Este blog busca problematizar a Realidade mediante a expressão de linhas múltiplas e signos dispersos.
domingo, 30 de abril de 2017
SONETO BLOCADO
Dizer não tudo, que isso não se faz,
nem nada, o que seria impossível;
dizer apenas tudo que é demais
pra se calar e menos que indizível.
Dizer apenas o que não dizer
seria uma espécie de mentira:
falar, não por falar, mas pra viver,
falar (ou escrever) como quem respira.
Dizer apenas o que não repita
a textura do mundo esvaziado:
escrever, sim, mas escrever com tinta;
pintar, mas não como aquele que pinta
de branco o muro que já foi caiado;
escrever, sim, mas como quem grafita.
Paulo Henriques Britto
MACONHA TRATA
A Câmara dos Deputados do México autorizou o uso medicinal e científico da maconha no país ao aprovar, com 301 votos a favor, 88 contra e duas abstenções, as mudanças do Senado à Lei Geral de Saúde e ao Código Penal Federal.
A reforma elimina a proibição e penalização pelo uso medicinal da maconha e a pesquisa científica, assim com os derivados de sua produção e distribuição com esses fins, informou o Legislativo em um comunicado.
(...)
El País, Cidade do México, 29/04/2017, 13:56 hs
O JOGO DA VIDA
Consideramos o futebol um esporte singular. Arrasta multidões, movimenta paixões como nenhum outro esporte. Sem considerar os aspectos extra-esportivos (econômicos, políticos, sociais etc) eis algumas obervações.1-Ele é trágico (intrinsecamente alegre), ou seja, encarna o imprevisível, o inesperado, a surpresa... Daí as famosas zebras e o personagem de Nelson Rodrigues "O Sobrenatural de Almeida". Aos 49 min. do 2º tempo a bola bateu nas duas traves, passou por trás do goleiro e não entrou. Ou a constatação (por vezes, dolorosa) de que nem sempre ganha o melhor. 2- O futebol trabalha basicamente (exceto o goleiro) com os pés, órgão do corpo que não possue a mesma precisão motora das mãos. 3-Algumas de suas regras são imprecisas, de difícil aplicação no tempo da jogada. Dois exemplos: a falta e o impedimento. Jornalistas idiotas passam horas discutindo o penalty que o juiz não marcou num segundo que teve para decidir... 4-Como consequência do ítem anterior, o juiz tende a errar muito, sendo chamado e confundido com o "juiz ladrão"; 5- No entanto, esse personagem ("juiz ladrão") existe de fato, ao ponto de Nélson Rodrigues "defender" a sua "eterna"presença numa partida de futebol. 6- O futebol é plástico, coreográfico, artístico, o que o coloca para além do aprimoramento da técnica e/ou da profissionalização estrita. Romário disse que nunca foi um atleta... 7- Tomando por base as equipes que vencem, afirmamos que ele é basicamente coletivo, ainda que uma jogada individual possa decidir o jogo. É que essa jogada individual necessita de um solo firme para nascer. Este"solo firme" pode ser, por exemplo, um volante que funciona apenas tomando a bola do adversário e passando-a para o "gênio". Quem é mais importante? 8-Numa partida há oscilações de ritmo, produtividade, humor, que contaminam todo o time. Fatores relacionais ( entre companheiros, entre companheiros e adversários, entre o juiz e os jogadores) escapam à observação do torcedor. Isso, claro, acontece em outros esportes, mas no futebol há uma irrupção do novo: " aquela expulsão mudou o rumo do jogo" 9- No contexto anterior,ocorrem"tempos mortos", ou seja, momentos em que nada parece acontecer. A partida se arrasta, se arrasta, quando, de repente... 10- Por fim, tudo que foi dito acima não existiria sem um território coletivo de intensidades móveis: a loucura encarnada na torcida.
A.M.
QUEREM ARRANCAR A ESSÊNCIA DO FUTEBOL
Na sociedade em que vivemos, a ocorrência de manifestações atrabiliárias, que beiram a sandice, se tornaram corriqueiras e recorrentes, mas às vezes alguns são capazes de superá-las. Uma espécie de salto quântico da burrice. Refiro-me a decisão de torcida única nos estádios baianos. Neste caso, o Ministério Público, ao invés de defender o direito difuso, promoveu o direito confuso e obtuso!
Torcida única é um verbete inexistente e impróprio no dicionário do futebol. Se existem TORCIDAS, é exatamente porque não são únicas, expressam a pluralidade e a diversidade da paixão pelas cores e craques que frequentam o imaginário coletivo, desde os primeiros anos de vida, quando somos imperativamente vestidos com as preferências de pais, mães e parentes; por vez nos rebelamos, por outras somos levados a desfraldar a bandeira que nos marcará pelo resto de nossas vidas.
Torcedor é a essência desse esporte mundial, o coração que pulsa nos noventa minutos que decidem a nossa alegria ou tristeza, por dias e semanas. Pois bem! Já não bastassem as garras da indústria do capitalismo no futebol, que esvaziou os estádios para garantir as polpudas e concentradas verbas da publicidade televisiva, agora resolveram combater a violência eliminando o que restava de alma nos estádios - as torcidas.
A fórmula dessa sandice é sitiar os estádios com uma "única" torcida, muito parecida com a história do português que encontrou a gaja refestalando-se no sofá da sala com o melhor amigo e tomou a douta providência - jogou o sofá fora. Antevejo o que virá em seguida como solução para a violência em Salvador, Bahia ou Brasil. Os bairros e cidades com maiores índices de violência terão vizinhança única! Ninguém sai do bairro para não contaminar o outro!
Já perdemos parte das nossas praças e espaços de convivência para a marginalidade; trancafiamos nossas crianças e jovens em escolas com muros cada vez mais altos, assim como fazemos nos nossos "condomínios", que deveriam se chamar "barricadas urbanas"; fechamos os acessos a diversas praias paradisíacas do nosso litoral, e agora o Ministério Público da Santa Inquisição resolve impedir as torcidas de frequentar os estádios, pouco do que nos restava da convivência alegre e descontraída de gente que vem de todos os cantos e recantos de Salvador, para abraçar e xingar uns aos outros, uma catarse deliciosa e necessária de quem ama o futebol.
