quinta-feira, 31 de maio de 2018

O escritor não é apenas aquele que escreve. É aquele que produz pensamento, aquele que é capaz de engravidar os outros de sentimento e de encantamento.


Mia Couto
EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

Na esteira da greve dos caminhoneiros, que surgiu como um movimento com pautas claras referentes ao preço do diesel, aqui e ali apareceram pedidos por uma "intervenção militar". A demanda ilegal por uma tomada de poder pelos militares foi defendida por alguns grupos de caminhoneiros e também por grupos independentes que pegaram carona na boleia de uma mobilização que parou o país sem causar rechaço. Foi uma inédita vitrine para um pedido que voltou às ruas a partir de 2013. Mas qual a dimensão desse aspecto no movimento? Além da percepção de que nem todo mundo que clamava pelos militares parecia se referir uma ditadura propriamente dita, diferentes análises das redes sociais mostram que, dentro do universo de menções sobre a greve dos caminhoneiros, os pedidos por um golpe — já que a "intervenção" que pedem não está prevista na Constituição — foram minoria.
Ainda assim, o impacto não foi desprezível. Ao longo dos últimos dias de greve, os bloqueios em estradas foram engrossados por manifestantes vestidos de verde e amarelo que exigiam justamente que os militares agissem para tirar Michel Temer do poder.  Alimentados por boatos vindos das redes de milhares de perfis, criou-se até mesmo em alguns pontos a expectativa por uma intervenção que nunca chegou. Ministros e generais precisaram dar entrevistas afirmando que um golpe estava fora de cogitação. “Intervenção militar é coisa do século passado”, chegou a dizer Sérgio Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança Institucional e general de reserva do Exército.
(...)

André de Oliveira, Felipe Betim, El País, São Paulo, 31/05/2018, 12:08 hs

CAN´T TAKE MY EYES OFF YOU - Kris Fuchigami

Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades.


Sophia de Mello Breyner Andresen

DAMIÃO MARTINS


quarta-feira, 30 de maio de 2018

ISSO CONTINUA

A greve dos caminhoneiros completou dez dias nesta quarta-feira (30), mas a mobilização perdeu força e a situação volta a se normalizar no país. Segundo o Governo federal, até o início da tarde havia 540 protestos, mas somente duas rodovias estavam totalmente bloqueadas por "criminosos" que, segundo o Governo, não deixam os caminhoneiros a voltarem ao trabalho. Um caminhoneiro foi morto em Rondônia por manifestantes. Também nesta quarta-feira, outra categoria parou: a dos petroleiros, que iniciaram greve por três dias.
(...)

El País, São Paulo, Recife, Brasília, 30/05/2018 
O CÉREBRO MENTE

A psiquiatria é uma especialidade médica híbrida. Funciona na zona de fronteira entre as ciências humanas e as biológicas. Contudo, mais importante para a prática clínica (ou seja, aos efeitos sobre o paciente) é  o fato de ser ela uma forma social que se nutre dos códigos sociais estabelecidos. Exemplo simples é o da moral. A psiquiatria guia-se pela moral como pressuposto implícito dos seus enunciados diagnósticos, os quais inscrevem-se no fenômeno mais amplo da medicalização da sociedade. Para que tal empreendimento "dê certo",  conta com a reverência das pessoas em geral a uma neurocientificidade reducionista e à figura do psiquiatra como ponto de subjetivação mantenedor da ordem. São linhas semióticas (ou seja, produzem significados) que circulam entre os técnicos de saúde mental num circuito de naturalização a-histórica da medicina, e por extensão da própria psiquiatria. Daí, a assepsia tecnocientífica da psiquiatria biológica ocultar a função da clínica-do-remédio-químico como produtora social de fármaco-subjetividades. Para o paciente e familiares, vulneráveis aos fluxos da loucura, a saída terapêutica passa a ser o psiquiatra que apenas medica, ainda que isso mortifique o desejo. Ou justo por isso. O chamado paciente crônico é produzido, estigmatizado como crônico pelas vias do diagnóstico "cidológico" e pela farmacoterapia contensora dos processos subjetivos singulares.

A.M.
SEM LEI

Desafiando uma ordem judicial, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) deflagrou no início da madrugada desta quarta-feira uma greve de três dias. Horas antes, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) havia considerado ilegal a paralisação nas instalações da Petrobras. A FUP recorrerá contra a decisão.

O sindicalista José Maria Rangel, coordenador geral da FUP, deu de ombros para a proibição: “A Justiça do trabalho está agindo como a justiça do capital. Esse é o papel que ela tem cumprido ao longo dos últimos anos”, disse, numa reunião com movimentos sociais e sindicais na sede da CUT do Rio de Janeiro.

A FUP abriu no seu site uma página para o acompanhamento ''minuto a minuto'' da adesão à greve. Em sua página no Facebook, a federação noticiou à 1h da madrugada: “Greve dos petroleiros começa por refinarias, terminais e plataformas.”

O texto anotou: “A greve nacional dos petroleiros contra a política de preços de derivados da Petrobras começou aos primeiros minutos desta quarta-feira, 30, em diversas refinarias e terminais da empresa.”
(...)

