domingo, 28 de junho de 2020

O DILEMA PSIQUIÁTRICO

O tema "delírio" atravessa a história da psiquiatria, e, por extensão, da psicopatologia clínica. É que os modos de subjetivação (pacientes) operam segundo dois elementos básicos: crença e afeto. Há sempre algo em que se acreditar e há sempre algo que se sente. Isso conduz ao fato de que compreender (ou aceitar) um delírio só é possível se se considera a produção delirante para além do enfoque biomédico, o qual, por uma questão de método, trata o delírio apenas como sintoma. E se é sintoma, deve ser suprimido. Ora, os modos de subjetivação são um efeito e não causa de discursos múltiplos e experiências inomináveis. Não são sintomas mas realidades "reais" e densas em si mesmas. Desse modo problematizam o conceito de anormalidade mental. Há, pois, narrativas insólitas muitas delas úteis ao paciente como território de sentido e motivo para existir. As crenças (religiosas, culturais, místicas, políticas, ocultistas, filosóficas, antropológicas, conspiracionistas, históricas etc) e os afetos correlatos compõem semióticas irredutíveis à concepção psiquiátrica. Esta, colonizada por um positivismo neurológico cada vez mais atolado na reificação do cérebro, deixa escapar a riqueza e a complexidade de um delírio (uma crença) ou pior, considera doente quem não é. Ou, ao contrário, considera não doente quem é. Pelo visto, a psiquiatria se debate num dilema aparentemente insolúvel. Sabe e não sabe quem é normal.


A.M.

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