domingo, 27 de março de 2016

SEM ROSTO

(...) Desfazer o rosto não é uma coisa à toa. Corre-se aí o risco da loucura: é por acaso que o esquizo perde ao mesmo tempo o sentido do rosto, de seu próprio rosto e do dos outros, o sentido da paisagem, o sentido da linguagem e de suas significações dominantes? É porque o rosto é uma organização forte. Pode-se dizer que o rosto assume em seu retângulo ou em seu círculo todo um conjunto de traços, traços de rostidade, que ele irá subsumir e colocar a serviço da significância e da subjetivação. Que é um tique? É precisamente a luta sempre recomeçada entre um traço de rostidade, que tenta escapar da organização soberana do rosto, e o próprio rosto que se fecha novamente nesse traço, recupera-o, barra sua linha de fuga, impõe-lhe novamente sua organização. (Na distinção médica entre o tique clônico ou convulsivo, e o tique tônico ou espasmódico, talvez seja necessário ver no primeiro caso o predomínio do traço de rostidade que tenta fugir; no segundo caso, o da organização de rosto que procura fechar novamente, imobilizar). Entretanto, se desfazer o rosto é um grande feito, é porque não é uma simples história de tiques, nem uma aventura de amador ou de esteta. Se o rosto é uma política, desfazer o rosto também o é, engajando devires reais, todo um devir-clandestino. Desfazer o rosto é o mesmo que atravessar o muro do significante, sair do buraco negro da subjetividade. O programa, o slogan da esquizoanálise vem a ser este: procurem seus buracos negros e seus muros brancos, conheçam-nos, conheçam seus rostos, de outro modo vocês não os desfarão, de outro modo não traçarão suas linhas de fuga.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil platôs, vol 3

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