Do Blog do Josias de Souza, 30/05/2018, 03: 19 hs

ORQUÍDEAS ETERNAS


terça-feira, 29 de maio de 2018

Sinédoque

toda vez que vejo um filme eu me apaixono

pela atriz eu penso
mas é pela personagem
eu penso mas é
pelo diretor mas é
pelo filme pelo cinema
pela arte eu penso
mas é pelo mundo

no mundo existe ela
com quem a atriz se parece
não, a personagem
(não, nenhuma das duas
que só me encantam por ela)

ela por quem penso
me apaixonar agora
e por quem canto há dias
a mesma música sem voz. 


Dimitri Rebello
Inicie um projeto enorme e insensato, como Noé … não faz absolutamente nenhuma diferença o que as pessoas pensam de você.

Rumi
A GREVE DO FIM DO MUNDO

Não é só por 46 centavos. O presidente Michel Temer (MDB) bem que tentou aplacar a ira dos caminhoneiros em greve ao fazer importantes concessões à categoria, mas pelo menos um grupo expressivo deles não se mostra satisfeitos: agora eles querem mais. Mais de 500 pontos de mobilização permanciam ativos na segunda, desafiando o Planalto e a estabilização da rotinas das cidades. No quilômetro 281 da rodovia Régis Bittencourt, em Embu das Artes, São Paulo, a paralisação entrou nesta segunda-feira em seu oitavo dia com a exigência de que o preço do litro do combustível abaixe ainda mais e gire em torno de 2,50 reais, no máximo 3 reais, e que seu valor fique congelado por pelo menos um ano — e não os 60 dias propostos pelo Governo. "O Temer está blefando, até agora não tem nada oficial. O acordo tem que ser aceito por aqui, se não não dá", diz Marcio de Faria. 
(...)

Felipe Betim, El País, São Paulo, 28/05/2018, 23: 07 hs

JOHN COLTRANE & STAN GETZ - Autumn in New York

segunda-feira, 28 de maio de 2018

A SELEÇÃO DESPREZA SUA GENTE

Neste atípico domingo, a seleção brasileira encerrou a primeira etapa de preparação para a Copa do Mundo e embarcou rumo a Londres, onde prosseguirá com os treinamentos antes de chegar à Rússia. Enquanto o país vive um colapso de serviços em consequência da greve dos caminhoneiros, jogadores, comissão técnica e dirigentes circulavam de helicóptero entre Teresópolis e Rio de Janeiro. Seguiram para o Galeão sob forte escolta policial e tiveram cada passo no aeroporto transmitido como um estrondoso acontecimento em rede nacional. Despedida digna de uma seleção que despreza sua gente. O processo de elitização dos estádios e a frieza dos cartolas ampliaram o abismo que separa os craques dos meros mortais.
(...)

Breiller Pires, El País, 28/05/2018, 16:49 hs
Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira: compreendo, sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo esses dois portos gelados da solidão é vera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o eterno do perecível, loucos.

Caio Fernando Abreu

HENRY ASCENCIO


Primeira Palavra

Aproxima o teu coração 
e inclina o teu sangue 
para que eu recolha 
os teus inacessíveis frutos 
para que prove da tua água 
e repouse na tua fronte 
Debruça o teu rosto 
sobre a terra sem vestígio 
prepara o teu ventre 
para a anunciada visita 
até que nos lábios umedeça 
a primeira palavra do teu corpo.


Mia Couto

BRASIL: O DESGOVERNO


ESTUDO CLÍNICO DOS DELÍRIOS - IV


Os delirios são dados importantes para o diagnóstico das síndromes de dependência de drogas, ou, mais precisamente, do uso de substâncias psicoativas.  De modo esquemático,  é possível situá-los na história clínica: em primeiro lugar, delírios que surgem antes do uso da substância. Eles podem também atuar como fator eiológico da síndrome, ou, no mínimo, "levar" o paciente a experimentar o uso, tal como nas síndromes maníacas. Em segundo, delírios que surgem durante o próprio uso da substância, às vezes chamados de psicoses tóxicas, ou psicoses por uso de droga. São quadros agudos. Em terceiro, delírios que se revelam no contexto da síndrome de abstinência (portanto após a intoxicação) como signo de uma semiologia clínica múltipla. Um exemplo é o do delirium tremens (na dependência ao álcool). Resumindo, os delírios são muito comuns nas dependências de drogas. A gravidade do quadro psicopatológico e a evolução clínica estão condicionadas aos fatores psicossociais e ao tipo da droga. 

A.M.
DESABASTECIDOS DE GOVERNO

Além da falta de gêneros alimentícios, remédios e combustíveis, o caos que motoristas e empresas transportadoras produziram no país expôs um desabastecimento adicional: faltou governo. Quando os caminhões voltarem a circular, logo haverá mantimentos na gôndola, medicamentos na prateleira, gasolina na bomba e querosene nos aeroportos. Mas contra o desgoverno não há solução. Faltam 217 dias para Temer desocupar o Planalto. Acompanhar cada manhã do seu derretimento será um martírio.
(...)

Do Blog do Josias de Souza,28/05/2018, 05:27 hs

domingo, 27 de maio de 2018

ADRIANA CALCANHOTTO - Esquadros

INTERTEXTO

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.


Bertolt Brecht

HIERONYMUS BOSCH


O amor é um jardim,se não consegue sentir a fragrância ,não entre no jardim do amor.

