sábado, 20 de junho de 2020

PSIQUIATRIA NO CAPS

Num território clínico encharcado pelo uso generalizado de psicofármacos, como fazer a diferença? O próprio paciente quer fármacos, pede isso, mais e mais, naturalizando a função de psiquiatra como a de “passador de remédios”. Mas não só o paciente. “Todos” pedem mais remédios químicos para, entre outros objetivos, manter a ordem no serviço e no mundo. Trata-se de um legado do antigo manicômio que se mantém atuante como necessidade de haver um psiquiatra. São argumentos variados a favor de: 1-clínicos: as psicoses (ou bordelines) são consideradas como as patologias mentais mais graves; por isso, só um psiquiatra estaria capacitado para tratá-las, pelos menos num primeiro instante; 2-morais: os transtornos mentais levam os seus portadores a condutas socialmente inadequadas, às vezes violentas; o psiquiatra deve ser chamado; 3-jurídicos: o psiquiatra é médico e esse dado implica num poder jurídico estabelecido, o que o diferencia dos demais técnicos; 4-institucionais: a relação de poder psiquiatra-paciente fornece o modelo de atendimento que se reproduz como verdade da clínica. 5- políticos: o estado necessita da psiquiatria para manter um funcionamento ótimo das suas práticas e enunciados na gestão da coisa pública: a racionalidade como modelo. Ora, se pretendemos outro tipo de trabalho, a função-psiquiatra deve ser estilhaçada, fragmentada, relativizada, esquizofrenizada, e é desse modo que se torna possível outra psiquiatria. A escuta do paciente e o movimento dialógico até os demais técnicos. Linhas desejantes fazem surgir um trabalho singular e criador: outra ética. Do contrário, o nada da melancolia será o destino.

A.M.

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