domingo, 28 de fevereiro de 2016

Há uma hora certa, 
no meio da noite, uma hora morta, 
em que a água dorme. 

Todas as águas dormem: 
no rio, na lagoa, 
no açude, no brejão, nos olhos d'água, 
nos grotões fundos 
E quem ficar acordado, 
na barranca, a noite inteira, 
há de ouvir a cachoeira 
parar a queda e o choro, 
que a água foi dormir... 

Águas claras, barrentas, sonolentas, 
todas vão cochilar. 
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas, 
fios brancos, torrentes. 

O orvalho sonha 
nas placas da folhagem 
e adormece. 
Até a água fervida, 
nos copos de cabeceira dos agonizantes... 

Mas nem todas dormem, nessa hora 
de torpor líquido e inocente. 
Muitos hão de estar vigiando, 
e chorando, a noite toda, 
porque a água dos olhos 
nunca tem sono...


Guimarães Rosa

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