A violência nos estádios, aqui na Bahia uma raridade, é um traço paradigmático da civilização que construímos alicerçada na antítese da convivência - o individualismo exacerbado, o egoísmo sem fronteiras, a ambição desmesurada, o isolamento ensurdecedor da virtualidade das relações humanas.
Nunca precisamos tanto de CON-VIVER como nos dias atuais. E o papel do Estado e de suas instituições reguladoras e formadoras - a escola , o trabalho, a família, a polícia , o Ministério Público inclusive, é fomentar estratégias de encontros, promover vínculos e pontes que RE-APROXIMEM os seres humanos, combatendo todo tipo de segregação e xenofobia. Não o contrário.
A cidade é um pacto de convivência, medidas sitiadoras e segregadoras como essa, aprofundam a ruptura do tecido social, é uma regressão aos atavismos mais primitivos da nossa história civilizatória. É uma exortação à barbárie.
Torcidas mistas nos estádios, isso sim é educativo e civilizatório, um sucesso em qualquer parte do mundo.
Num momento em que os governos locais atentam para o fim das cordas no carnaval, para a retomada das ruas pela "pipoca", sitiar os estádios com torcida única é uma estupidez digna de quem imagina controlar a violência com um decreto de gabinete.
A cidadania baiana precisa se levantar contra isso!
Ney Campello - torcedor pacífico de estádios cheios de gente de cores diferentes.
sábado, 29 de abril de 2017
SEGREDOS DE PALOCCI
O ex-ministro Antonio Palocci é um pote até aqui de mágoa. Na última semana, movido por esse sentimento que o consome desde setembro de 2016, quando foi preso em Curitiba, o homem forte dos governos Lula e Dilma deu o passo definitivo rumo à delação premiada: contratou o advogado Adriano Bretas, conhecido no mercado por ter atuado na defesa de outros alvos da Lava Jato que decidiram, como Palocci, romper o silêncio. Lhano no trato, embora dono de temperamento mercurial quando seus interesses são contrariados, o ex-ministro resolveu abrir o baú de confidências e detalhar aos procuradores todo arsenal de informações acumulado por ele durante as últimas duas décadas, em que guardou os segredos mais recônditos do poder e nutriu uma simbiótica relação com banqueiros e empresários. “Fiz favor para muita gente. Não vou para a forca sozinho”, desabafou Palocci a interlocutores.
ISTOÉ conversou nos últimos dias com pelo menos três fontes que participaram das tratativas iniciais para a colaboração premiada e ouviram de Palocci o que ele está disposto a desnudar, caso o acordo seja sacramentado. Das conversas, foi possível extrair o roteiro de uma futura delação, qual seja:
> Palocci confirmará que, sim, é mesmo o “Italiano” das planilhas da Odebrecht e detalhará o destino de mais de R$ 300 milhões recebidos da empreiteira em forma de propina, dos quais R$ 128 milhões são atribuídos a ele.
> Contará como, quando e em quais circunstâncias movimentou os R$ 40 milhões de uma conta-propina destinada a atender as demandas de Lula. Atestará que, do total, R$ 13 milhões foram sacados em dinheiro vivo para o ex-presidente petista. Quem sacou o dinheiro e entregou para Lula foi um ex-assessor seu, o sociólogo Branislav Kontic. Palocci se compromete a detalhar como eram definidos os encontros de Kontic com Lula. Havia, por exemplo, uma senha, que apenas os três sabiam.
> Dirá que parte da propina que irrigou essa conta foi resultado de um acerto celebrado entre ele e Lula durante a criação da Sete Brasil, no ano de 2010. O ex-presidente teria ficado com 50% da propina. Um total de R$ 51 milhões.
> Está empenhado em revelar como foi o processo de obtenção dos R$ 50 milhões para a campanha de Dilma, num negócio fechado entre o PT e a Odebrecht, com a ajuda de Lula e do ex-ministro Guido Mantega. E mostrará como Dilma participou das negociatas e teve ciência do financiamento ilegal.
> Afirmará que a consultoria Projeto foi usada também para recebimento de propinas. Indicará favorecidos. Comprometeu-se ainda a entregar o número de contas no exterior que foram movimentadas por esse esquema.
> Pretende mostrar como empresas e instituições financeiras conseguiram uma série de benefícios dos governos petistas, como isenção ou redução de impostos, facilidades junto ao BNDES, renegociação de dívidas tributárias, etc.
Palocci sabe que uma chave está em suas mãos. Com ela, pode abrir as fechaduras da cela onde está detido, no frio bairro de Santa Cândida, na carceragem da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Para ajudar a desvendar o megaesquema de corrupção na Petrobras, a memória do ex-ministro da Fazenda de Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma será colocada à prova. Ele tem informações que podem explicar como, a partir do início do governo do ex-presidente Lula, organizações criminosas foram montadas para sustentar politicamente o PT, o PMDB e o PP e mantê-los no poder. Tudo à base de propina, dizem os investigadores da Operação Lava Jato, que serviram também para enriquecimento pessoal.
(...)
Germano Oliveira e Eduardo Militão, Isto É, 28/04/2017, 18:00 hs
Infância
e jogava o pião com Deus
enquanto minha mãe estendia roupa
e o meu pai mendigava o pão
e minha alegria nesse tempo
era muito próxima da dos meninos
e de Deus que ganhava sempre
e não sei quem perdi primeiro:
o pião ou Deus
apenas sei que Deus continua
a jogar com outros meninos
e que no Outono quando saio à praça
nos sentamos e falamos muito
do suave rodopiar das folhas
Daniel Faria
sexta-feira, 28 de abril de 2017
CIFRAS GELADAS
Nesta sexta-feira conturbada o IBGE deu à luz um dado horripilante: a quantidade de desempregados no Brasil atingiu a constrangedora marca de 14,2 milhões de pessoas no trimestre fechado em março. É para esse público, maior do que toda a população de um país como Portugal, que reformadores e antirreformistas dizem dedicar suas energias.
