A FAVOR DA ALEGRIA
(...) Quando vocês têm um afeto triste, é porque um corpo age sobre o seu, uma alma age sobre a sua em condições tais e sob uma relação que não convém com a sua. Por conseguinte, nada na tristeza pode induzi-los a formar a noção comum, isto é, a idéia de algo em comum entre os dois corpos e as duas almas. O que ele está prestes a dizer está cheio de sabedoria: é por isso que pensar na morte é a coisa mais imunda. Ele se opõe a toda tradição filosófica que é uma meditação sobre a morte. Sua fórmula diz que a filosofia é uma meditação da vida e não da morte; obviamente, porque a morte é sempre um mau encontro.
Outro caso. Você é afetado de alegria. Sua potência de agir é aumentada, isso não quer dizer que você esteja de posse dela, mas o fato de que você esteja sendo afetado de alegria significa e indica que o corpo ou a alma que o afeta desse modo afeta você sob uma relação que se combina com a sua, e isso abrange desde a fórmula do amor até a fórmula alimentar. Num afeto de alegria, portanto, o corpo que o afeta é indicado como compondo a relação dele com a sua, ao invés da relação dele decompor a sua. Desde então, alguma coisa irá induzi-lo a formar a noção do que é comum ao corpo que o afeta e ao seu, à alma que o afeta e à sua. Nesse sentido, a alegria torna-se inteligente. Sentimos que aqui há um truque interessante porque, método geométrico ou não, estaremos plenamente de acordo, ele pode demonstrá-lo. Mas existe um apelo evidente a uma espécie de experiência vivida. Há um apelo evidente a uma maneira de perceber, e bem mais, a uma maneira de viver. É preciso ter desde já um tal ódio às paixões tristes, a lista das paixões tristes em Spinoza é infinita, ele chegará a dizer que toda idéia de recompensa envolve uma paixão triste, toda idéia de orgulho, a culpabilidade. É um dos momentos mais maravilhosos da Ética.
É como se os afetos de alegria fossem um trampolim, eles fazem vocês passarem através de alguma coisa pela qual jamais poderiam passar se só existissem tristezas. Eles nos solicitam a formar a idéia do que é comum ao corpo que afeta e ao corpo que é afetado. Isso pode fracassar, mas pode ter sucesso e tornar-me inteligente. Alguém que se torna bom em latim quando se apaixona... já se viu isso nos seminários. A que isso está ligado? Como alguém faz progressos?
(...)
Gilles Deleuze, trecho da aula sobre Spinosa, Cours Vincennes, 24/01/1978,tradução: Francisco Traverso Fuchs.
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