amargos concorrentes, porém, já tomaram o lugar. A epistemologia
substituiu a história da filosofia. O marxismo braniu um julgamento da
história ou até mesmo um tribunal do povo que são, antes de tudo, mais
inquietantes que os outros. A psicanálise ocupa-se cada vez mais da função
"pensamento", e não é à toa que se casa com a lingüística. São os novos
aparelhos de poder no próprio pensamento, e Marx, Freud, Saussure
compõem um curioso Repressor de três cabeças, uma língua dominante
maior. Interpretar, transformar, enunciar são as novas formas de idéias
"justas". Até mesmo o marcador sintático de Chomsky é, antes, um
marcador de poder. A lingüística triunfou ao mesmo tempo que a
informação se desenvolvia como poder, e impunha sua imagem da língua e
do pensamento, conforme à transmissão das palavras de ordem e à
organização das redundâncias. Não tem realmente muito sentido se perguntar se a filosofia está morta, quando muitas outras disciplinas
retomam sua função. Não reclamamos direito algum à loucura, tanto a
loucura passa pela psicanálise e pela lingüística reunidas, quanto está
penetrada por idéias justas, por uma forte cultura ou por uma história sem
devir, quanto ela tem seus palhaços, seus professores e seus pequenos
chefes.
(...)
G. Deleuze e C. Parnet in Diálogos
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