Rumi
Muito bem. Agora sou um homem sem comida, com dois dedos a menos na mão e um a menos no pé do que tinha quando nasci; sou um pistoleiro com balas que não podem disparar; estou passando mal por causa da mordida de um monstro e não tenho medicamentos; tenho água para um dia com sorte; posso conseguir andar talvez uns vinte quilômetros se puser em ação minhas últimas forças. Sou, em suma, um homem à beira de qualquer coisa.
(...)

Stephen King

CARLOS MALTA - Canto de Xangô...

 A CATÁSTROFE TERRA

Para Virilio, as origens do futuro Acidente Integral estaria nessa desconexão fundamental entre tempo e espaço, geografia e ciberespaço, sociedade e tempo real. Assim como o bug de 2000 foi o prólogo desse Acidente, outros atritos entre essas duas dimensões estariam atualmente corroendo a Democracia (a velocidade das transações globais excede o tempo da política, tornando o Estado uma figura decorativa), a Economia (as transações financeiras automáticas governadas por algoritmos garante a hegemonia da especulação, muito mais velozes do que o tempo lento da agricultura, comércio e indústria) e a Mídia - o tempo de uma CNN é muito mais veloz do que a capacidade do mundo produzir notícias ou acontecimentos.
Por exemplo, Paul Virilio vê no acelerador de partículas do CERN (Centro Europeu de Investigação Nuclear), a 100 metros abaixo da terra entre França e Suíça, no qual quase se alcança a velocidade da luz para provocar o choque entre partículas, uma metáfora dessa catástrofe futura: a possibilidade probabilística de que a aceleração da desintegração das partículas provoque buracos negros que no final acabem por devorar toda a matéria terrestre, fazendo desaparecer todo o planeta.
(...)

Wilson Ferreira, blog, 10/01/2018

sábado, 26 de maio de 2018

a esquerda unitária
totalitária
fez da vida
um sentido


A.M.



HOMEM IRRACIONAL - escrito e dirigido por Woody Allen, 2015

A FALTA QUE UM GOVERNO FAZ

A crise que paralisa o país neste ano eleitoral é um estímulo para que as pessoas compreendam a falta que um governo faz num país.

O governo tinha condições de prever a paralisação. Possui recursos para a inteligência e, sobretudo, tinha uma posição privilegiada para entender a evolução da crise: desde julho do ano passado estava negociando com os caminhoneiros.

Portanto, falhou nesse quesito. Sua saída seria ter um plano para permitir que, apesar da greve, o país funcionasse no essencial. Mas nunca se aprovou uma estratégia de defesa nacional, apesar de o projeto ter uma década de existência.

O Brasil foi pego de calças na mão. Mostrou-se um país vulnerável. Um plano elementar de defesa garantiria com escolta armada a saída dos caminhões com combustível. Isso aconteceu em Curitiba e, parcialmente, deu certo para manter o transporte urbano em ação, aliviando o peso dos que se deslocam para trabalhar.

O Brasil poderia estar menos dependente da gasolina. Mas congelou o projeto que impulsiona os biocombustíveis. Seduzidos pelas descobertas do pré-sal, acorrentamos nosso destino ao combustível fóssil.

Da mesma forma, o Brasil poderia ter mantido e desenvolvido suas ferrovias. Mas caiu na ilusão tão comum no Novo Mundo: uma nova opção tecnológica remete as outras para os museus.

O preço da gasolina não precisava ser tão alto. Cerca de 45% são impostos. A máquina dos governos em Brasília e nos estados não dispensa esse dinheiro porque jamais soube reduzir seus custos.

Os políticos e a elite burocrática ainda não caíram na realidade. A máquina administrativa é de um país ilusório, muito mais rico do que o país de concreto, que todos habitamos de carne e osso.

É esse país da fantasia que precisa desaparecer com a sua máquina do Estado catapultada para o mundo real. Vivemos um momento de avanços tecnológicos que poderia tornar o enxugamento dos gastos mais fácil que no passado.

Não creio que gastando mais com o país e menos com o seu governo arriscaríamos a competência ou mesmo a dignidade dos cargos.

No país real, a dignidade de uma elite governante também se mede pelo seu esforço em ser austera, pela decisão de compartilhar nossas limitações cotidianas. E não por construir um oásis particular no deserto de nossa desesperança. A ausência de um governo revela também a nossa fragilidade quando não dispomos desse instrumento. De repente, o Brasil parou, somem os alimentos, em alguns lugares também a água mineral.

É como se o país trocasse de mãos. Não só estradas, como refinarias foram bloqueadas. Uma coisa é fazer greve, outra intervir na vida dos outros e do próprio governo. Os lances ilegais não foram punidos, nem apurados os indícios da presença das grandes empresas na greve. Paradoxalmente, num momento de fragilidade como esse a sociedade encontra uma possibilidade de mostrar sua força.

Para muitos, o que se passa no universo político não interessa, o melhor é deixar de lado e cuidar da própria vida. Mas eis que uma paralisação como essa revela claramente que não existe vida própria, blindada contra os descaminhos da elite dirigente. Gasolina, alimentos, água de beber tudo isso invade a existência pessoal com seus vínculos familiares.

