FAZER, FAZER, FAZER
CADERNOS: Você poderia esclarecer melhor o que é a realização do poético no plano conceitual?
Raduan: Não tem muito que esclarecer. Em todo caso, veja esses dois versos do Jorge de Lima que já citei à exaustão: "Há sempre um copo de mar / para um homem navegar". As palavras empregadas são do quotidiano, a rima é comum, a sintaxe não poderia ser mais simples. Mas são dois versos generosos para a imaginação. Ou a descoberta que o personagem do Ibsen revela para a mulher em Um inimigo do povo: "O homem mais forte é o que está mais só". Uma afirmação sem qualquer artifício no seu enunciado, de que você pode inclusive discordar, mas que é fascinante no contexto da peça. E segura essa: "Desisti de escrever porque há um excesso de verdade no mundo", uma afirmação do Otto Rank, que o Abbate me deu de presente quando abandonei a literatura.
CADERNOS: São frases de efeito as duas últimas.
Raduan: Frases de efeito também fazem literatura, ou não? Aliás, só pra completar, acredito que a boa prosa tenha sido sempre poética. Porque existe também a arte que se constrói com significados, e que se nutre no mundo inesgotável da semântica. Parte da crítica talvez tenha diminuído o conceito de estilo na literatura ao identificá-lo só no nível da casca. Kafka, que se valeu de um registro realista de linguagem, tem um estilo forte. Durrenmatt, a mesma coisa. Alguns dos seus textos nos jogam pro espaço. De Dostoiévski, dizem até que ele escrevia mal em russo. As leituras que nos acompanham a vida toda foram as dos artistas dos significados. Poucas vezes eles trabalharam a frase com artifícios visíveis demais, mas são deles as nossas leituras inesquecíveis. Mas essas coisas que estou te dizendo são digressões datadas, que você deve situar no meu tempo de paixão pela literatura. Minha cabeça hoje não está mais aí, que achem que quiserem, se me ne frego. Aliás, com esse papo você está é me fazendo um coveiro de mim mesmo, o coveiro que desenterra a própria ossada, estou até me sentindo mal falando dessas coisas.
(...)
Trecho de entrevista com Raduan Nassar no Blog do IMS, concedida ao Cadernos de Literatura Brasileira em 27/11/2015.
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