SEM ROSTO
(...) Desfazer o rosto não é uma coisa à toa. Corre-se aí o risco da loucura: é
por acaso que o esquizo perde ao mesmo tempo o sentido do rosto, de seu
próprio rosto e do dos outros, o sentido da paisagem, o sentido da
linguagem e de suas significações dominantes? É porque o rosto é uma
organização forte. Pode-se dizer que o rosto assume em seu retângulo ou
em seu círculo todo um conjunto de traços, traços de rostidade, que ele irá
subsumir e colocar a serviço da significância e da subjetivação. Que é um
tique? É precisamente a luta sempre recomeçada entre um traço de
rostidade, que tenta escapar da organização soberana do rosto, e o próprio
rosto que se fecha novamente nesse traço, recupera-o, barra sua linha de
fuga, impõe-lhe novamente sua organização. (Na distinção médica entre o
tique clônico ou convulsivo, e o tique tônico ou espasmódico, talvez seja
necessário ver no primeiro caso o predomínio do traço de rostidade que
tenta fugir; no segundo caso, o da organização de rosto que procura fechar
novamente, imobilizar). Entretanto, se desfazer o rosto é um grande feito, é
porque não é uma simples história de tiques, nem uma aventura de amador
ou de esteta. Se o rosto é uma política, desfazer o rosto também o é,
engajando devires reais, todo um devir-clandestino. Desfazer o rosto é o
mesmo que atravessar o muro do significante, sair do buraco negro da
subjetividade. O programa, o slogan da esquizoanálise vem a ser este:
procurem seus buracos negros e seus muros brancos, conheçam-nos,
conheçam seus rostos, de outro modo vocês não os desfarão, de outro modo
não traçarão suas linhas de fuga.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil platôs, vol 3
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