A greve foi um momento em que nos sentimos muito sós. Mas abre a chance de nos reunirmos em torno da ideia de um país, uma cultura, enfim, de retomar algum nível de sentimento nacional. Isso passa por uma grande sacudida no país da fantasia.


Fernando Gabeira, 25/05/2018

sexta-feira, 25 de maio de 2018

As condições sob as quais sou compreendido, sob as quais sou necessariamente compreendido – conheço-as muito bem. Para suportar minha seriedade, minha paixão, é necessário possuir uma integridade intelectual levada aos limites extremos. Estar acostumado a viver no cimo das montanhas – e ver a imundície política e o nacionalismo abaixo de si. Ter se tornado indiferente; nunca perguntar se a verdade será útil ou prejudicial... Possuir uma inclinação – nascida da força – para questões que ninguém possui coragem de enfrentar; ousadia para o proibido; predestinação para o labirinto. Uma experiência de sete solidões. Ouvidos novos para música nova. Olhos novos para o mais distante. Uma consciência nova para verdades que até agora permaneceram mudas. E um desejo de economia em grande estilo – acumular sua força, seu entusiasmo... Auto-reverência, amor-próprio, absoluta liberdade para consigo...


Nietzsche

PAVEL MITKOV


Furtivo

Passeando num jardim inexistente
Encontrarás uma mulher ausente ...

Segue-a. Fala-lhe. Espera que ela te olhe,
Beija-lhe a mão antes que se desfolhe,

Depois, no ouvido, dize-lhe o que sentes,
Expressa-lhe, em palavras balbuciantes,

Com voz arfante e comoção sincera
A paixão que te faz tremer os dentes ...´


Dante Milano
QUAL A DIFERENÇA?

Num território clínico encharcado pelo uso generalizado de psicofármacos, como fazer a diferença? O próprio paciente quer fármacos, pede isso, mais e mais,naturalizando a função do psiquiatra como a de “passador de remédios”. Mas não só o paciente o faz. Quase todos pedem mais remédios químicos para manter a ordem, resolver uma crise, evitar um suicídio, desconstruir delírios perigosos, adequar condutas, concertar mentes, etc. Trata-se de um legado do antigo manicômio, o velho hospício, hoje o hospício-em-nós. Ele se atualiza como necessidade da psiquiatria. Os argumentos são variados. Alguns: clínicos: as psicoses são consideradas como as patologias mentais mais graves; por isso, só um psiquiatra estaria capacitado para tratá-las, pelos menos num primeiro instante; morais: os transtornos mentais levam os seus portadores a condutas socialmente inadequadas, às vezes violentas; o psiquiatra deve ser chamado;jurídicos: o psiquiatra é médico e esse dado implica num poder jurídico estabelecido, o que o diferencia dos demais técnicos; institucionais: a relação de poder psiquiatra-paciente fornece o modelo de atendimento que se reproduz como verdade da clínica. Ora, numa ótica não-manicomial (se é isso o que se busca) a função-psiquiatra deve ser estilhaçada, fragmentada (não destruída) e desse modo ser possível outra inserção do psiquiatra num Caps. Havendo a escuta do paciente e um movimento dialógico até os demais técnicos, uma clínica transdisciplinar se inicia.

A.M

SADE - Kiss Of Life

INTERVENÇÃO TABAJARA?

A decisão do presidente Michel Temer de acionar as forças federais para desobstruir as rodovias federais gerou preocupação de militares nos bastidores.

O motivo: temem que as forças não tenham combustível suficiente para agir nas ruas por vários dias seguidos.

O presidente Temer, ao decidir usar as forças federais, ouviu general Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, e o ministro Raul Jungmann, do Ministério da Segurança Pública – mas não ouviu o conselho da defesa.

Por isso, Temer está sendo criticado nos bastidores por grupos que integram as forças federais, que incluem: Exército, Marinha, Aeronáutica e Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Nesta tarde, ocorre uma reunião entre os três comandantes das Forças Armadas e o Ministério da Defesa.

Andréia Sadi, G1, 25/05/2018, há uma hora
TAMBÉM JÁ FUI BRASILEIRO

Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.

Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.


Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Saudade de entrar num posto de gasolina e gritar “COMPLETA!”...

Se você quiser dizer às pessoas a verdade, tem de fazê-las rir, caso contrário, elas te matam.

Oscar Wilde
SEM QUEROSENE

Monitoramento de estoques de combustíveis em 14 aeroportos, realizado na manhã desta quinta-feira (24), mostra que 13 poderão ficar sem a querosene de aviação ainda hoje se não houver reposição, entre eles Congonhas, Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, Recife e Brasília.
(...)

Murilo Ramos, Época, 24/05/2018, 12:12 hs

terça-feira, 22 de maio de 2018

LAST WORK BY OHAD NAHARIN

Manda-me verbena ou benjoim no próximo crescente, e um retalho roxo de seda alucinante, e mãos de prata ainda (se puderes). E se puderes mais, manda violetas (margaridas talvez, caso quiseres). Manda-me osíris no próximo crescente e um olho escancarado de loucura (em pentagrama, asas transparentes). Manda-me tudo pelo vento: envolto em nuvens, selado com estrelas, tingido de arco-iris, molhado de infinito (lacrado de oriente, se encontrares).

Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 21 de maio de 2018

BERMUDA LARGA

muitos lutam por uma causa justa
eu prefiro uma bermuda larga
só quero o que não me encha o saco
luto pelas pedras fora do sapato


Chacal

sábado, 19 de maio de 2018

JAIR: O SIMPLISMO CONTRA A VIOLÊNCIA

Não será fácil para o ex-paraquedista Jair Bolsonaro ganhar a eleição presidencial, por causa das suas posturas extremistas, mas corre-se o perigo de que ele contagie outros líderes políticos no que é seu ponto forte: a luta contra a violência e a tentativa de libertar o país do medo que hoje o sacode, simplificado por ele com o slogan fácil de que todos têm o direito “de voltarem vivos para casa”. Neste momento, outros candidatos, por medo de contradizê-lo ou de lhe exigir que explique como conseguiria o milagre de acabar com a violência, começam também a tentar aparecer como cruzados contra “os bandidos”. Como se isso fosse fácil diante da degradação que governo após governo, de todas as cores, a segurança pública sofreu neste país.
Nenhum candidato, por medo a ver Bolsonaro crescer, terá a coragem de afirmar na campanha que a violência não se vence com mais violência, e sim mudando pela raiz as estruturas sociais e os pecados de cumplicidade dos políticos com o banditismo. Não é verdade que bandido bom é bandido morto, ou que o policial tem carta branca para tudo, desde que seja para acabar com os delinquentes. Assim, pelo contrário, se agudiza e se exacerba a violência.
(...)

Juan Arias, El País,18/05/2018, 20:24 hs

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Lágrima Negra

Aperto fortemente a pena ingrata
entre os dedos nervosos e trementes,
e os versos jorram, claros e estridentes,
n'uma cascata, n'uma catarata!

Escrevo, e canto cânticos ardentes,
enquanto dos meus olhos se desata
uma fiada de lágrimas de prata
como um colar de pérolas pendentes...

Eu canto o sofrimento, a ânsia incontida
de amor, que é a maior ânsia desta vida,
- a vida a que a humanidade se condena!

E todo o meu sofrer, todo, se pinta
n'este pingo de dor-- pingo de tinta,
lágrima negra que me cai da pena.


Dante Milano
OH PT

O TRF-4 rejeitou nesta quinta-feira o último recurso que separva José Dirceu da cadeia. Trata-se de um embargo de declaração do embargo infringente, eufemismo para embromação. Com o retorno iminente de Dirceu para o xadrez, o PT chega a um ponto situado muito além do fundo do poço. Lula e os nomes que ele próprio considerava como opções presidenciais —Dirceu e Antonio Palocci— foram dissolvidos pela Lava Jato. Fica demonstrado que um raio pode cair várias vezes sobre o mesmo partido.

Houve um momento em que o PT poderia ter saído do caminho da ruína, tomando a trilha da ética. Em 2005, quando foi deslocado do Ministério da Educação para a presidência de um PT em chamas, Tarso Genro pronunciou a palavra mágica. Contra o desgaste do mensalão, ele sugeriu a “refundação” do partido. Continuando nessa linha, o petismo chegaria à autocrítica. Mas Tarso foi desligado da tomada pelo grupo “Construindo um Novo Brasil”, antigo Campo Majoritário —uma corrente personificada na figura de José Dirceu.

O tempo passou. Lula reelegeu-se em 2006. Em 2010, sem condições de prestigiar Dirceu e Palocci —feridos respectivamente pelo mensalão e pelo caso da violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo—, a divindade petista fabricou o “poste” Dilma Rousseff. Nessa época, Lula cavalgava uma popularidade acima dos 80%.

O relógio correu mais um pouco. Em maio de 2014, ao discursar na convenção em que o PT aclamou Dilma como candidata à reeleição, Lula parecia adivinhar o que estava por vir. Comparou o PT original, fundado por ele em fevereiro de 1980, com o partido que ocupava a Presidência da República havia 12 anos:

“Nós criamos um partido político foi para ser diferente de tudo o que existia”, declarou. “Esse partido não nasceu para fazer tudo o que os outros fazem. Esse partido nasceu para provar que é possível fazer política de forma mais digna, fazer política com ‘P’ maiúsculo.” A Lava Jato dava seus primeiros passos. Sem suspeitar que a operação iluminaria seu próprio calcanhar de vidro, Lula foi ao ponto:

“Nós precisamos recuperar o orgulho que foi a razão da existência desse partido em momentos muito difíceis, porque a gente às vezes não tinha panfleto para divulgar uma campanha. Hoje, parece que o dinheiro resolve tudo. Os candidatos a deputado não têm mais cabo eleitoral gratuito. É tudo uma máquina de fazer dinheiro, que está fazendo o partido ser um partido convencional.”

Hoje, sabe-se que, enquanto Lula discursava, o dinheiro sujo que a Odebrecht roubara da Petrobras entrava na caixa registradora do comitê Dilma Rousseff-Michel Temer. Não é intriga de inimigo. Quem contou foi o casal do marketing petista —João Santana e Monica Moura.