Deve-se a ruína à gestão empregocida de Dilma Rosseff. Seu vice chamava-se Michel Temer. Tudo mudou na transiçao de uma para o outro, exceto o PMDB, que continua no seu habitat natural: a vizinhança dos cofres públicos. Defensores e opositores das reformas prometem a Renascença. Mas tudo o que o país conseguiu, por ora, foi enviar 14,2 milhões de patrícios para a Idade Média.
Socialistas e liberais defendem com a competência usual seus pontos de vista. Se perguntarem a um brasileiro mais simples o que acha de tantos conceitos complexos, ouvirão o seguinte: “Tudo o que se diz é muito impressionante. Mas eu ainda prefiro um emprego que me permita encher a geladeira".
Blog do Josias de Souza,28/04/2017, 19:28 hs
ELE VAI ABRIR A PORTA DO INFERNO
Enquanto negocia um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal no âmbito da Operação Lava Jato, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque informou ao juiz federal Sergio Moro nesta quinta-feira que vai, enfim, falar ao magistrado em um depoimento.
Preso desde fevereiro de 2015 e já condenado a 57 anos e sete meses anos de prisão por Moro em quatro processos, Duque permaneceu calado em todas as oitivas a que compareceu. Ele falará ao juiz como réu na ação penal que tem entre os acusados o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antonio Palocci, o marqueteiro João Santana e o empreiteiro Marcelo Odebrecht e outras 11 pessoas.
No ofício encaminhado hoje a Moro, assinado pelos advogados Antonio Figueiredo Basto, Maria Francisca Nedeff Santos e Luiz Gustavo Rodrigues Flores, além do próprio Duque, o ex-diretor da Petrobras afirma que “de forma espontânea e sem quaisquer reservas mentais, pretende exercer o direito de colaborar com a Justiça nos temos do artigo 1º parágrafo 5º da Lei 9.613/98, para tanto requer seja designado por V. Exª data para que seja submetido a novo interrogatório”.
A lei mencionada pelo ofício de Duque é a que rege as delações premiadas. Isso significa que ele pretende, mesmo sem ter acordo firmado com os investigadores do Ministério Público Federal, obter redução de pena com o depoimento.
(...)
João Pedroso de Campo, Veja.com, 27/04/2017, 2036 hs
quinta-feira, 27 de abril de 2017
quarta-feira, 26 de abril de 2017
SONETO INGLÊS
A surpresa do amor — quando já não se
espera do mundo nada em especial,
e a evidência de que os anos vão se
acumulando sem nenhum sinal
de sentido já não dói nem comove —
quando em matéria de felicidade
não se deseja mais que uns nove
metros quadrados de privacidade
para abrigar os prazeres amenos
do sexo fácil e da literatura
difícil — eis que então, sem mais nem menos,
como quem não quer nada, surge a cura —
definitiva, radical, imensa —
do que nem parecia mais doença.
Paulo Henriques Britto
A surpresa do amor — quando já não se
espera do mundo nada em especial,
e a evidência de que os anos vão se
acumulando sem nenhum sinal
de sentido já não dói nem comove —
quando em matéria de felicidade
não se deseja mais que uns nove
metros quadrados de privacidade
para abrigar os prazeres amenos
do sexo fácil e da literatura
difícil — eis que então, sem mais nem menos,
como quem não quer nada, surge a cura —
definitiva, radical, imensa —
do que nem parecia mais doença.
Paulo Henriques Britto
terça-feira, 25 de abril de 2017
LULATRIA
Em um eloquente discurso para petistas durante um seminário sobre economia em Brasília, nesta segunda-feira, Lula disse que está com “vontade de brigar”, que na disputa eleitoral do ano que vem vai defender seu legado apresentando propostas melhores do que as que marcaram os Governos petistas e cobrou a eleição de parlamentares diferentes dos que foram eleitos em 2014. O atual Congresso Nacional é considerado um dos mais conservadores das últimas décadas e foi o responsável por aprovar o impeachment de Dilma Rousseff (PT), a impopular sucessora e afilhada política de Lula na presidência.
(...)
Afonso Bentes, El País, 24/04/2017,22:09 hs
O QUE PODERÁ MUDAR
A reforma trabalhista proposta pelo governo, que será votada ainda nesta terça-feira (25) na Comissão Especial da Câmara dos Deputados e posteriormente pelo plenário da Câmara na quarta e quinta-feira, 26 e 27, tem despertado grandes debates na sociedade.
Pela proposta do relator, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), haverá a adoção da arbitragem, o fortalecimento da negociação coletiva e outras soluções extrajudiciais para resolução de conflitos.
Acordo entre patrões e empregados vale mais
Ficarão acima da legislação vigente os acordos entre as partes, sobrepondo-se portanto à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) criada em 1943, sancionada pelo presidente Getúlio Vargas. A ideia é atualizar as relações de trabalho e modernizá-las, segundo o relator, em função das mudanças nas últimas décadas. Na pratica, isto significa que banco de horas, férias, plano de cargos e salários são assuntos que podem ser negociados acima da lei, de comum acerto entre as partes.
Trabalho Intermitente
O texto do relator cria o trabalho intermitente, pago por hora trabalhada em vez de jornadas tradicionais prescritas na CLT. Neste caso, a empresa terá que avisar o trabalhador que precisará dos seus serviços com cinco dias de antecedência. É o típico caso de bares, restaurantes e casas noturnas, que fazem contratação sem horários fixos de trabalho. Atualmente a CLT prevê apenas a contratação parcial.
Jornada de Trabalho
Empregador e trabalhador poderão negociar a carga horária em um limite de até 12 horas por dia e 48 horas por semana. A jornada de 12 horas, entretanto, só poderá ser realizada desde que seguida por 36 horas de descanso.
Férias
A proposta prevê o parcelamento das férias em até três vezes, com pagamento proporcional aos respectivos períodos. A ressalva é que uma das frações deve corresponder a ao menos duas semanas de trabalho. Hoje, a CLT prevê jornada máxima de 44 horas semanais e as férias podem ser divididas apenas em dois períodos, nenhum deles inferior a dez dias.
Horas extras
A legislação atual considera trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não passe de 25 horas semanais. Pela lei atual é proibida a realização de hora extra no regime parcial. A proposta do governo aumenta essa carga para 30 horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares por semana. Também passa a considerar trabalho em regime parcial aquele que não passa de 26 horas por semana, com a possibilidade de seis horas extras semanais.
