GRANDEZA DE PRIGOGINE II
(...) A física do não-equilíbrio estuda os processos dissipativos, caracterizados por um tempo unidirecional, o que confere nova significação à irreversibilidade. A irreversibilidade está na base de um sem-número de fenômenos como a formação de turbilhões, de oscilações químicas ou da radiação laser. Todos esses fenômenos ilustram o papel fundamental da constituição da flecha do tempo. A irreversibilidade é uma condição essencial de comportamentos coerentes em populações de bilhões de bilhões de moléculas. A tese de que a flecha do tempo é apenas subjetiva ou fenomenológica vai se tornando absurda, na medida em que somos seus filhos: sem a coerência dos processos irreversíveis de não-equilíbrio, o aparecimento da vida na Terra seria inconcebível. Através dos sistemas dinâmicos instáveis, reconhece-se a função primordial das flutuações e da instabilidade, associadas a essas noções aparecem as escolhas múltiplas e os horizontes de previsibilidade limitada. Os sistemas dinâmicos instáveis levam também a uma extensão da dinâmica clássica e da física quântica e, a partir daí, a uma formulação nova das leis fundamentais da física. Tanto na dinâmica clássica quanto na física quântica, as leis fundamentais exprimem agora possibilidades e não certezas. Temos leis, mas também eventos que não são dedutíveis das leis, que atualizam as suas possibilidades.
As leis enunciadas pela física não têm como objetivo negar o devir em nome do ser, elas visam a descrever mudanças, os movimentos caracterizados por uma velocidade que varia ao longo do tempo, no entanto, seu enunciado constitui um triunfo do ser sobre o devir. O exemplo por excelência da lei de Newton que liga a força à aceleração: se conhecemos as condições iniciais de um sistema submetido a essa lei, seu estado num instante qualquer, calcula-se todos os estados seguintes, bem como todos os estados precedentes. Sabe-se que a física newtoniana foi destronada no século XX pela mecânica quântica e pela relatividade, embora sobrevivam os traços fundamentais da lei de Newton (seu determinismo, sua simetria temporal). A mecânica quântica não descreve trajetórias, mas funções de onda, cuja equação de base, a de Schrödinger, também é de determinista e de tempo reversível. Representam-se as leis da natureza, então, uma vez que as condições iniciais são dadas, tudo será determinado. Mas a concepção de uma natureza passiva, submetida a leis deterministas é uma especificidade do Ocidente. Enfim, enquanto os processos reversíveis são descritos por equações de evolução invariantes à inversão do tempo, como a equação de Newton na dinâmica clássica e a de Schrödinger na mecânica quântica, os processos irreversíveis implicam uma quebra da simetria temporal.
A natureza apresenta-nos tanto processos irreversíveis quanto processos reversíveis, mas os primeiros são a regra e os segundos, exceção. Se a radiação solar é resultado de processos nucleares irreversíveis, nenhuma descrição da ecosfera seria possível sem os inúmeros processos irreversíveis que nela se desenrolam. Os processos reversíveis correspondem, em compensação, sempre a idealizações. A distinção entre processos reversíveis e irreversíveis foi introduzida na termodinâmica através do conceito de entropia, que Clausius, em 1865, estabeleceu que a entropia permaneça constante nos processos reversíveis, mas a entropia é produzida nos processos irreversíveis. O crescimento da entropia, pois designa a direção do futuro. Nas situações próximas do equilíbrio, o estado estacionário corresponde a um mínimo da produção de entropia. No equilíbrio, a produção de entropia é nula. Esta propriedade garante a regressão das flutuações. Longe do equilíbrio, a matéria adquire novas propriedades em que as flutuações, as instabilidades desempenham um papel essencial: a matéria torna-se mais ativa.
(...)
Ilya Prigogine in O fim das Certezas
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