Sabe-se também que o próprio Lula já havia se tornado “uma máquina de fazer dinheiro.” Afora os milhões amealhados sob o pretexto de remunerar palestras, já havia o provimento dos confortos do tríplex e do sítio. De novo, não é intriga da oposição. Além das delações de empreiteiras companheiras (Odebrecht e OAS) e das provas reunidas pela força-tarefa de Curitiba, há a palavra de Palocci.

Preso e moído pelas investigações, Palocci tentou apresentar Lula a si mesmo numa carta que enviou ao PT, desfiliando-se da legenda: “Até quando vamos fingir acreditar na autoproclamação do ‘homem mais honesto do país’ enquanto os presentes, os sítios, os apartamentos e até o prédio do Instituto Lula são atribuídos a dona Marisa?”, indagou.

A Lava Jato encarcerou a fina flor do poder petista. No momento, o PT é presidido por uma boneca de ventríloquo: Gleisi Hoffmann, ré da Lava Jato, prestes a ser julgada no Supremo. Sua única missão é convencer a plateia de que Lula, preso e inelegível, retornará ao Planalto. Embora tenha ultrapassado o fundo do poço, o PT escolheu viver no mundo da Lua. E a pergunta de Palocci continua ecoando: “Até quando?”


Do Blog do Josias de Souza, 17/05/2018, 15:58 hs



ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA

Uma megaoperação realizada nesta quinta-feira e coordenada pelo Governo federal prendeu 251 pessoas suspeitas de pedofilia e divulgação de pornografia infantil em todo o país. Desde a manhã são cumpridos 579 mandados de busca e apreensão contra centenas de pessoas suspeitas de armazenarem e divulgarem imagens e vídeos de crianças e adolescentes sendo abusados sexualmente. Segundo o Ministério da Segurança Pública, essa é a maior operação contra a pedofilia desenvolvida em um único dia no mundo.
Os presos, segundo o delegado Alessandro Barreto, coordenador do laboratório de inteligência cibernética do ministério, eram “pessoas acima de qualquer suspeita”. Foram detidos em flagrante estudantes, aposentados, autônomos, advogados, educadores e profissionais da área de saúde.
(...)

Afonso Benites, El País, Brasília, 17/05/2018, 16:17 hs

LUIS CHIOZZA - Palestra

quarta-feira, 16 de maio de 2018

A festa

Procuramos um lugar
à parte.
Como se estivéssemos
em uma festa
e buscássemos um lugar
afastado
onde pudéssemos
secretamente
nos beijar.
Procuramos um lugar
a salvo
das palavras.

Mas esse
lugar
não há.



Ana Martins Marques

JULIA - direção de Fred Zinnermann, 1977


terça-feira, 15 de maio de 2018

MAU AGOURO - TEMER E A COPA

Sob Michel Temer, já não se pode nem torcer em paz. Tite mal havia anunciado os nomes dos 23 convocados e o presidente correu às redes sociais. “Já temos a seleção para a Copa do Mundo na Rússia”, escreveu, antes de fazer sua encomenda: “Agora, Tite e equipe, com todo respeito aos nossos anfitriões e amigos russos e com humildade, por favor tragam o Caneco para casa.” Hummm…

Misturar bola com faixa presidencial não é boa coisa. Quando o portador da faixa é o presidente mais impopular do Brasil pós-redemocratização, aí mesmo é que a mistura se transforma num sinal de mau agouro.

Com seus gestos teatrais e suas mesóclises, Temer não se parece com um fanático por futebol. Ao contrário, passa a impressão de ser como a grã-fina de Nelson Rodrigues —uma personagem que se interessava tão pouco pela arte dos gramados que, se entrasse num estádio, indagaria: “Quem é a bola?”

Se o amor de Temer pelo futebol é duvidoso, seu comentário deixou boiando no ar uma certeza: vencida a Copa, o inquilino do Planalto se enrolará na bandeira e fará embaixadas com os campeões, no salão nobre do Planalto, para fabricar uma identificação entre a conquista do “Caneco” e o ocaso do seu governo.

Considerando-se que sete em cada dez brasileiros gostariam de mostrar um cartão vermelho para o presidente, corre-se o risco de parte da torcida imaginar que os cruzamentos de William colocarão Temer na cara do gol, não Neymar. Era só o que faltava: uma torcida com sentimento de culpa. A última que tentou tirar proveito político do escrete foi Dilma Rousseff. Ouviu vaias e xingamentos na abertura de uma Copa que terminou no traumático Alemanha 7 X 1 Brasil.


Do Blog do Josias de Souza, 13/05/2018, 01: 40 hs

domingo, 13 de maio de 2018

QUAL DEMOCRACIA?

Os sintomas da crise na democracia representativa multiplicam-se com a velocidade de um clique. Não dizem respeito somente ao Brasil, mas são reflexo de mudanças tecnológicas e sociais de características globais.
A política sendo dominada por partidos a serviço deles mesmos e não dos cidadãos, eleições controladas por dinheiro, a supremacia da imagem projetada nos meios de comunicação em detrimento de propostas construídas na arena pública e a corrupção sistêmica de governos, empresas e instituições seculares são preocupações em todos os continentes.
(...)

Dos editores, Época, 10/05/2018, 18:50 hs
Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.

