sábado, 15 de abril de 2017

UMA ESTRELA DANÇANTE

Deus não é uma ideia inteligente. Não que esteja em questão a sua existência. Ou não. Trata-se essencialmente do exercício de um pensar tosco, capenga, processo subjetivo que estanca na crença-ideia transcendente no Divino (fora da Terra e do Homem). Diz que Deus está aqui,entre nós, que ele nos vigia e nos pune, nos premia, nos absolve, nos salva, etc. É bem verdade que há religiões em que esse elemento de crença não é tão marcado, mas na maioria há de fato um "sair da Terra, um além túmulo". Pior, tornamo-nos sequelados pela concepção antropomórfica de Deus como uma projeção do Homem: imagem e semelhança. Espinosa é uma exceção, o zen budismo também, e em outro texto voltaremos à questão. Acresce a tudo isso a tortura de existirmos sob a forma-Religião (qualquer uma) que, sob o pretexto de "resolver" o enigma da existência, provê aos seus fiéis uma sociabilidade confortadora e salvadora frente ao Horror que a vida encerra, evitando colocar o Júbilo como a sua contrapartida. Em suma, é uma instituição poderosa que atravessa os tempos da humanidade. Distinguimos, por isso, Religião de experiência espiritual, esotérica, mística, cósmica, expansão da consciência ou qualquer outro nome que se queira dar. O essencial a reter é que no fundo dos modos de subjetivação está o pensamento como afeto (desejo) que faz pensar "seguindo sempre a linha de fuga do vôo da bruxa". Trata-se de um percurso existencial doloroso e que poucos suportam, ou se suportam é à custa de terríveis sofrimentos da alma. Ora, tais sofrimentos (não necessariamente cristãos) são indispensáveis à construção de uma superfície (o corpo das intensidades livres) de criação, invenção, alegria imotivada, proliferação de devires, mesmo nos mais ínfimos, imperceptíveis e solitários acontecimentos. Abre-se, assim, uma clareira para a diferença. E então, "é preciso ter caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante", como diria o alemão bigodudo do século XIX.

A.M.

2 comentários:

  1. Compartilhei no facebook com Iara/Margô

    ResponderExcluir
  2. Penso que o primeiro grande problema ao falar de Deus é defini-lo. Se é o que os filósofos dizem, o motor inicial, o infinito, a eternidade, o mais-que-ser, não poderíamos nomeá-lo. No entanto, damos um nome. O que isso significa? Não sei.

    Pensar realmente é muito arriscado. Sempre dá aquele medo de, ao sair do seu corpo e perambular por aí, não consiga voltar para ele. O terror de ser uma alma penada, no vale das sombras. Quando o corpo deixa o corpo, para onde ir? Encontrar o deserto não é divertido. Mesmo assim vamos. O que isso significa? Não sei.

    L.M.L.

    ResponderExcluir