A ESCRAVIDÃO APÓS A ABOLIÇÃO
Vicente José da Silva não sabia o que era relógio. Entretanto, quando o sol virava para o outro lado do riacho, sabia que estava na hora de apartar as vacas dos bezerros e selar o animal de seu senhor. Do entardecer ao luar, caminhava descalço por até quatro horas puxando o cavalo que o patrão montava pelas estradas. Por aproximadamente 10 anos, essa foi parte de sua rotina de escravatura em Capela Nova, interior de Minas Gerais, ainda que, naquela época, a abolição, assinada em 13 de maio de 1888, já estivesse prestes a completar meio século no Brasil. “Meus pais sabiam que eu era escravo, mas a gente não tinha escolha”, conta Vicente, hoje aos 92 anos, sobre o período de servidão.
Nascido em 26 de julho de 1927, ele cresceu em casa de pau a pique erguida num pedaço de chão chamado Fartura. A realidade da família de oito rebentos, porém, era de fome e miséria. Os pais viviam e plantavam nas terras de um latifundiário conhecido como Capitão Justo. Em troca, eram obrigados a entregar metade da lavoura ao dono, além de ceder a força de trabalho dos filhos, muitos deles, como Vicente, que ainda eram criança.
Justo ostentava a patente de capitão, mas que foi comprada tal qual um título de nobreza. Quando o Capitão morreu, Jaci, um de seus herdeiros, tomou Vicente como seu criado na fazenda quando ele tinha apenas oito anos. “Pra quem nasceu preto, tipo eu, a escravidão continuava sendo normal. O patrão me levou pra lá e virei escravo dele, meio despistado, porque meus pais tinham medo de ser mandados embora da terra e a gente não ter mais o que comer.”
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Breiller Pires, El País, Belo Horizinte, 12/052020, 23:13 hs
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