sexta-feira, 18 de março de 2022

QUÍMICA: MODO DE USAR

O remédio compõe a paisagem  dos consultórios. Ele expressa  o olhar direto do psiquiatra. Antes  mesmo de ver o outro, o olho do significante absoluto  empreende  o ato de medicar antes de viver e decifrar um fascies. A aparência não aparece.  O remédio é uma arma tornada amena e humana em mãos prescritivas e rápidas. Nada contra a sua eficácia comprovada em neuro-experimentos insuspeitos. Trata-se de outra coisa: o desejo. O fármaco lamina formas de vida, nivela subjetividades, enxuga paixões. Ao que tudo  indica,  ele  chega pronto para uma ação bioquímica definida.  O outro,  traste humanizado em nome do paciente, é o próprio. Remediar a condição  humana, quem não tentou? É preciso ser prudente no ato de medicar. A hora da alienação consentida domina as mentes, inclusive as do último ouvinte da loucura. Afaste-se  da demanda criada pelo fármaco salvador. Isso livra a concepção racional  da diferença  e a substitui  pela alegria: universo de potências múltiplas. O psicofármaco tripudia das mentes inferiorizadas pelo sistema dos valores de troca do mercado. Um coração fenece sempre que a dobra do tempo incide sobre o ser  imóvel.  Ao contrário,  use a posologia dos afetos.  Palavras técnicas dão lugar a vôos baixos. Vá no rumo da mais louca abstração. Espécies esquecidas. Lovecraft.


A.M.

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