A CRISE NA CRISE
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A crise atual acontece num momento de crise econômica, quebradeira do Estado, véspera de Olimpíada. Não há solução durável no horizonte. É por sentir essa sensação de aperto que olho para o smartphone com alguma expectativa. Por que desprezá-lo? O fato novo que propiciou é uma sociedade com uma extensa capacidade de se informar. O que significa também instrumentos para melhor se defender. É uma contingência. Não significa substituir o Estado, nem deixar de exigir serviços decentes. Apesar da quebradeira, o Estado ainda detém importantes instrumentos tecnológicos no seu centro de comando e controle. Poderia ser um grande parceiro nesse fluxo de informações, alertas, enfim entrar numa outra dimensão da luta pela segurança. Numa entrevista, José Mariano Beltrame me declarou que as UPPS eram apenas uma anestesia pois o projeto de recuperar socialmente os lugares ocupados não vingou. E o efeito da anestesia está passando.
Quando me atrevo a pensar em segurança, algo inevitável para quem trabalha na rua, sei que um abraço na tecnologia da informação não resolve os problemas de fundo. Mas é o velho dilema que nos persegue: o que fazer enquanto não se resolvem os problemas de fundo? Talvez seja prematuro refletir sobre isto antes da Olimpíada, quando se espera um alívio temporário. A Copa do Mundo já passou, e a vida continuou do mesmo jeito ou pior. Esses eventos não têm o condão mágico de resolver problemas.
Depois da Olimpíada, a realidade vai aparecer com toda a crueza. Quando começo a olhar para o telefone e a perguntar o que pode fazer por mim é porque a situação está brava ou, pelo menos, parece estar. Daí a necessidade de pensar cenários de crise, alguns remédios. A crescente violência urbana pode suscitar uma série de visões extremadas mas ao mesmo tempo atraentes pela sua simplicidade.
Depois do que aconteceu com a União Europeia, com a saída do Reino Unido, constatei mais uma vez que nem sempre uma posição mais racional triunfa, que a História não tem um script linear. O Brasil vive um período vulnerável. Estado falido, sistema político falido. De alguns políticos, com a ajuda da Lava-Jato, a sociedade está a caminho de se livrar. No entanto, não pode se livrar facilmente dos estragos que deixaram no seu rastro. É um grande desafio para ela: com a falência estatal precisa preencher parte das atribuições do governo. E ainda ter serenidade. Haja paciência.
Fernando Gabeira, 03/07/2016
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