Banco de Horas
Se o banco não for compensado em no máximo seis meses, as horas terão que ser pagas como extras, ou seja, com um adicional de 50%, como prevê a Constituição. O texto também atualiza a CLT, que previa um adicional de 20% para o pagamento das horas extras, para 50%, como está previsto na Constituição.
Sindicatos
A reforma mexe com o poder dos sindicatos. Pela proposta, o imposto sindical fica extinto e passa a ser opcional. Hoje, uma vez ao ano, é descontado o equivalente a um dia de salário do trabalhador. O texto ainda prevê que os sindicatos não mais farão a homologação em casos de demissão.
Programa de seguro-emprego
Trabalhadores e empregadores, de acordo com o projeto de lei, deverão decidir juntos sobre a entrada no Programa de Seguro-Emprego (PSE).
Home Office
Regras sobre o trabalho por telefone, Internet e smartphone ficarão nas mãos de trabalhadores e empregadores, de acordo com o projeto. Em outras palavras, negociação entre as partes, soberana.
Trabalho terceirizado
O texto do relator prevê uma quarentena que impede que o empregador demita um trabalhador efetivo para recontratá-lo como terceirizado em menos de 18 meses. Além disso, um trabalhador terceirizado deverá ter as mesmas condições de trabalho dos efetivos de uma mesma empresa.
Carlos Dias, Isto É Dinheiro, 25/04/2017, 15:37 hs
A imprensa brasileira sempre foi canalha. Eu acredito que se a imprensa brasileira fosse um pouco melhor poderia ter uma influência realmente maravilhosa sobre o País. Acho que uma das grandes culpadas das condições do País, mais do que as forças que o dominam politicamente, é nossa imprensa. Repito, apesar de toda a evolução, nossa imprensa é lamentavelmente ruim. E não quero falar da televisão, que já nasceu pusilânime.
Millôr Fernandes
PAISAGENS DESCONHECIDAS
(...)
O segundo círculo é o do amor. O encontro Charlus-Jupien leva o leitor a assistir à mais prodigiosa troca de signos. Apaixonar-se é individualizar alguém pelos signos que traz consigo ou emite. É tornar-se sensível a esses signos, aprendê-los (como a lenta individualização de Albertina no grupo das jovens). É possível que a amizade se nutra de observação e de conversa, mas o amor nasce e se alimenta de interpretação silenciosa. O ser amado aparece como um signo, uma "alma": exprime um mundo possível, desconhecido de nós. O amado implica, envolve, aprisiona um mundo, que é preciso decifrar, isto é, interpretar. Trata-se mesmo de uma pluralidade de mundos; o pluralismo do amor não diz respeito apenas à multiplicidade dos seres amados, mas também à multiplicidade das almas ou dos mundos contidos em cada um deles. Amar é procurar explicar, desenvolver esses mundos desconhecidos que permanecem envolvidos no amado. É por essa razão que é tão comum nos apaixonarmos por mulheres que não são do nosso "mundo", nem mesmo do nosso tipo. Por isso, também as mulheres amadas estão muitas vezes ligadas a paisagens que conhecemos tanto a ponto de desejarmos vê-las refletidas nos olhos de uma mulher, mas que se refletem, então, de um ponto de vista tão misterioso que constituem para nós como que países inacessíveis, desconhecidos: Albertina envolve, incorpora, amalgama "a praia e a impetuosidade das ondas". Como poderíamos ter acesso a uma paisagem que não é mais aquela que vemos, mas, ao contrário, aquela em que somos vistos? "Se me vira, que lhe poderia eu significar? Do seio de que universo me distinguia ela?"
(...)
G. Deleuze in Proust e os Signos
(...)
O segundo círculo é o do amor. O encontro Charlus-Jupien leva o leitor a assistir à mais prodigiosa troca de signos. Apaixonar-se é individualizar alguém pelos signos que traz consigo ou emite. É tornar-se sensível a esses signos, aprendê-los (como a lenta individualização de Albertina no grupo das jovens). É possível que a amizade se nutra de observação e de conversa, mas o amor nasce e se alimenta de interpretação silenciosa. O ser amado aparece como um signo, uma "alma": exprime um mundo possível, desconhecido de nós. O amado implica, envolve, aprisiona um mundo, que é preciso decifrar, isto é, interpretar. Trata-se mesmo de uma pluralidade de mundos; o pluralismo do amor não diz respeito apenas à multiplicidade dos seres amados, mas também à multiplicidade das almas ou dos mundos contidos em cada um deles. Amar é procurar explicar, desenvolver esses mundos desconhecidos que permanecem envolvidos no amado. É por essa razão que é tão comum nos apaixonarmos por mulheres que não são do nosso "mundo", nem mesmo do nosso tipo. Por isso, também as mulheres amadas estão muitas vezes ligadas a paisagens que conhecemos tanto a ponto de desejarmos vê-las refletidas nos olhos de uma mulher, mas que se refletem, então, de um ponto de vista tão misterioso que constituem para nós como que países inacessíveis, desconhecidos: Albertina envolve, incorpora, amalgama "a praia e a impetuosidade das ondas". Como poderíamos ter acesso a uma paisagem que não é mais aquela que vemos, mas, ao contrário, aquela em que somos vistos? "Se me vira, que lhe poderia eu significar? Do seio de que universo me distinguia ela?"
(...)
G. Deleuze in Proust e os Signos
A ARTE NUMA CLÍNICA DA DIFERENÇA EM PSICOPATOLOGIA
É uma arte como produção e não como produto. Daí, não ser uma arte-monumento, tampouco uma arte a ser vendida no Mercado. É uma Arte-estilo, uma Arte-singularidade, uma Arte-diferença. Qualquer problema tido como "mental" possui indicação para um tratamento em que a arte seja incluída. Arte como intensidade do vivido e aumento da potência de existir. Arte que não corresponde a uma leitura racional da existência e sim a uma concepção ético-estética. Não adotamos a chamada arte-terapia (isso cheira à pura técnica manipulatória de mentes ociosas) mas o pensamento-corpo como arte de viver, talvez a mais difícil e intrigante.
