O INFERNO NA TERRA
O médico Tom Catena lembra de um "dia típico" nas montanhas Nuba, no Sudão, quando ele desejou, por um momento, que o velho caça das Forças Armadas sudanesas que sobrevoava a área bombardeando alvos inimigos despejasse a bomba incendiária sobre sua cabeça.
Naquela região verde esquecida pelo mundo, próxima à fronteira com o Sudão do Sul, a etnia nuba vive desde 2011 em meio ao fogo cruzado entre as forças governamentais e a guerrilha Frente Revolucionária do Sudão, que busca derrubar o presidente Omar al-Bashir, no poder desde 1978 quando liderou um golpe militar que derrubou o governo democrático do primeiro-ministro Sadiq al-Mahid.
O dia ainda estava na metade e o missionário americano, único médico para uma população de 750 mil pessoas, já havia perdido quatro pacientes, dois deles crianças.
"Olhei pra cima e falei: jogue esta bomba em cima de mim. Porque esta dor é demais. É a dor mais excruciante que você pode imaginar. Ver seus pacientes morrerem é a parte mais difícil do meu trabalho", afirma em entrevista à BBC Brasil.
Dia típico
Por acreditar que nenhuma palavra consegue traduzir o sentimento, Catena pede que imaginemos esse dia que ele descreve como comum no hospital Mother of Mercy, onde podem chegar a ser atendidos 400 pacientes em um só dia.
"Você vai à pediatria e uma criança com queimaduras de terceiro grau em 60% do corpo, causadas dias antes por uma bomba incendiária, morre em seus braços. Depois você vai à área feminina, onde uma mulher com câncer de mama em fase terminal morre ao lado de outra paciente a quem você teve que amputar uma perna por ter pisado em uma mina terrestre. Você vai à maternidade e uma grávida com toxemia e pré-eclâmpsia tem uma convulsão e morre ao dar à luz. Você vai à área masculina e um dos soldados que você operou um dia antes morre. E você senta lá e tenta explicar à família o que aconteceu. Aí você sai e, em frente à tenda que instalamos para tratar os pacientes de uma epidemia de sarampo, você vê uma mãe gritando, rolando no chão, chorando porque seu bebê acaba de morrer de sarampo."
(...)
Márcia Bizzoto, BBC, de Erevan (Armênia), 03/06/2017, 16:56 hs
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