Manoel de Barros

ISSO É ANTIGO


NEURÔNIOS AFLITOS

A relação psiquiatra-paciente está marcada pela história do poder psiquiátrico consolidado no século XX. Nos dias que correm são muitas as suas formas. Existe, por exemplo, a psiquiatria oficial com expressão mercadológica (publicitária, midiática) obtida por meio de associações da categoria (há muitos sites à respeito) e existe a psiquiatria biológica em sua versão humanista, ou seja, a psiquiatria universitária operando pesquisas duplo-cego sob o manto  apaziguador da ciência "neutra". São formações institucionais niveladas a uma crença comum: o paciente é um organismo individual (físico-químico) avariado. Resta ao psiquiatra prescrever remédios à mão cheia. E "consertá-lo". Isso garante ao profissional do "cérebro-mente" uma estabilidade profissional, material, acadêmica, um status, território de poder para uma respeitabilidade científica. Assim, antes da terapêutica adotada, invariavelmente psicofarmacológica, o culto à ciência lhe confere o fármaco-verdade ou a verdade do fármaco. Por isso o ato de medicar se reveste de nuances quase sempre desconhecidas e é aceito, em geral, como benefício inquestionável.

A.M.


Obs.: texto revisado e republicado.
Sentir aceso dentro da cabeça

Sentir aceso dentro da cabeça 
Um pensamento quase que divino,
Como raio de luz frágil e fino
Que num cárcere escuro resplandeça.

Seguir-lhe o rastro branco em noite espessa,
Ter de uma inútil glória o vão destino,
Ser de si mesmo vítima e assassino,
Tentar o máximo, ainda que enlouqueça.

Provar palavras de sabor impuro
Que a boca morde e cospe porque é suja
A água que bebe e o pão que come é duro,

E deixar sobre a página da vida
Um verso — essa terrível garatuja
Que parece um bilhete de suicida.


Dante Milano

JOÃO BOSCO - O Bêbado e o Equilibrista

TRANSTORNO DO PÂNICO

O Brasil tem vivido a política à flor da pele. Substituímos o pão pelo pânico e mergulhamos em nosso panicus et circenses particular. O pânico coletivo brota quando sentimos nossa segurança física, patrimonial, de orientação sexual ou status social ameaçada. Pode ser espontâneo, diante de situações objetivas de crise, ou fabricado para fins de manipulação. Pílulas de raiva e medo são distribuídas, consumidas e regurgitadas contra um corpo estranho, tido como encarnação do mal. Esse corpo pode ser uma pessoa, um grupo, uma identidade ou mesmo uma ideia. Há exemplos variados.
(...)

Conrado Hubner Mendes, Época, 10/05/2018, 18:51 hs
Dizes que brevemente serás a metade de minha alma. A metade? Brevemente? Não: já agora és, não a metade, mas toda. Dou-te a minha alma inteira, deixe-me apenas uma pequena parte para que eu possa existir por algum tempo e adorar-te.
(...)

Graciliano Ramos

BEATRIZ MILHAZES


sábado, 12 de maio de 2018

A idade não é a realidade salva no mundo físico.
A essência de um ser humano resiste ao passar do tempo.
As nossas vidas são eternas, o que significa que os nossos espíritos continuam a ser tão jovens e vigorosos como quando éramos jovens. 
Pensa no amor como um estado de graça...não é um meio para nada, mas sim o alfa e o ómega.
Um fim em si mesmo.


Gabriel García Márquez

NDT - Blink of an eye

SEM CANDIDATO

A carta escrita por Lula da prisão para sua correligionária, senadora e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, chocou muitos dentro do próprio partido. O ex-presidente, visto sempre como um político pragmático, capaz de dialogar e pactuar, “até com o diabo”, na expressão de um amigo e companheiro seu de sindicato, se coloca, ao contrário, na posição da intransigência política. Uma posição como a que caracteriza a sua fiel porta-voz, que não admite nenhuma candidatura alternativa do PT nem de outro partido próximo, a não ser a de Lula.
(...)

Juan Arias, El País, 11/05/2018, 12:01 hs
O futuro é uma ciência fodida pelo tempo
O presente é isso aí
O passado é a gavetinha onde a memória brinca
de obra e Arte.

Isabel Câmara

OPÇÕES


MATERNIDADE E SAÚDE MENTAL

Associações e organizações de países de todo o mundo estão se mobilizando para que a primeira quarta-feira de maio de todos os anos seja considerada o Dia Mundial da Saúde Mental Materna. Uma reivindicação organizada em torno da Global Alliance for Maternal Mental Health e que busca pôr em primeiro plano um aspecto importantíssimo da maternidade que muitas vezes fica invisível e é minimizado pela sociedade. Os transtornos mentais relacionados à maternidade são também muitas vezes diretamente escondido pelas próprias mães, submetidas à crença de que a maternidade só pode trazer consigo sentimentos relacionados com a felicidade. Daí a importância de enfatizar o problema neste Dia das Mães, celebrado no Brasil próximo domingo, 13 de maio.

Qualquer mulher, independentemente de sua cultura, idade, nível de renda e etnia, está exposta a desenvolver transtornos do humor e de ansiedade perinatal que podem aparecer a qualquer momento da gravidez ou durante o ano seguinte ao parto. Não por acaso, segundo dados da própria Global Alliance, estima-se que em muitos países até uma de cada cinco novas mães experimenta algum tipo de transtorno do estado de ânimo e ansiedade perinatal (PMAD), uma cifra que aumenta no caso de perdas perinatais.
(...)