A.M.
segunda-feira, 24 de abril de 2017
DEPOIS DA TEMPESTADE
(...)
Voltando aos desastres naturais, sempre me impressionei com os japoneses. Por mais desolador que seja o panorama, esfregam as mãos e reconstroem tudo com rapidez. Pontes que levamos anos para construir no Brasil, consumindo milhões com propinas, reaparecem em semanas, novas, honestas, reluzentes. Bobagem supor que vamos nos comportar exatamente como os japoneses. O peso cultural é acachapante, consome gerações para se transformar. Mas tudo muda.
O Brasil que iniciamos com o movimento das Diretas já não existe mais. Nossa geração de políticos não soube ler os sinais no horizonte.
A delação do fim do mundo é o prenúncio de um novo mundo. Será que agora, escrito em letras garrafais e até com desenhos, finalmente, vamos compreender em que país vivemos?
Fernando Gabeira, 23/04/2017
(...)você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeito, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente.
(...)
Caio Fernando Abreu
domingo, 23 de abril de 2017
Exorbitar amontoar
Vou chamá-la assim a nossa história: nossa história
de amor, que, escrita em mensagens eletrizantes, plasmou-se
em relâmpagos no espelho do velho computador; acredite,
nosso amor que morreu resiste tecnicamente em disquetes
depois de quase todo apagado de nossa memória,
da sua pelo menos,
e sonâmbulo continua, mesmo perdido em montanhas
de nada e nada; viverá assim por centenas de anos;
desaparecerá, portanto, muito tempo depois de nós
próprios termos desaparecido,
nossa história de amor, eternizada no lixo.
Eucanaã Ferraz
ESCRAVOS DA VERDADE
Pensadores como Nietzsche, Foucault, Deleuze, Guattari, entre outros, há tempos escreveram sobre a questão da verdade. E continuam atuais. Num universo midiático e internético, a verdade é produzida de forma rigorosamente científica, circulando sem cessar por entre neurônios amedrontados e produzindo subjetividades em série. Um megacircuito eletrônico de informações/comunicações controla a alma do mundo e a forma da Terra. No fim das contas, mandos e comandos embutidos em imagens-enunciados adentram em todos nós a qualquer hora, em qualquer lugar, sob vagos mas eficazes pretextos. Tal estado de coisas não é um mal em si. Não existe mal em si. A questão maior (como diriam os autores referidos acima) é a do poder. Qual ética? Qual política? Poder sobre a vida. Poder de fazer viver. Ora, você sabe, você bem nasceu e já lhe enfiam crenças que irão alicerçar as condições subjetivas para um bom escravo moderno. For ever.
A.M.
sábado, 22 de abril de 2017
Defesa dos lobos contra os cordeiros
Querem que o abutre coma miosótis?
O que exigem do chacal,
do lobo, que mude de pele? Querem
que ele mesmo extraia seus dentes?
O que é que não apreciam
nos comissários políticos e nos papas,
por que olham, feito burros,
o vídeo mentiroso?
Quem costura a faixa de sangue
nas calças do general? Quem
trincha, diante do agiota, o capão?
Quem pendura orgulhoso, a cruz de lata
sobre o umbigo que ronca de fome? Quem
aceita a propina, a moeda de prata,
o centavo para calar-se? Há
muitos roubados, poucos ladrões; quem
os aplaude, quem
lhes põe insígnias no peito, quem
é sequioso de mentiras?
Olhem-se no espelho: covardes,
temendo a fadiga da verdade,
sem vontade de aprender, entregando
o pensar aos lobos
um anel no nariz como adorno preferido
nenhuma ilusão burra o bastante, nenhum consolo
barato o suficiente, cada chantagem
ainda é clemente demais para vocês.
Ó cordeiros, irmãs
são as gralhas comparadas a vocês:
vocês se arrancam os olhos uns aos outros.
Fraternidade reina
entre os lobos:
andam em alcatéias.
Louvados sejam os salteadores: vocês
convidam para o estupro
deitando-se no leito preguiçoso
da obediência. Mesmo gemendo
vocês mentem. Querem
ser devorados. Vocês
não mudam o mundo.
Hans Magnus Enzensberger
Verteidigung der Wölfe gegen die Lämmer
soll der geier vergissmeinicht fressen?
was verlangt ihr vom schakal,
dass er sich häute, vom wolf? soll
er sich selber ziehen die zähne?
was gefällt euch nicht
an politruks und an päpsten,
was guckt ihr blöd aus der wäsche
auf den verlogenen bildschirm?
wer näht denn dem general
den blutstreif an seine hose? wer
zerlegt vor dem wucherer den kapaun?
wer hängt sich stolz das blechkreuz
vor den knurrenden nabel? wer
nimmt das trinkgeld, den silberling,
den schweigepfennig? es gibt
viel bestohlene, wenig diebe; wer
applaudiert ihnen denn, wer
steckt die abzeichen an, wer
lechzt nach der lüge?
seht in den spiegel: feig,
scheuend die mühsal der wahrheit,
dem lernen abgeneigt, das denken
überantwortend den wölfen,
der nasenring euer teuerster schmuck,
keine täuschung zu dumm, kein trost
zu billig, jede erpressung
ist für euch noch zu milde.
ihr lämmer, schwestern sind,
mit euch verglichen, die krähen:
ihr blendet einer den anderen.
brüderlichkeit herrscht
unter den wölfen:
sie gehen in rudeln.
gelobt sein die räuber: ihr,
einladend zur vergewaltigung,
werft euch aufs faule bett
des gehorsams. winselnd noch
lügt ihr, zerrissen
wollt ihr werden. ihr
ändert die welt nicht.
Hans Magnus Enzensberger
DESCOBRIU A PÓLVORA
“É simplesmente doloroso ver que o Partido dos Trabalhadores do Brasil – que implantou medidas significativas – simplesmente não pôde manter as mãos fora da caixa registradora. Juntou-se à elite extremamente corrupta, que está roubando o tempo todo, e desacreditou-se.” A frase é do linguista e filósofo americano Noam Chomsky, 89 anos, um dos maiores pensadores da esquerda da atualidade. Foi dita em uma de suas últimas entrevistas, dada ao site de notícias Democracy Now, e resume com perfeição a desilusão de parte significativa da esquerda mundial com o partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Aos poucos, assim como seu ícone Chomsky, ela desembarca do projeto PT.
