domingo, 27 de março de 2016

OUTRA VOLTA DO PARAFUSO

Pela primeira vez, no Brasil, um presidente eleito pelo voto direto foi afastado do cargo, por envolvimento em denúncias de corrupção. No dia 29 de dezembro de 1992, o "caçador de marajás" Fernando Collor de Mello, eleito em 1989, foi expulso da Presidência.
As denúncias surgiram em seu próprio quintal. Em fevereiro de 1992, o empresário Pedro Collor, irmão e arquiinimigo do presidente, revelou os detalhes de uma rede de tráfico de influências no governo. As denúncias, investigadas por um Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Congresso, levaram à descoberta da rede de corrupção. Na campanha, Paulo César Farias, o PC, tesoureiro do então candidato, arrecadara contribuições milionárias de empresários, com o argumento de que Collor era a única alternativa viável para derrotar Luiz Inácio Lula da Silva, o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT).
Após a posse de Collor, as chamadas "sobras de campanha" - somadas a uma fortuna obtida através de transações com usineiros - foram depositadas na conta da EPC, empresa de Paulo César Farias. No decorrer do governo, o esquema PC continuou arrecadando propinas, engordando as contas bancárias de políticos e pagando as despesas pessoais de Collor e de sua mulher, Rosane. Com a extinção do cheque ao portador, o esquema PC começou a usar "fantasmas". Estes movimentaram pelo menos US$ 32,2 milhões. Nas ruas das principais cidades do país, estudantes - os caras-pintadas (com as cores verde e amarelo no rosto) - pediam ao lado de manifestantes de outros setores da sociedade a saída de Collor, num processo que terminaria no impeachment. Nas passeatas do movimento dos caras-pintadas, eles cantavam o jingle "Ai, ai, ai, ai, se empurrar o Collor cai".
Concluído o relatório da CPI, Collor foi julgado pela Câmara, que, em 29 de setembro de 1992, autorizou o processo de impeachment por 441 votos a 38. A Casa autorizou o Senado a processar Collor, por crime de responsabilidade, devido ao seu envolvimento no esquema de corrupção montado por PC Farias. No dia 2 de outubro, após 932 dias de governo, Collor foi afastado da Presidência. Sob vaias e de mãos dadas com dona Rosane, deixou o Palácio do Planalto pela porta dos fundos. No mesmo dia, o vice-presidente, Itamar Franco, assumiu interinamente o governo. O destino de Collor seria decidido no Senado, mas manifestantes já festejavam nas ruas gritando o slogan "Fora, Collor! Fora, Collor". Em São Paulo, o povo ocupou o Vale do Anhangabaú para comemorar a saída do ex-governador de Alagoas da Presidência da República.
Antes do julgamento no Senado, mais escândalo: Collor e PC forjaram documentos para sugerir que aquele dinheiro vinha de um empréstimo para campanha feito no Uruguai. O presidente afastado demonstrou fôlego, negando as acusações até o fim. E ainda convocou os eleitores a vestirem verde e amarelo, no domingo anterior ao julgamento. Em resposta, o povo vestiu preto. No dia da votação, ele renunciou ao mandato. Na mesma data, o dia 29 de dezembro, Itamar Franco assumiu em definitivo a Presidência do país. E, por decisão do Senado (76 votos a 3), Collor acabaria cassado, sendo proibido de exercer cargos públicos por oito anos.

O Globo, 17/03/2016, 19:17 hs

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