QUÍMICA: MODO DE USAR
O remédio compõe a paisagem dos consultórios. Ele expressa o olhar direto do psiquiatra. Antes mesmo de ver o outro, o olho do significante absoluto empreende o ato de medicar antes de viver e decifrar um fascies. A aparência não aparece. O remédio é uma arma tornada amena e humana em mãos prescritivas e rápidas. Nada contra a sua eficácia comprovada em neuro-experimentos insuspeitos. Trata-se de outra coisa: o desejo. O fármaco lamina formas de vida, nivela subjetividades, enxuga paixões. Ao que tudo indica, ele chega pronto para uma ação bioquímica definida. O outro, traste humanizado em nome do paciente, é o próprio. Remediar a condição humana, quem não tentou? É preciso ser prudente no ato de medicar. A hora da alienação consentida domina as mentes, inclusive as do último ouvinte da loucura. Afaste-se da demanda criada pelo fármaco salvador. Isso livra a concepção racional da diferença e a substitui pela alegria: universo de potências múltiplas. O psicofármaco tripudia das mentes inferiorizadas pelo sistema dos valores de troca do mercado. Um coração fenece sempre que a dobra do tempo incide sobre o ser imóvel. Ao contrário, use a posologia dos afetos. Palavras técnicas dão lugar a vôos baixos. Vá no rumo da mais louca abstração. Espécies esquecidas. Lovecraft.
A.M.
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