(...)
Cilene Pereira, Isto É, 20/04/2017, 19:00 hs
A autoconfiança do Guerreiro não é a autoconfiança do homem comum. O homem comum procura certeza aos olhos do observador e chama a isso autoconfiança. O Guerreiro procura impecabilidade aos próprios olhos e chama a isso humildade. O homem comum está preso aos seus semelhantes, enquanto o Guerreiro só está preso ao infinito.
(...)
Carlos Castaneda
sexta-feira, 21 de abril de 2017
FRAUDES BRANCAS
A grande limitação epistemológica, ou seja, a "doença" profunda da Medicina, chama-se mecanicismo. Trata-se de um pensamento raso em termos conceituais. Ele se baseia numa suposta linearidade causa-efeito na ocorrência dos quadros sindrômicos. No entanto, esse fato não provocaria tantos estragos no paciente se o lugar social da Medicina não fosse o de um poder consolidado e inserido "naturalmente" na realidade do capital. Seguinte: não falamos do capital somente como determinante econômico, mas sobretudo como operador semiótico (captura dos órgãos =significados fixos), de onde e por onde a Clínica Médica passa a ser utilizada como instrumento de controle dos corpos e, daí, produção incessante de lucro. Na esteira dessas questões, a psiquiatria atual desponta como a especialidade médica que melhor traduz o reducionismo violento sobre o paciente, haja vista a ausência de objetos sólidos e visíveis na sua prática. Ninguém nunca "pegou" na mente, ou ninguém nunca "viu" a angústia ou a fobia ou o pânico ou o delírio de um paciente. É uma constatação - óbvia - mas que não aparece nas pesquisas etiológicas (causas das doenças) e talvez por isso elas constituam um campo tão pobre em investimentos e resultados. Há, pois, uma vontade política de querer fazer com que as coisas continuem para sempre como são. Ou como estão. O Medo, como produto social, sustenta esse estado de coisas.
A.M.
A BENÇÃO DE TEMER
O extraordinário acervo da delação da Odebrecht contém provas sobre um caso especialmente grave. Trata-se de uma negociata até agora única no petrolão: propina repartida entre a cúpula do PT e do PMDB em função de um mesmo contrato na Petrobras. Em outubro de 2010, no auge das eleições presidenciais, a Odebrecht assinou um contrato de US$ 848 milhões com a Petrobras, para cuidar da segurança ambiental dos ativos da estatal no exterior. Em agosto de 2013, antes da Lava Jato, uma investigação de ÉPOCA sobre corrupção na Petrobras revelou, entre outros casos, evidências de que a Odebrecht pagara, para fechar o negócio, propina a funcionários da estatal e a políticos do PT e do PMDB.
A reportagem de ÉPOCA provocou investigações dentro da Petrobras, na Polícia Federal e no Ministério Público do Rio de Janeiro. As evidências colhidas pela reportagem ajudaram na condenação de parte dos envolvidos no Rio e, em seguida, em casos da Força-Tarefa da Lava Jato em Curitiba - alguns dos personagens hoje cumprem pena no Paraná. Um deles é o lobista João Augusto Rezende, operador do PMDB da Câmara na Petrobras e principal articulador da negociata.
A delação da Odebrecht revela pontos fundamentais do caso, até então desconhecidos das autoridades. A empresa ofereceu à Procuradoria-Geral da República evidências testemunhais e documentais que comprovam os pagamentos de propina e implicam fortemente políticos poderosos na negociata. Há todo tipo de provas. Elas documentam o caso do começo ao fim.
Há depoimentos dos executivos que tocaram a operação - dois deles afirmam que o presidente Michel Temer, então candidato a vice de Dilma Rousseff, "abençoou", num encontro em São Paulo, a propina ao PMDB e assegurou que a Odebrecht fecharia o contrato. (Temer admite a reunião, mas nega ter discutido propina.) Há extratos bancários de pagamentos de propina em contas secretas no exterior, indicadas por funcionários da Petrobras, pelo PMDB e pelo ex-tesoureiro do PT João Vaccari. Há planilhas internas da empresa com registros de entrega de propina em dinheiro vivo no Brasil, para políticos do PT, como o senador Humberto Costa, e do PMDB, como Eduardo Cunha. Há e-mails, reservas de passagem e hotel que comprovam reuniões clandestinas. Há depoimentos dos funcionários da Odebrecht que cuidavam do pagamento de propina, atestando quem recebia quanto - e em qual endereço.
ÉPOCA analisou todas as provas apresentadas pela Odebrecht e as cruzou com os documentos já obtidos pela reportagem. Dessa investigação, emerge um caso juridicamente sólido e com potencial para provocar sérios estragos políticos ao presidente Temer e a seu grupo político - um grupo, que inclui Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves, acusado de receber US$ 40 milhões em propina. Os investigadores da PGR rastrearão os pagamentos de propina a codinomes como "Mestre" e "Tremito", associados ao PMDB, mas cujas identidades ainda são desconhecidas. Rastrearão, também, os beneficiários finais das contas indicadas por Vaccari no exterior. O inquérito correndo Supremo.
Redação Época, 21/04/2017, 14:11 hs
NÃO SOU UM DE VOCÊS
A diferença não é o indivíduo. A diferença é a multiplicidade. O que isso quer dizer? Quer dizer que somos compostos por linhas de singularização. Não somos os mesmos, exceto como serviçais da ordem estabelecida. Ao contrário, os devires nos tomam e nos impulsionam em processos afetivos. Nada romântico. A diferença é “obrigada” a se expressar como maldita, cruel, pária, excluída, marginal, traste. Os signatários da ordem burguesa adoram marcar suas referências de valor. Daí, reprimir ser natural como o sol. Ao contrário, ser diferente é não ter referências de verdade. Uma prática e um risco...
A.M.
FIM DO MUNDO MUNDO NOVO
(...)