Adrián Cordellat, El País, 11/05/2018, 11:39 hs


ALBERTO VALENZUELA LLANOS


ESTUDO CLÍNICO DOS DELÍRIOS - III

Delírios podem surgir em síndromes histéricas. São os chamados quadros de dissociação da consciência. O paciente se mostra mentalmente desorganizado, não conseguindo, por um período de tempo variável, realizar adequadamente tarefas simples. Este dado  é "preenchido" por uma fala delirante que vem acompanhada por alterações da consciência, tais como falso reconhecimento de si e do mundo, alucinação, desorientação temporoespacial,  inquietaçao psicomotora, heteroagressividade, etc. Na histeria dissociativa não existe o "delírio puro", já que este segue o fluxo da consciência dissociada da Realidade na qual o paciente se insere. A duração de tal configuração clínica tende a ser curta (horas) já que, não havendo etiologia orgânica, a consciência se refaz, se reorganiza, a depender, óbvio, das circunstâncias em torno. Há que se destacar que a histeria, ao extravasar o modelo biomédico (o doutor se pergunta "do que se trata?"), costuma produzir um incômodo no profissional médico, levando-o por vezes a um diagnóstico e tratamento completamente equivocados. Por exemplo, um diagnóstico de esquizofrenia (entre outros) pode deixar no paciente não esquizofrênico sequelas indeléveis, mormente se usar psicofármacos anti-psicóticos em doses elevadas. Ou adotar posturas manicomiais e policialescas.

A.M.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

MARADONA É MAIS RICO QUE PELÉ


Julián Fuks (São Paulo, 1981) é filho de um casal argentino que chegou ao Brasil fugindo da ditadura militar que governou a Argentina entre 1976 e 1983. Seus pais são psicanalistas, ou seja, lhe “ensinaram a desconfiar dos conselhos, a olhar com suspeita cada mísera frase”. Um interessante treinamento para alguém que iria acabar se tornando um escritor e que vai muito além da obsessão pela palavra precisa de Flaubert. Fuks publicou em 2015 A Resistência, um romance sobre o exílio e a identidade que lhe rendeu vários dos mais prestigiados prêmios da língua portuguesa e outros reconhecimentos no exterior.

P-O que queria ser quando criança?

Só adulto fui descobrir que devia ter sido jogador de futebol.

P-Bem, Maradona ou Pelé?

Maradona. O futebol em si é mero detalhe; Maradona é um personagem muito mais vivo, mais profundo, mais complexo. Pergunte agora sobre Messi e Neymar.

P-Qual seleção quer ver campeã na Copa da Rússia?

Difícil dizer. Torcer para o Brasil é inescapável. Mas há tantas vitórias possíveis mais bonitas do que a nossa. Quem sabe a vitória do Uruguai, só para ver o sorriso do Mujica.

P-Qual é o último livro que te fez rir às gargalhadas?

A Viagem do Elefante, de José Saramago. Acho que Saramago é o único autor que já me fez rir alto e chorar envergonhado.
(...)

Pelipe Sanchez, El País, Madri. 10/05/2018, 20:03 hs

TIM MAIA - Primavera

OH PT

A situação política do PT se complica a cada dia. De tão complicada, vai ficando simples. Simples como o ABC. Existe o Plano A: Lula. Está preso em Curitiba. Existe o Plano B: Jaques Wagner. É investigado num caso que envolve R$ 82 milhões em propinas e caixa dois da Odebrecht e da OAS. Existe o Plano C: Fernando Haddad. Acaba de ser denunciado sob a acusação de uso eleitoral de R$ 2,6 milhões em propinas extraídas da Petrobras pela construtora UTC.

É de dar pena a encrenca em que se meteu o petismo. Não sabe se escolhe um vice para arrastar a bola de ferro do presidenciável preso ou se substitui Lula por um poste antes que a Justiça Eleitoral carimbe em sua biografia o título de ficha-suja. Trata Ciro Gomes com os pés mesmo sabendo que não dispõe de nenhuma boa alternativa à mão.

Se o PT tivesse algo novo a oferecer, já teria aparecido alguém sugerindo que o partido fechasse para balanço pelo menos até a convenção de julho. Os companheiros conseguiram demonstrar que agremiações partidárias também podem falir. O partido da estrela vermelha foi à breca.


Do Blog do Josias de Souza, 11/05/2018, 03:20 hs
Estranho é o sono que não te devolve.
Como é estrangeiro o sossego
de quem não espera recado.
Essa sombra como é a alma
de quem já só por dentro se ilumina
e surpreende
e por fora é
apenas peso de ser tarde.Como é 
amargo não poder guardar-te
em chão mais próximo do coração.

Daniel Faria

CÃES E ÁGUA


quinta-feira, 10 de maio de 2018

Toco a sua boca com um dedo, toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se, pela primeira vez, a sua boca entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que minha mão escolheu e desenha no seu rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade, eleita por mim para desenhá-la com minha mão em seu rosto, e que, por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que minha mão desenha em você. Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de ciclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõe-se, e os ciclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem, com um perfume antigo e um grande silêncio. Então as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se estivéssemos com a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.


Julio Cortázar