Não quero afirmar que a imprensa tenha sido uma combatente heróíca da corrupção, sobretudo porque sob esse conceito mais geral há comportamentos muito distintos. Quero afirmar apenas suas limitações. Ela não pode quebrar sigilos bancários e telefônicos, muito menos realizar entrevistas seguidas de condução coercitiva.
O que mudou essencialmente o quadro foi a eficácia da Lava Jato. Ela evitou todas as armadilhas em que caíram as operações derrotadas pelo poderoso sistema de corrupção.
Foi graças às investigações e sólidas provas da Lava Jato que a imprensa conseguiu avançar, contribuindo com seu esforço para desvendar a engrenagem que sufocava o Brasil. O interessante é a crítica pendular que ela sofre. Quase sempre foi acusada de inventar denúncias. Recentemente, o PT qualificava os escândalos que o envolvem como uma “conspiração midiática”. Emílio Odebrecht a acusa-a de ter silenciado ao longo dos anos e fazer agora um grande estardalhaço. Mas a verdade é o quanto tanto a PF como os procuradores evoluíram com o tempo e com os fracassos relativos. E a própria imprensa se tornou mais cautelosa ao se mover em terreno tão delicado.
Alguns dos mais importantes vazamentos foram em blogs, que têm uma estrutura mais leve e, por causa disso, ousam mais. O que Emílio Odebrecht não considerou em sua fala foram os enormes avanços havidos no Brasil, enquanto empreiteiras e políticos vivam num mundo à parte.
A experiência de vida mostra que muitas coisas que eram proibidas no passado passam a ser permitidas com o tempo, como, por exemplo, o divórcio e a união de gays. Mas história é mais complicada. Muitas coisas, antes toleradas, passam a ser proibidas com o tempo, como o assédio sexual por exemplo.
Alguns fatores tornaram a corrupção conhecida de quem observava friamente o processo, mais vulnerável que no passado. Um desses fatores é a maior transparência impulsionada também pela revolução digital. Outro aspecto importante, talvez inspirado pela Justiça americana, é a tática de rastreamento do dinheiro de propinas através dos labirintos do sistema financeiro internacional.
Finalmente, certas mudanças de atitude, como a da Suíça, foram fundamentais. A Suíça se abriu, a polícia brasileira mudou, a tolerância das pessoas comuns mudou, foram tantas mudanças que é bastante compreensível que a bolha tenha estourado agora, e não antes, apesar de inúmeras tentativas frustradas.
Mesmo sem me importar com os risos pragmáticos, diria que Emílio poderia aprender com o escândalo uma lição mais valiosa que sua fortuna: a impermanência de tudo, o constante processo de mudanças.
(...)
Fernando Gabeira, 21/04/2017
O QUE DÁ TESÃO
A antiprodução difunde-se pelo sistema:
a antiprodução será amada por si mesma, à maneira pela qual o
desejo reprime a si próprio no grande conjunto capitalista. Reprimir
o desejo, não só nos outros, mas também em si próprio, ser o
tira dos outros e de si próprio, eis o que dá tesão, e isto não diz
respeito à ideologia, mas à economia. O capitalismo recolhe e possui
a potência do objetivo e do interesse (o poder) mas tem um
amor desinteressado pela potência absurda e não possuída da máquina. Oh, certamente não é para si nem para seus filhos que o capitalista
trabalha, mas para a imortalidade do sistema. Violência
sem objetivo, alegria, pura alegria de se sentir uma engrenagem da
máquina, atravessado pelos fluxos, cortado pelas esquizas. Colocar-se
na posição em que se é assim atravessado, cortado, enrabado
pelo socius, buscar o bom lugar onde, de acordo com os objetivos
e os interesses que nos são consignados, sente-se passar algo
que não tem interesse nem objetivo. Um tipo de arte pela arte na
libido, um certo gosto pelo trabalho benfeito, cada um no seu lugar,
o banqueiro, o tira, o soldado, o tecnocrata, o burocrata e,
por que não, o operário, o sindicalista... O desejo embasbacado.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in O anti-édipo
quinta-feira, 20 de abril de 2017
FICÇÃO REAL
O cérebro mente porque a superposição mentecérebro é uma ficção. A mente não é visível. O cérebro é, ainda que por representação de imagens de laboratório.A mente, que preferimos chamar de subjetividade, é formada por processos do desejo-produção que se imiscuem no corpo.O cérebro, parte do corpo, é o próprio espírito, se chamarmos espírito de pensamento.O pensamento, prenhe de desejo, é a materialidade de um corpo movido por intensidades múltiplas.Ninguém sabe o que pode um corpo, já dizia Espinosa.Ora, o corpo não é o organismo. Daí, a sua potência de viver e criar irradiar-se para além do que a consciência, o eu, a razão e o sujeito individuado pretendem.
A.M.
quarta-feira, 19 de abril de 2017
terça-feira, 18 de abril de 2017
SIGNOS EM ROTAÇÃO
(...)
Quem procura a verdade é o ciumento que descobre um signo mentiroso no rosto da criatura amada; é o homem sensível quando encontra a violência de uma impressão; é o leitor, o ouvinte, quando a obra de arte emite signos, o que o forçará talvez a criar, como o apelo do gênio a outros gênios. As comunicações de uma amizade tagarela nada são em comparação com as interpretações silenciosas de um amante. A filosofia, com todo o seu método e a sua boa vontade, nada significa diante das pressões secretas da obra de arte. A criação, como gênese do ato de pensar, sempre surgirá dos signos. A obra de arte não só nasce dos signos como os faz nascer; o criador é como o ciumento, divino intérprete que vigia os signos pelos quais a verdade se trai.
(...)
G. Deleuze in Proust e os signos
segunda-feira, 17 de abril de 2017
MESMO SACO
PT e PSDB monopolizam as eleições presidenciais no Brasil há mais de duas décadas. Com o passar do tempo, as disputas foram adquirindo um quê de briga de pátio de colégio. Na sucessão de 2014, a coisa descambou. O tucanato dizia que o petismo roubara no mensalão e no petrolão. E o petismo respondia que o tucanato é que assaltara no mensalão mineiro e no escândalo dos trens paulistas. De repente, os delatores da Odebrecht esclarecem que os dois lados têm razão. E os torcedores fanáticos, que pareciam dispostos a matar e morrer por uma honra inexistente, percebem que fizeram papel de bobos. Não sabem onde enfiar o ódio que estocaram para alimentar suas lacraias interiores.
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Do Blog do Josias de Souza,15/04/2017, 18:38 hs
domingo, 16 de abril de 2017
PARA ALÉM DA FAMÍLIA
(...)
Não se trata de negar a importância vital e amorosa dos pais. Trata-se de saber qual é o seu lugar e a sua função na produção desejante, em vez de fazermos o contrário e assentarmos todo o jogo das máquinas desejantes no restrito código de Édipo. Como se formam lugares e funções que os pais vão ocupar a título de agentes especiais em relação a outros agentes? Pois Édipo só existe, desde o início, aberto aos quatro cantos de um campo social, a um campo de produção diretamente investido pela libido. Parece evidente que os pais sobrevêm à superfície de registro da produção desejante. Mas o problema de Édipo é justamente este: sob a ação de quais forças se fecha a triangulação edipiana? Em que condições esta triangulação canaliza o desejo para uma superfície que não o comportava por si mesma? Como será que ela forma um tipo de inscrição para experiências e maquinações que a transbordam por toda parte? É neste sentido, e somente neste sentido, que a criança reporta o seio como objeto parcial à pessoa da mãe e não para de sondar o rosto materno. “Reportar” não designa aqui uma relação natural produtiva, mas um relato, uma inscrição na inscrição, no Numen. Desde sua mais tenra idade, a criança tem toda uma vida desejante, todo um conjunto de relações não-familiares com os objetos e com as máquinas do desejo, que não se relaciona com os pais do ponto de vista da produção imediata, mas que, com amor ou com ódio, é reportada a eles do ponto de vista do registro do processo, e em condições muito particulares desse registro, mesmo que estas reajam sobre o próprio processo (feedback).
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in O anti-édipo
A RESPONSABILIDADE DE LULA
Há quem veja nas delações da Odebrecht e nas centenas de inquéritos delas decorrentes, tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) como na primeira instância, a confirmação de que toda a política nacional está corrompida. A disseminação da corrupção seria de tal ordem que já não teria muita serventia a identificação dos culpados. Com leves variações de tons, todos os políticos seriam igualmente culpados. Ou, como desejam alguns, todos seriam igualmente inocentes.
Como corolário desse duvidoso modo de ver as coisas – como se a deformação da política tivesse pouca relação com a atuação desonesta de pessoas concretas –, há quem entenda que as descobertas mais recentes da Lava Jato desfazem a impressão, tão forte nas primeiras etapas da operação, de que Lula e sua tigrada tiveram uma participação especial na corrupção no País. Eles seriam tão somente um elo a mais na corrente histórica de malfeitos. A responsabilidade por tanta roubalheira caberia, assim querem fazer crer, ao sistema político.
Longe de relativizar a responsabilidade do PT na crise ética da política, as revelações sobre os ilícitos da Odebrecht, delatados por seus diretores e executivos, confirmam e reforçam o papel deletério de Lula na política nacional. Seu papel foi decisivo e central para o abastardamento da vida política brasileira. Foi ele o autor intelectual e material do vil assassinato do interesse público nos dias que vivemos.
A corrupção levada a cabo nos anos do PT no governo federal não é mera continuidade de um sistema corrupto. Há um antes e um depois de Lula na corrupção nacional, capaz até de assustar Emílio Odebrecht. “O pessoal dele (de Lula) estava com a goela muito aberta. Estavam passando de jacaré para crocodilo”, disse o presidente do conselho de administração da empreiteira, em relato por escrito à Procuradoria-Geral da República.
É evidente que já existia corrupção antes de Lula da Silva chegar à Presidência da República. A novidade trazida pelo ex-sindicalista foi a transformação de todos os assuntos estatais em negócio privado. Sem exagero na expressão, Lula da Silva pôs o Estado à venda. A Odebrecht e outras empresas envolvidas no escândalo apenas compraram – sem nenhuma boa-fé – o que havia sido colocado na praça.
Ao perceber que todos os assuntos relativos ao governo federal poderiam gerar-lhe benefícios, pessoais ou ao Partido dos Trabalhadores, Lula da Silva procedeu como de costume e desandou a negociar. Com alta popularidade e situação econômica confortável – o País desfrutava então das reformas implementadas no governo anterior e das circunstâncias favoráveis da economia internacional –, Lula não pôs freios aos mais escusos tipos de acordo que sua tigrada fazia em seu nome, em nome do governo e em nome do partido, como restou provado no mensalão e no petrolão.
Lula da Silva serviu-se do tradicional discurso de esquerda, de ampliação da intervenção do Estado na economia, para gerar novas oportunidades de negócio à turma petista. São exemplos desse modo de proceder as políticas de conteúdo nacional e da participação obrigatória da Petrobrás nos blocos de exploração do pré-sal. Aquilo que era apresentado como defesa do interesse nacional nada mais era, como ficaria evidente depois, que uma intencional e bem articulada ampliação do Estado como balcão de negócios privados.
Lula não inventou a corrupção, mas criou uma forma bastante insólita de fazer negócios escusos. Transformou a bandalheira em política de Estado. Com isso, corruptos, velhos e novos, tiveram ganhos nos anos petistas que pareciam não ter limites. Não foi por acaso nem por patriotismo, por exemplo, que o governo petista estimulou as empreiteiras a expandir sua atuação para novas áreas, como a exploração de petróleo. Assim, incluía-se mais uma oportunidade ao portfólio de negociatas da tigrada de Lula.
Todos os inquéritos abertos a partir das delações da Odebrecht merecem especial diligência. Seria equívoco não pequeno, no entanto, achar que o envolvimento de tanta e diversificada gente nas falcatruas de alguma forma diminui a responsabilidade de Lula da Silva pelo que aí está. A magnitude dos ilícitos descobertos pela Lava Jato, da Odebrecht e de tantas outras empresas e pessoas, só foi possível graças à determinação de Lula da Silva de pôr o Estado à venda. Não lhe neguemos esse mérito.
Editorial/Estadão, 16/04/2017, 05:00 hs
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